Márcia Basto, uma escritora pernambucana multifacetada, traz em sua bagagem literária uma coleção de obras que desafiam rótulos e mergulham nas profundezas da experiência humana. Com nove livros publicados, sua escrita híbrida, que transita entre conto, poesia e prosa poética, ganha destaque no relançamento de “Amar elos Vermelhos” (128 pág.) pela Editora Labrador. Esta obra, premiada nos Prêmios Literários da Cidade do Recife, tece a história de uma única personagem, mapeando sua jornada da infância à vida adulta através das cores amarelo e vermelho, símbolos de inocência e maturidade.
Aos 73 anos, Márcia dedica-se exclusivamente à literatura e ao convívio com seus netos, após uma trajetória diversificada que incluiu atuações como advogada, astróloga e arte-terapeuta. Seu envolvimento com a escrita remonta à infância, onde a inclinação para a para fabular já se manifestava. Ao longo dos anos, ela encontrou na palavra escrita um meio de explorar suas múltiplas identidades e transmitir sua visão de mundo, sempre guiada pela questão “ quem eu sou, o que sou, para onde vou”. O sentido do existir é o leimotiv de seu viver.
Inspirada por autores como Clarice Lispector, Manoel de Barros e Haruki Murakami, Márcia busca, através de sua escrita, provocar uma reflexão profunda nos leitores, ampliando seu autoconhecimento e visão de mundo. É autora de nove livros, dentre eles o ensaio “Clarice, Clarear o leitor de si mesmo em Clarice Lispector” (Ed. Bagaço, 1995.), a novela “Marion” (1999) e os premiados “Desejos e Histórias” (1998) e “Amar elos Vermelhos” (2005), que venceram os Prêmios Literários da Cidade do Recife.
Confira a entrevista completa com a autora:
Como começou sua trajetória como escritora?
Eu fui uma criança que sempre gostou de fabular, fazendo do sonho minha bússola. Muitos “porquês” e “para quês” habitaram minha infância e ainda hoje me habitam. Nunca me conformei com explicações lineares. Através da palavra, encontrei um meio de descobrir minhas múltiplas identidades, pois somos muitos em um só.
No meu mestrado de filosofia, explorei o tema da alteridade/identidade em romances de Clarice Lispector e passei a me buscar na palavra. Depois de trilhar por vários caminhos profissionais, desde advogada, procuradora do Estado, astróloga, contadora de histórias, arte-terapeuta prestadora de serviços voluntários, e tantos outros, atualmente me dedico exclusivamente à literatura e à escrita.
Se você pudesse resumir os temas centrais do livro, quais seriam? Por que escolheu esses temas?
“Amar elos Vermelhos” traz uma única personagem cuja vida é mapeada a partir das cores amarelo e vermelho, que também representam os dois capítulos principais do livro. Dessa forma, o amarelo é atribuído a um início, um senso de inocência, em que a protagonista é apresentada como Menina e, o vermelho, designa o feminino adulto, em que a mesma passa a se chamar Mulher. São contos do feminino que almejam fazer pensar o mundo e o viver de cada leitor pela palavra, ao narrar a passagem da meninice para a idade adulta.
O que motivou a escrita do livro e como foi o processo de escrita?
O caminhar existencial para encontrar algo inominável, que talvez seja o encontrar a mim mesma, sempre me instigou.Daí que o binômio identidade/alteridade está presente nos meus textos. O outro de nós mesmos,o si mesmo como outro. Tenho pela infância uma relação especial. Falo da infância permanente, aquela que atravessa todas as idade e nos traz imagens de solidão, devaneios, liberdade.
Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?
O livro tem no seu título, em destaque a palavra “elos”. Elos que vão além do vínculo da Menina à Mulher – protagonistas da narrativa. Elos que nos une ao universo e que precisam ser restaurados e nutridos. Provocar o leitor a refazer pela leitura, a reescritura do livro dentro do seu contexto de vida. Sua própria jornada da infância à maturidade, mergulhando nos seus contentamentos, angústias, medos, dores, tristeza e descobertas.
Você acredita que a escrita do livro te transformou de alguma forma?
Na escrita empresto quem sou à narradora ficcionalizando vários acontecimentos, reais ou inventados. Afinal, memória e invenção se confundem. A escrita, para mim, é essencial, é uma forma de viver. No escrevivendo me encontro e me perco, e seguindo meu caminho existencial que se apresenta, não numa linha reta, mas em círculos, labirintos, subidas e descidas.
Qual é sua missão com relação à escrita?
Fazer com que os leitores, ao reescreverem o livro possam ampliar o autoconhecimento e a cosmovisão.
O que você deseja transmitir como escritor? Qual o sentimento que quer evocar no público?
O viver uma vida que faça sentido para cada um, o prestar atenção nas coisas desimportantes e simples, o autorreconhecimento das nossas limitações, menos competitividade e mais cumplicidade. Estamos vivendo numa sociedade do desempenho onde o poder-poder assume um relevante papel e resulta em sermos apressados, estressados e cansados! É preciso saber contemplar o belo, a calma, a tranquilidade.
Quais são os gêneros literários que você escreve?
Prosa poética. A palavra denotativa usa o sentido dicionarizado da palavra para passar objetiva e literalmente o que é expresso. A palavra conotativa ultrapassa o sentido literal referencial, usada na linguagem comum é descritiva. Refere-se a alguma coisa existente na realidade visível e palpável. A palavra poética vai além. Quer expressar os sentimentos e emoções que muitas vezes nem cabem nas palavras.
Quais autores influenciam sua escrita?
Clarice Lispector,Herman Hesse, Milan Kundera, Gston Bachelar, Manoel de Barros, Haruki Murakami,
Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita?
Anoto as ideias num bloquinho para depois desenvolvê-las depois, O mundo é um texto que pede para ser lido e interpretado. Não estrutura detalhadamente a concepção do livro antes de escrevê-lo. Sei apenas dos temas centrais que pretendo expressar e deixo que o livro vá se escrevendo.
Está envolvida com outra profissão ou projetos?
Não. Estou dedicada totalmente à literatura. Meu projeto é publicar um livro em parceria com Joana Cavalcanti e desenvolver a escrita de crônicas. Além da “netoterapia” – expressão que inventei para expressar a alegria de conviver com os netos.