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Entre o clássico, o beat e o marginal: Luigi Ricciardi lança livro de contos que retrata um Brasil ‘noir’ 

Autor do romance “Os passos vermelhos de John: ou a invenção do tempo”, mergulha nos submundos da humanidade em  “O descobrimento do Brasil”

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“Esse é o Brasil, não tem nada pra ser descoberto, o modus operandi existe desde que chegou a primeira caravela.” – Trecho do livro, pág. 42

Violência, tragédia, perda, luto, morte e trauma. É isso o que o leitor encontra ao tentar “descobrir” o Brasil dentro do novo livro de contos do escritor paranaense  Luigi Ricciardi. Em “O descobrimento do Brasil” (Editora Patuá, 120 pág.), o autor apresenta um mosaico de personagens que se encontram em um mundo violento, muitas vezes em momentos-chave de suas vidas. E, diante deste mundo vil e agressivo, precisam fazer as escolhas mais difíceis: escapar deste cenário ou tentar sobreviver a qualquer custo?

Na composição dos contos, Ricciardi joga com as palavras e faz uso de uma série de referência a grandes nomes da literatura, como o poeta beat Lawrence Ferlinghetti, o poeta português Fernando Pessoa, os autores brasileiros Rubem Fonseca e Guimarães Rosa, entre outros. Quando o leitor adentra aos contos, é levado também a passear com esta multiplicidade de vozes que emergem dos submundos narrativos, convocando estilos diversos, como a escrita instantânea da geração beatnik, o ambiente “noir” dos contos sombrios e de crimes, as peripécias narrativas e de linguagem de Rosa, a poesia de Fernando Pessoa, entre outros.

“O descobrimento do Brasil” descortina a vida de seus personagens — um haitiano refugiado que vive morre de saudades de sua família e ainda mal compreende o português; um jovem que assassina seu colega como vingança por ele ser um abusador de meninos; um ativista francês que fica frente a frente ao seu torturador do DOI-CODI; um jovem de favela que recebe uma “tarefa” de um traficante mais velho. Para Ricciardi, as pessoas são mais importantes do que os temas em suas obras, que perpassam por um ponto comum: a violência. “A violência é um dos temas centrais do livro, ela habita a obra quase toda. Vários tipos de violência aparecem. O Brasil é um país fundado sob o signo da violência. Daí o título irônico”, justifica.

Embora o livro tenha uma unidade temática e a maioria dos contos estejam costurados pelas temáticas centrais, “O descobrimento do Brasil” é uma série de histórias independentes. “Um parque de diversões na cabeça” foi inspirado em uma história real, de um parente que morreu em uma explosão, enquanto que “Port-au-Prince” nasceu quando Ricciardi percebeu que havia muitos haitianos em sua cidade e no Brasil, mas “ninguém os retratava na literatura”.  “Memórias sobre uma garota morta” é uma história pessoal: o escritor sonhou inúmeras vezes com a sua irmã natimorta pedindo para fazê-la viver nas páginas de um livro. “E assim o livro foi se montando. Percebi logo no início que, de alguma forma, aquelas histórias se conectavam e estavam construindo uma obra coesa”, explica o escritor.

Um fundo musical para um país fundado sob o signo da violência 

“O descobrimento do Brasil” teve sua primeira edição em autopublicação em 2018 com o título de “A aspereza da loucura” — revista e reescrita, a obra sai agora pela Patuá. A obra surge de uma inspiração diferente: é através da influência musical que nasce o conto que dá título ao livro. Trata-se da canção homônima de Legião Urbana, que em seu livro sofre uma inversão: no conto, o final não é feliz. A obra também traz uma série de inspirações literárias. “Todo abismo é navegável a barquinhos de papel” é uma frase do conto “Desenredo” de Guimarães Rosa. “Um parque de diversões na cabeça” é o título de um livro de poesia do beatnik Lawrence Ferlinghetti. “Come chocolates, pequena” é um verso do poema “Tabacaria”, de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa. “Dívidas” é um conto livremente inspirado em “O cobrador”, de Rubem Fonseca.

Luigi Ricciardi, nome artístico do paranaense Luis Claudio Ferreira Silva, além de escritor, é professor, tradutor, crítico e influenciador digital. Nascido em Londrina em 1982, morou muitos anos em Maringá antes de voltar para sua cidade natal. Formado em Letras Português/Francês, Luigi é fundador do Universo Francês, onde ministra aulas da língua de Molière. Publicou vários livros de contos antes de lançar “Os passos vermelhos de John: ou a invenção do tempo” (Penalux, 2020), seu primeiro romance. O escritor mantém a Acrópole Revisitada, canal literário no YouTube criado durante seu doutorado em Literatura na UNESP (Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara). Foi professor da UEM (Universidade Estadual de Maringá) e atualmente leciona na UEL (Universidade Estadual de Londrina). É um dos tradutores do livro “As revelações de Arsène Lupin” (Madrepérola, 2022).

Ricciardi atualmente mergulha na escrita de um novo romance. “Não sei no que vai dar, mas estou vivendo intensamente a história. Já escrevi uns cinco romances, mas só publiquei um, porque quase nunca gosto do resultado. Desse estou gostando muito do processo”, revela. “É uma história que se passa nos anos oitenta, com enorme pano de fundo político e cultural. Inclusive é uma história geracional. É o máximo que posso dizer por hora.”

Confira trechos de “O descobrimento do Brasil”:

“Azul é a cor preferida dos psicopatas. O cinza é a cor que menos apresenta emoção. Azul acinzentado é meu peito aparente, sem culpas. Mas é só por fora. Por dentro, um rubro intenso, de uma intensidade cuja classificação a psicologia das cores deveria redefinir. A noite começa cair e deixo que o pânico desça sobre mim.” (p. 2)

“Não vou dizer que não peguei gosto, empunhar uma arma e botar pressão. Mas a coisa aqui é outra, sou bandido por ideologia, menino. Se a sociedade não quer que a gente ganhe dinheiro e dignidade pelas vias legais a gente vai pela ilegalidade, tá entendendo. É assim que a gente se vira.” (p. 39)

“O lugar onde você mora é cheio de nadas. Uma flutuação de nadas. Não há limbo na entrada dos círculos do inferno. Dizem que quem morre criança vai direto pro céu, mas céu não há mais. (…) Não existe matéria onde você está. Não há abraço onde você está.” (p. 95)

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