Livro traz um novo olhar médico para os traumas de infância

Existe um senso comum e pesquisas comprovam que experiências adversas na infância podem contribuir para o surgimento de diversos problemas na vida adulta. Crianças vítimas de violência, negligência ou que vivem em situação de pobreza são mais propensas a fumar, beber e a desenvolver comportamentos nocivos à saúde.

Em Mal profundo, a pediatra Nadine Burke Harris vai além e revela um lado ainda pouco explorado sobre as vivências traumáticas na infância: a influência em alterações no sistema imunológico, endócrino e até no DNA.

Foi numa clínica em Bayiew, região marginalizada de São Francisco, Califórnia, que a médica começou a suspeitar da relação entre estresse tóxico na infância e doenças duradouras ou desencadeadas décadas depois na vida adulta. Analisando a história de seus pacientes, em especial a de um menino de sete anos que parou de crescer após ser vítima de um abuso sexual, Nadine começou a desconfiar que traumas graves eram capazes de agir sobre o corpo e mudar sua fisiologia.

A médica tomou conhecimento de uma pesquisa relacionada ao tema realizada pelo Centro Médico Kaiser Permanente, de San Diego, no fim da década de 1990, com mais de 17 mil pacientes. 70% dos entrevistados eram caucasianos, 70% com ensino superior e todos com ótima assistência médica. A conclusão de Nadine foi que a experiência adversa na infância por si só é um fator de risco para muitas doenças, independentemente de renda, raça ou acesso à saúde.

A pesquisa não teve grande repercussão à época. Para ela, um dos motivos de o estudo não ter chamado tanta atenção era justamente a visão dominante de que os riscos à saúde por causa dos traumas na infância estavam diretamente relacionados ao comportamento. Mas alguns cientistas decidiram colocar a hipótese comportamental à prova. Eles analisaram a associação entre as experiências adversas na infância e doenças cardíacas e hepáticas. Descobriu-se que o mau comportamento explicava apenas cerca da metade da probabilidade aumentada de ter essas doenças.

“De certa forma, é uma boa notícia porque significa que se uma pessoa é exposta a experiências adversas na infância e tem o cuidado de evitar o fumo, o sedentarismo e outros comportamentos prejudiciais à saúde, pode se proteger de cerca de 50% dos riscos à saúde. Mas também significa que, mesmo que não tenha nenhum comportamento prejudicial à saúde, ainda assim tem mais probabilidade de ter doenças cardíacas ou hepáticas”, explica a médica no livro.

Em Mal profundo, Nadine relata a aplicação do estudo de San Diego com os pacientes de Bayview, mostrando como os traumas alteram o cérebro das crianças, narra a jornada de pesquisas e descobertas científicas em laboratórios dos Estados Unidos e apresenta alternativas para prevenir, diagnosticar e curar os impactos das experiências adversas na infância e do estresse tóxico.

“Sabemos que um sistema imunológicos equilibrado é essencial para uma boa saúde. Quando nos damos conta de que a adversidade na infância prejudica o desenvolvimento e a regulação do sistema imunológico ao longo de toda a vida de uma pessoa, começamos a compreender como a ciência das experiências adversas na infância pode ser poderosa no combate a algumas das principais causas de doenças e morte”, completa.

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