Durante o ano inteiro, nos escondemos. Saímos, sim, algumas noites, aproveitando as sombras de uma sociedade que esquece que existimos – e ainda bem.
Durante o ano inteiro, ouvimos das pessoas que nosso maior amor não passa de um hobby, de uma espécie de terapia mal feita, de uma maneira doentia de lidarmos com mágoas e com alegrias.
Durante o ano inteiro, sorrimos diante do falso realismo de quem tenta enquadrar, de quem busca nos reduzir a qualquer coisa mais comparável ao que ele próprio se convenceu de que é vida.
Durante o ano inteiro, esperamos o mundo terminar de ver a novela, vestir os pijamas, escovar os dentes, bochechar um copo de Listerine, colocar a televisão no timer e dormir. Esperamos o mundo cumprir seus horários. Esperamos o mundo fechar, para, como vampiros, sermos nós mesmos.
Durante o ano inteiro, esperamos ardentemente os encontros das noites de terça, para nos despirmos e nos conhecermos e nos elegermos e nos parabenizarmos. Amamos as noites de terça.
Um dia me contaram de um lugar em que havia outras pessoas como nós. Não acreditei. Não levei fé. Fui.
Lá andamos pelas ruas, respiramos o ar que sempre sonhamos respirar, uma mistura de nitrogênio, oxigênio, gás carbônico, Borges, Buarque, Talese.
Falamos livremente sobre arte, ética, letras e vida.
Ali, várias pessoas odeiam as mesmas coisas que nós, secretamente, odiamos, e amam as coisas que nós, abertamente, amamos.
Ocupamos as ruas com nossos assuntos inúteis. Passamos o dia inteiro inseridos no mundo, pensando em diferentes maneiras de recriá-lo, de misturá-lo com nossas experiências e provocar algo em alguém.
Este ano, encadernamos coisas que fizemos e demos às pessoas em uma festa linda. Aquelas pessoas estavam curiosas para ver o que fizemos, e nós estávamos curiosos pra saber o que elas acharam do que fizemos, mas temos o pacto de não fazermos perguntas, sob pena de perdermos o charme que acabávamos de conquistar. Colocamos bottons com palavras que neste lugar são dignas de orgulho, embora pros outros seja, muitas vezes, motivo de riso. Batemos no peito com nossos bottons. Dançamos as músicas que só ouvimos em fones de ouvido. Bebemos sem medo das vergonhas. Não há vergonhas: somos uma família, temos um filho juntos. Um filho pequeno, pocket, amarelo e robusto, que tem a nossa cara, a cara conjunta da família, a cara conjunta que faz com que nos identifiquem e nos admirem.
Durante o ano inteiro, somos seres da noite. Durante as terças-feiras, somos donos dela. E durante 5 dias, nos reunimos com outros donos, de outras noites, e dominamos o mundo. Ainda que por pouco tempo.
Por Saulo Aride, participando do lançamento do livro Clube da Leitura: Modo de Usar, Vol. 1, direto da FLIP 2009.