Depois de 20 anos da primeira publicação, escritor e jornalista piauiense Hermes Coêlho lança Violado; autor reside há mais de dez anos em Brasília, onde atua na TV Senado
“É um exercício de arte onde, depois do espanto, vem a necessidade do burilar, da busca dos tons.” – Trecho da orelha, assinado por Maurício Melo Júnior
Em Violado, novo livro do escritor e jornalista piauiense Hermes Coêlho (@hermescoelho), obra publicada pela Editora Patuá, o autor percorre, em um rito de passagem, temas como traumas de infância, cenas poético-amorosas contemporâneas e um latente desejo homoerótico. Hermes é natural de Teresina, no Piauí, e mora em Brasília desde 2010, quando começou a trabalhar na TV Senado. Atualmente, é chefe de reportagem e apresentador do programa Cidadania na emissora. O livro tem prefácio assinado pelo escritor Adriano Lobão Aragão e orelha escrita pelo também escritor Maurício Melo Júnior.
Dividido em seis partes, Violado começa com o bloco “inescapável”, em que o autor quase revela os motivos pelos quais voltou a escrever: “escreve / ou devoro-te”. Ao receber da vida esta missão, resolveu dividir-se novamente e trazer à tona seu lado poeta. Através de versos curtos, mas minuciosamente escolhidos e milimetricamente versados, Hermes reinventa, em sua segunda obra, traços que surgiram 20 anos atrás em seu primeiro livro, Nu, de 2002, publicado pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves, vencedor do prêmio Cidade de Teresina através do Concurso Novos Autores.
Um destaque de Violado é a carga homoerótica dos poemas que escapa por entre as frestas dos versos curtos e que saltam ao leitor como revelações, como pequenas epifanias de um desejo que parece ter sido ocultado diversas vezes. Além disso, Hermes também percorre as suas “cidades nuas” em busca de reconhecer nos outros algo de si mesmo. Traz, na sua força de rebeldia, uma vontade de explodir com as fórmulas comuns e achar um verso que sirva exatamente para si e que faça os leitores entenderem que “se pareço maldito / é porque o sou de fato”.
Por meio de uma linguagem simples, na maioria das vezes prosaica, o escritor tem também a coragem de não parecer antiquado: quando quer, faz uso das rimas ou encurta os poemas que quase soam como haikais desconstruídos. Reflete sobre os tuaregs, povos do deserto do norte da África, e sonha em amar com a fome dos haitianos, deixando que imagens contrastantes invadam sua poética que, tal como a si próprio, se vê violada.
Dos traumas da infância às inspirações poéticas
Violado traça também uma trajetória incerta, de alguns descaminhos percorridos nos primeiros anos de vida, da descoberta de um desejo LGBTQIAPN+, do desejo de escrever, do medo e da coragem da poesia. Hermes Coêlho nos diz que escreve na busca do “momento em que dor e prazer se confundem, transformando-se em versos lírico-homoeróticos.” Por conta disso, define: “Violado é libertação das amarras impostas, é metamorfose.”
Nesta metamorfose, em que sua poética não apenas cresce dentro de si, mas se transforma em outra coisa, pode-se dizer que o violado, aquele que teve seu corpo atingido, torna-se um outro violado, aquele que deixou a sonoridade da vida tocar-lhe e transformou a dor em poesia e som. O violado agora faz poesia como quem toca um violão.
Muitas são as referências poéticas do autor, dentre elas muitos clássicos da poesia brasileira, como Paulo Leminski e Hilda Hilst, cujas poéticas se aproximam bastante da escrita do autor. Porém, não deixa de citar alguns de seus conterrâneos do Piauí: O.G. Rêgo de Carvalho e a literatura de cordel nordestina. E por que escrever? “Não escolhi escrever, é a poesia que se impõe desde sempre”, conta o autor. E, para fazer poesia, dá apenas uma pista:
“ouve-me bem menino
quando fores amar
ama com alma
anima no latim
brisa que faz do nosso barro
ter algo que se assemelhe
ao senti ( r )
do ( r )
Confira alguns poemas da obra:
disse-me
a vida
esfinge inescapável
de todos os homens
escreve
ou devoro-te
a carne
que não pode ser tocada
não permite que se chegue
ao cerne
Comente!