“mas amar inclui sentir / a passagem do tempo /
pois escrever poemas é lapidar a linguagem /
até fazer as palavras brilharem”
(pág. 267)
Artista nato, além de pai e poeta, Baga Defente é fundador do NADA∴Studio Criativo, um ateliê multimídia, produtora cultural e editora independente com sede em Botucatu, no interior de São Paulo. Após publicar ‘Pra estancar essa sangria’ em 2021, via Lei Aldir Blanc, livro que reúne seus três primeiros lançamentos artesanais, o autor apresenta “Teu sangue vermelho na minha parede” (416 pág.). Contemplada pelo edital ProAC/SP de 2022, a obra, publicada pela sua editora, será lançada oficialmente no dia 23/11 às 16h, dentro da programação da Casa Pagã, na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), no Rio de Janeiro.
Por meio de uma escrita informal, pessoal e ensaística, seu primeiro romance — ou, como ele prefere chamar, “metarromance epistolar” — é ambicioso. Trata-se de uma mistura de (auto)ficção e não-ficção, com elementos autobiográficos, culturais e literários, todos em meio a anotações de um homem comum que, em tom irônico e crítico, realiza reflexões sobre política, os impactos e transformações causados pela pandemia, relacionamentos, paternidade, memória e ocultismo. A brutal e quase incômoda honestidade da obra a transcende, oferecendo aos leitores a oportunidade de se conectar com suas próprias jornadas interiores na busca pela pedra filosofal da expressão pessoal.
O personagem principal, Lêonidas, é um homem branco, hétero e de classe média que se encontra devastado após o fim de um relacionamento e o afastamento gradual de sua ex-namorada. A ausência de Lucy Lake faz ruir toda vida a sua volta, fazendo com que ele não vislumbre qualquer possibilidade para seu futuro sem a companheira. Os traumas e paranóia são inflamados pela solidão coletiva provocada pela pandemia da Covid-19. Paradoxalmente, Leônidas encontra dificuldades e alívio no exercício da sua paternidade enquanto tenta se recompor e encontrar seu novo lugar no mundo.
“Comecei essas anotações no intuito de falar um pouco sobre meus sentimentos nessa bizarra situação de isolamento social, de como isso vem afetando nossas emoções, como estou me sentindo trancafiado dentro de casa e com medo de contato humano”, narra Leônidas. Suas observações envolvem dias enclausurados em razão da crise sanitária, tentativas de desviar o foco de Lucy Lake com outras mulheres e a busca pelo reencontro consigo.
O livro é dividido em três partes distintas (denominadas como Nigredo, Albedo e Rubedo, principais etapas do processo alquímico). Em primeira e terceira pessoa, a história investiga o que move esse personagem e do que é composto esse limbo no qual se encontra. Além de mudanças na voz narrativa, o escritor também alterna foco, tempo e modo narrativo.
Além das convenções de gênero literário: bebendo da fonte do norueguês Karl Ove Knausgård
Baga usa uma narrativa híbrida e processual, uma espécie de autogeografia em diálogo com outros autores, desafiando as convenções do gênero. Poemas, cartas, rascunhos, diários, transcrições de chats e sessões de regressão compõem a narrativa que explora as complexas emoções e pensamentos de seu protagonista. Relatos de sonhos e postagens em redes sociais também são transcritas com linguagens características a cada tipo de nota. O livro, vivo, se transforma e sua formatação o acompanha.
Desde o projeto gráfico, também elaborado pelo autor, a obra é influenciada pela alquimia. Pelas possibilidades de absorção e transformação proporcionadas pela leitura, pelas referências acumuladas do escritor que através de seu filtro se transformam em algo novo para seguir em fluxo quando novas pessoas tiverem contato com o livro.
O autor cita o norueguês Karl Ove Knausgård (que também é referenciado no livro) quando este disse em entrevista à Folha de São Paulo que escrevia sua autobiografia e se via surpreso quando outros lhe confessavam intimidade com sua história. E como o mesmo processo, de transformar experiências pessoais em algo literário, também resulta em um novo fruto.
Para Alex Zani, editor e produtor editorial do livro, a influência do norueguês não se deu apenas no processo da escrita em si, mas também há um paralelo na relação escritor-editor, já que em ambas as obras o editor se torna um personagem e está de fato inserido no cotidiano do protagonista-autor-narrador.
Baga também estabelece diálogo direto com outras obras e autores ao longo do livro, transitando entre reflexões sobre o ato da escrita e passagens que podem, a priori, aparentar um relato trivial, mas em contexto se revelam como uma densa investigação do humor e vida ao redor de Leônidas, cujas idiossincrasias são ostensivas.
“Teu sangue vermelho na minha parede verde” é um convite para entender melhor o lugar de cada um no mundo. Ao despir-se de julgamentos, o leitor é capaz de se conectar com sua jornada interior, reconhecer situações familiares e tomar uma atitude tão difícil para nossas rotinas dinâmicas: parar para prestar atenção.
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