“Crônicas das Trevas Antigas”, de Michelle Paver

Séries de livros sobre jovens heróis, aprendizes ou incipientes em um mundo de fantasia, não são novidades. Podemos analisar que a popularidade desse fenômeno literário começou com o bruxinho de Hogwarts, mas sabemos que não foi a primeira. Para comprovar a fórmula do sucesso, lembremos do resultado conquistado no oitavo e último filme. E mais ainda evidenciado em tantas outras séries que seguiram o filão de Potter, mas que conseguiram ganhar seu espaço, cada qual com suas características e premissas essenciais para uma notoriedade alcançada, como Artemis Fowl, Desventuras em série, Eragon, Septimus Heap, Percy Jackson ou Lucinda Price.

Outra série, que chegou por aqui, sem estardalhaço, consegue se incluir nesse hall por contar uma história diferente, ambientada não num cenário fantástico, e sim em um período histórico possível. Analisaremos Chronicles of Ancient Darkness, ou melhor, Crônicas das Trevas Antigas, como uma aposta de leitura e que certamente atrairá uma leva de fãs também no Brasil pelo envolvimento que a história e os personagens transmitem.

Escrita pela inglesa Michelle Paver, a narrativa é ambientada numa Europa antiga, paleolítica, que transporta o leitor para uma época quando o homem ainda era nômade e vivia em clãs, retirando da natureza somente o necessário, onde a identidade tribal era superior e a magia estava atrelada às forças da criação.

Primeira incursão à literatura fantástica da autora, a série já foi traduzida em mais de 35 idiomas, a série de aventura pré-histórica atrai leitores do mundo todo por usar dessa linha fictícia mas que poderíamos pensar que seria possível, pela maneira que a autora descreve o cenário e ambienta as aventuras de seus personagens.

São seis livros: Wolf Brother (Irmão Lobo), Spirit Walker (Espírito errante), Soul Eater (, Outcast (Desterrado), Oath Breaker (Perjuro) e Ghost Hunter (Caçador de Fantasmas), todos publicados pela Rocco e com tradução exemplar de Domenico Demasi;

Seu protagonista não tem poderes, não tem nem um anel, nem uma varinha, mas conta com a ajuda de um lobo e sua habilidade como caçador para sobreviver aos perigos da floresta e derrotar os inimigos de seu pai, os devoradores de alma, para não escapar da veia fantástica.

A seguir um breve resumo dos livros, e após uma análise da série:

Uma busca impossível… Um herói… A jornada épica de um menino e um lobo.

O primeiro volume, Irmão Lobo, apresenta Torak, um jovem de 12 anos, que vivia proscrito com o pai na floresta, evitando qualquer contato com os clãs. Agora órfão, após seu pai ter sido assassinado por um estranho urso gigante, possuído por um demônio, terá que encontrar encontraria A Montanha do Espírito do Mundo, para assim destruir o Urso maléfico. A criatura ameaça extinguir todos os clãs das florestas como também todos os animais e poderia se tornar invencível até certa data, que seria no aparecimento da Lua de Sangue Vermelho no céu. Sozinho e longe de seu clã, Torak encontra o seu animal guia, porém nem imaginaria que seria um lobo filhote, órfão como ele. Começa assim a missão desesperada do garoto, uma aventura que provará o seu valor, inteligência e a capacidade de caçador em uma região cheia de adversidades.

Uma doença ameaça os clãs da floresta… Uma nova jornada para encontrar a cura… Uma descoberta surpreendente.

Passados alguns meses após o confronto na Montanha do Espiríto do Mundo, uma nova ameaça, mais devastadora e difícil de enfrentar do que o urso assassino: uma misteriosa enfermidade começa a se propagar pela floresta e o pânico se espalha entre os clãs. A tranqüilidade que Torak vivia no Clã do Corvo, junto com sua amiga Renn acaba e, desesperado, Torak opta em empreender uma perigosa viagem para buscar a cura daquele mal que floresce tanto na floresta como no mar, que o conduzirá às misteriosas ilhas do Clã da Foca, onde parece que se conhece um remédio secreto para a terrível epidemia. Após superar alguns perigos ao longo da nova jornada, Torak irá reencontrar Lobo, agora mais crescido, confrontará um dos Devoradores de Almas e fará uma surpreendente descoberta sobre si mesmo. Torak precisará ao longo da saga derrotar os Devoradores de Alma, sete feiticeiros de clãs diferentes que almejam controlar o mundo conhecido. Neste segundo volume, enfrenta um deles, e em dois momentos cruciais para a trama, descobrirá a traição humana e uma revelação sobre o passado do pai, algo que mostrará ao jovem os motivos dos seus dons especiais e mudará sua vida para sempre.

