Nos livros do escritor Rafael Sperling, cabe a nós leitores sermos os suspeitos da morte do cognitivo. Do assassinato do significado. Somos burros por elegermos a via errada de elaboração do sentido. Não operamos pela ilógica aparelhagem do olhar. Por tanto, quem gosta de “pregar peças” é rotulado de maluco, fora do eixo! No seu segundo livro de contos não chamado à toa “Um homem burro morreu”, pela Editora Oito e meio, temos uma miscelânea de narrativas curtas com formatos variados, pastiche, paródias, nonsense, tudo muito bem construído pela linguagem que, me atrevo a dizer, precisa de uma qualificação adjetiva como Kafka teve. Porque Rafael é destes autores que chamam a responsabilidade do excesso ou do erro para si. Falta de lógica e percalços narrativos andam sempre no fio da meada nos contos do escritor.
O primeiro conto, “Caetano se prepara para atravessar uma Rua do Leblon” é exemplar de como a paródia e o pastiche podem funcionar com mais elementos como ironia e a crítica, principalmente, dos meios de Comunicação que são a base de sustentação de lugares comuns e sensos tacanhos de opinião. E muito sutilmente, Sperling desconstrói os discursos oficiais de uma elite cultural autocentrada. As relações interpessoais são um alvo bem olhado pelo escritor que modula muito bem o repertório de linguagens que são dosados pelo erudito e pela apropriação chula de palavras que no texto não adquirem nenhuma carga pejorativa. É o caso de “caralho da puta que pariu” no conto “Eu Queria Comprar Pão”.
Outro aspecto importante é a desconstrução de arquétipos narrativos e históricos. O politicamente correto é a pior praga que já tomou conta do comportamento cultural humano. O escritor faz um trabalho importantíssimo de mudar a lente sob qual olhamos qualquer padrão de referência. No conto “Branca de Neve Era Um Tanto Bonita”, ele subverte a estória fabular criando situações grotescas dentro de outro enredo, permitindo assim o desvio da norma coercitiva que estas fábulas possuem por trazer uma moral embutida. O livro fecha com um dos contos mais bonitos; o que dá título à coletânea. Ali um homem que não percebe que a torradeira não está ligada na tomada – e percebe-se, leitor, a relação sutil entre “ligar” e falta de inteligência; morre de tristeza.