A francesa Fred Vargas consegue impor ao gênero Policial uma nova medida, com seu elenco de personagens e suas histórias que incorporam a superstição, a tradição e o sobrenatural europeu. Suas obras são aguardadas com afinco, em especial aquelas que o comissário Adamsberg aparece; um policial bem diferente, sem método, nem conceito, que acabo de conhecer e merece entrar no hall dos grandes detetives da história do gênero.
O livro que me apresentou Vargas e seu tresloucado protagonista foi “O Exército Furioso” (L’Armee furieuse, tradução de Dorothée de Bruchard, Companhia das Letras, 408 páginas, R$ 49,50) onde uma lenda medieval volta a assombrar a pequena cidade de Ordebec, na região francesa da Normandia: o Exército Furioso (The Wild Hunt, em inglês) aparece à noite por uma trilha na mata, espalhando terror entre os habitantes. A horda é composta por fantasmas corrompidos e desmembrados, que retorna para anunciar a morte de quem levará consigo para o além. Em geral, as vítimas são os piores sujeitos do lugar, mas inocentes também podem ser alvo dos mortos-vivos. A cada geração alguém herda a capacidade de vê-los e na região quem acaba de ver a tropa de zumbis é uma jovem atraente chamada Lina, que vive com a mãe e seus três irmãos. Os rapazes são conhecidos pela inteligência fora do comum e por suas esquisitices – um deles nasceu com seis dedos, outro come insetos e o caçula acredita ser feito de argila. Os filhos têm motivos para temer a trupe de mortos-vivos, pois a morte do pai deles, ocorrida anos antes, permanece envolta em mistério. E o Exército Furioso não tarda a fazer jus à sua fama: um dos habitantes mais odiados do vilarejo aparece morto. Isso faz com que sua mãe viaje a Paris para pedir ajuda ao conhecido e pouco ortodoxo comissário.
Ao mesmo tempo, Adamsberg e seus assistentes Danglard, um bonachão alcoólatra e erudito; Veyrenc, jovem novato, alvo do ciúme de Danglard, e Retancourt, uma senhora obesa e zangada que investigam, além do caso do título do livro, mais dois casos simultaneamente. O primeiro é o assassinato de um magnata da economia francesa, incendiado dentro de sua Mercedes com o método de um conhecido piromaníaco parisiense. E o segundo é o hilário caso do torturador de pompos, que merece.
Vargas escreve equilibrando as tramas, tecendo e unindo os três casos para um final surpreendente. O protagonista, com seu método de trabalho pouco ortodoxo, sua eterna hesitação, poucas certezas e muita intuição, é uma das melhores criações da ficção Policial contemporânea. Outras características importantes são os personagens, cada investigador complementa as narrativas com os trejeitos peculiares. Enquanto Adamsberg acumula em sua mente detalhes imprescindíveis, Danglard baseia na história e no conhecimento para alcançá-las, Veyrenc usa do código e da norma policial, e Retancourt, a “grandona”, como seus colegas chamam, usa o que melhor lhe convém.
Mistério, uma equipe de detetives impagáveis, cenas dimensionadas entre o trágico e o cômico, o urbano e o campo, o surreal e o racional, uma linguagem leve e irônica são a deixa para quem ler “O Exército Furioso” – li em um dia. Agora corro para encontrar os demais títulos da autora, como “Relíquias Sagradas”, onde Adamsberg compra um imóvel assombrado pelo fantasma de uma freira assassina, ao mesmo tempo que uma serial killer reaparece para lhe atormentar; ou ainda “O Homem do Avesso”, que o existencialista detetive se ver envolvido com crimes cometidos supostamente por um lobisomem. Garanto que irão gostar, ambrosianos.