Uma jornada forçada ao agreste gelado… Em busca de seu melhor amigo… O encontro esperado com seus maiores inimigos.

Após o confronto com o urso que matou seu pai e ameaçava toda a vida na floresta e encontrar a cura de uma doença terrível, agora encontrará seus maiores inimigos, os Devoradores de Alma; não somente um, mas quatro desses feiticeiros que desejam controlar o poder de uma gema mágica e todas as terras dos clãs. A história tem início no inverno, quando Torak, Renn, sua amiga de clã e Lobo estão caçando. Tudo parece normal, até que o adolescente encontra uma pena de coruja, sinal de mau agouro. De repente, Lobo corre em disparada, seguindo um cheiro diferente, e curioso por uma nova presa, desaparece na mata. Os dois jovens seguem o amigo lupino, mas não encontram seu sinal e logo descobrem que ele foi capturado por desconhecidos e levado em direção ao extremo norte. Decidem continuar a busca por Lobo e não voltar para o clã do corvo até encontrar o amigo-irmão. E partem em rumo a uma jornada forçada e desconhecida às terras geladas do norte, onde terão contato com o clã da raposa branca. Entretanto, a dupla desconhece que Lobo caiu em uma armadilha dos Devoradores de Alma, que querem capturar os animais caçadores para um sacrifício e obterem o poder perante toda a natureza e as tribos. Será que Torak conseguirá salvar o amigo e ao mesmo tempo impedir o plano maléfico dos seus inimigos, além de conseguir sobreviver ante as nevascas terríveis e a ameaça de um urso-branco?

Uma fuga pela sobrevivência… O tormento da doença-da-alma… Torak sozinho, banido, separado de seus companheiros… Uma fraude… 

O jovem após o confronto com os Devoradores de Alma, foi marcado com o estigma dos corruptores, algo que para os clãs é totalmente inconcebível. Por duas luas, Torak tentou esconder a marca dos “feiticeiros”, entretanto ela é descoberta e um drama se inicia na vida do rapaz. Considerado maldito para viver entre os clãs, é banido pelo clã que até então o acolhera, passa a ser caçado por todos os outros, escarnecido pelo Povo Oculto, o clã do lobo, seu clã de origem; agora Torak está sozinho e em fuga, separado de seus melhores amigos, Renn e seu irmão, Lobo. E o pior, o flagelo da doença-da-alma o consome, levando-o para a tênue fronteira da loucura e da realidade. Assim, o malévolo plano de Seshru, a feiticeira do clã Víbora tem êxito: Torak se torna um pária, desterrado e depreciado por todos. A única que ainda acredita nele, é Renn, que passará por uma série de peripécias para encontrá-lo, mas achará mais do que Torak, sua origem.

 

A morte de um amigo… Uma vingança a todo custo… O peso das escolhas.

Após a morte de seu primo, Bale do clã das focas, assassinado pelo últino Devorador de Almas, Torak se sente culpado por deixá-lo sozinho,  com remorsos, jura vingança. Acompanhado por Renn, terá que atravessar a Floresta Negra, um local afastado cujos boatos sobre seus clãs não são os melhores, dizem que perderam a razão Os clãs estão à beira de uma guerra, o inimigo é mais forte do que se poderia supor e a alma de Torak corre perigo. Conseguirá o jovem órfão vencer todos os desafios que ainda tem pela frente e derrotar, enfim, o temido Devorador de Almas?

O Fim…

Torak precisa deixar a floresta para procurar o covil da maga na Montanha de Fantasmas. O inverno está chegando e a Noite das Almas se aproxima, enquanto Eostra mantém os clãs sob o domínio do terror. O rapaz manifesta desesperadamente a falta de seu pai e sente sua presença, mesmo sabendo que está morto. É como se uma voz lhe avisasse sobre um perigo iminente, sendo difícil para o jovem órfão, neste momento, distinguir o que é real. Ele sabe que deve fazer algo para tranquilizar a passagem de seu pai para o mundo dos espíritos. Fin-Kedinn, o líder do Corvo, adverte o rapaz sobre a capacidade de Eostra em distorcer a realidade e sobre os riscos que surgirão pelo caminho, mas Torak, agora com 15 anos de idade – mais forte e alto –, segue determinado: “Você não pode me parar.”Ao tomar a decisão de deixar o campo do Corvo, sozinho, Torak sabia que o perigo recairia sobre ele, mas não imaginava os horrores e sacrifícios que o aguardavam. A tragédia o perseguirá, e a todos que ama, ao longo do caminho. Apesar de não concordar, Lobo respeita os desejos de Torak em ir sozinho; mas Renn, contrariando advertências, decide segui-lo. Ambos encontrarão o mal que causou todo o sofrimento que sentiram.

 

Com uma narrativa precisa, Paver consegue despertar a curiosidade de uma época distante, logo após a idade do Gelo, mas bem antes do aparecimento da agricultura. Para ajudar a imaginar a vida pré-histórica, Paver viajou para os confins da Finlândia e da Groenlândia, e conviveu com a cultura suni e inuite para assim compor sua narrativa dentro de uma sociedade coletora-caçadora. Em capítulos curtos, rápidas descrições, diálogos simples, dando até voz ao Lobo, que ao seu modo, narra trechos da aventura, com sua visão antropomórfica, Paver faz desta história um épico com desafios ancestrais e grandes perigos, uma história sobre honra e respeito, que diverte, ensina e delícia.

Viajei para a Lapônia, Noruega, onde dormi sobre pele de rena, provei bagas cavadas debaixo da terra e aprendi como carregar fogo no rolo de casca de bétula“, são algumas palavras que a autora respondeu sobre a construção do cenário em As Crônicas das Trevas Antigas, fazendo de sua narrativa um rompimento dos clichês que consideram o homem primitivo como um selvagem, que endeusa as forças da natureza porque não é capaz de entender o que está ao seu redor. O complexo sistema de crenças dos clãs do passado é coerente com sua percepção do mundo e se fundamenta no respeito. A saga procura então resgatar valores como o respeito do homem pelas forças da natureza e sua interação com cada ser vivo da floresta: é sublime o que os homens fazem quando tomam a vida de outros seres, agradecendo o seu espírito e a caça só servia para a subsistência, devendo aproveitar tudo o que está neste mundo.

Paver habilmente retrata diferentes perspectivas para compor uma sociedade em ação. Não há nada de “primitivo” numa cultura caçador-coletora, são adeptos de tecnologias, socialmente complexos e sofisticados em relação a espiritualidade. Os detalhes do cotidiano – vestuário, alimentação, ferramentas, costumes – são descritos de uma forma engenhosa, e mostra uma cultura enraizada em um forte senso de conexão com o meio ambiente

A cada volume o clima fica mais sombrio, de uma forma interseccionado as questões da relação simbiótica e contraditória sobre a natureza e a cultura e as raízes da religião de uma formasão impecáveis. Hábil em compor a ação que envolve os três amigos- Torak, Renn e Lobo – e a evolução dos mesmos, a autora amadurece seus personagens ante o suspense dessas experiências angustiantes pelas quais eles passam.

Outro atrativo da série é a relação dos personagens, Torak e o Lobo, que o chama de Alto sem rabo, contendo todo o mistério e o atrativo destas crônicas que mobilizam emoções, temores e alegrias genuínas no leitor. Apesar da fantasia, os títulos mostram uma fundamentação incrível, ainda mais com as ilustrações de Geoff Taylor, renomado artista que ilustrou a trilogia O Senhor dos Anéis.

Uma boa pedida, entretenimento de primeira, sem riscos.

Curiosidades

Em 2004 a 20th Century Fox comprou os direitos de filmagem da série. A série será produzida por Ridley Scott e Upson Erin, um roteiro está sendo preparado e provavelmente as primeiras cenas serão gravadas no próximo ano.

A autora

As Crônicas das Trevas Antigas são a minha forma de realizar o que eu costumava sonhar quando tinha dez anos de idade: correr com lobos selvagens numa floresta pré-histórica. (Michelle Paver)

Michelle Paver nasceu no Malawi, onde seu pai, sul-africano, dirigia um pequeno jornal e sua mãe, belga, escrevia uma coluna de fofocas semanal. Em 1963, a família se mudou para a Inglaterra, devido a dificuldades diplomáticas entre países colonizadores e as colônias, estabelecendo-se em Wimbledon. Michelle sempre gostou e quis escrever, mas como acreditava que esta profissão não poderia sustentá-la, escolheu o Direito como carreira oficial. Em 1996, a morte de seu pai e a insatisfação profissional fizeram Michelle buscar algo que a fizesse mais feliz. Ela negociou um ano de licença no trabalho e partiu para uma longa viagem de pesquisa pelas Américas, África do Sul e Europa, que resultou no rascunho de seu primeiro livro.

Crônicas das Trevas Antigas, 6 volumes, Michelle Paver, Editora Rocco.

[xrr rating=5/5]

 

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