Moinhos de Sangue, de Ana Cristina Klein

O bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, abriga não só os ricaços da capital gaúcha. Ele esconde os segredos e desejos daqueles que se julgam a alta classe da sociedade, mas que são tão baixos quanto a “plebe” que tanto abominam. Em Moinhos de Sangue, Ana Cristina Klein mostra que não há perfeição em morar em um apartamento de luxo nos bairros nobres de Porto Alegre ou participar de suas grandes recepções. Por mais glamour que esse livro possa ter, o que o leitor encontra são crimes e preconceitos retratados com muito humor.

Publicado pela editora Dublinense, Moinhos de Sangue tem diversos narradores. Os principais são Ualdisnei Silva, delegado em ascensão que não nasceu rico, mas filho de empregada. Ele cresceu na casa da família de Soninha Schmitt, agora casada com um médico de renome e atenta aos filhos. E ela, por sua vez, é melhor amiga de Bia Tognazzi, diretora de marketing da empresa fundada por seu pai e uma das mulheres mais lindas, ricas e inteligentes da cidade. Ela é a protagonista, prestes a completar 40 anos e ainda solteira. Bia sempre esnobou os homens de Porto Alegre, inclusive Ualdisnei, que agora seria um bom partido não fosse o seu nome e a origem pobre. Querendo logo casar para manter a aparência de mulher bem sucedida, ela percebe que todos os bons homens não estão mais disponíveis.

A solução, então, é transformar os casados em viúvos, pois, como ela mesma diz, “ex-mulher é que nem sogra: boa só quando morta”. Então Bia parte para o ataque, analisando todos os homens ideais da cidade para escolher uma vítima. Durante toda a trama, ela compartilha essas idéias com Soninha, mas não importa o quão dissimulada Bia é com sua amiga, dizendo que tudo não passa de um devaneio, o leitor tem certeza de que ela é capaz sim de cometer as maiores atrocidades para conseguir o que quer.

Logo no começo, Ana Cristina já lança a crítica sobre as mulheres ricas de Porto Alegre, dizendo que todas são iguais, tem o mesmo cabelo liso e loiro, as mesmas bolsas caras e o mesmo jeito de viver. E a autora não cansa de deixar isso bem claro narrando a “cansativa” rotina dessas pessoas, que envolve festas, coquetéis e happy hours. Diferente do que muitos sonham, esse círculo fechado de pessoas retratadas pela autora não passam de um grupo que prega a boa relação entre amigos, mas não deixa de fofocar assim que eles lhe dão as costas.

Os crimes de Bia Tognazzi demoram para acontecer, mas o livro justifica o nome por retratar bem as convicções de sua protagonista. Bia se mostra uma personagem cativante por suas frases que, de tão absurdas, são engraçadas. Sua sinceridade não conhece limites, e ela não age de outra forma senão como aquela que aprendeu no meio em que vive: triunfar acima de tudo. O mais interessante, contudo, não está na sua demonstração de superioridade, mas sim, em como ela admite para si mesma que ama uma boa “coisa de pobre”. Por trás dos óculos Gucci, do seu Versace vermelho e da bolsa Victor Hugo, está seu desejo íntimo e selvagem por Ualdisnei, o velho filho pobre da empregada, que tirou sua virgindade e continua deixando ela de quatro. Literalmente.

Esse romance entre a rica e o ex-pobre é o centro da trama, pois tanto Bia quanto Ualdisnei tem uma fixação um pelo outro. Ela luta em manter essa relação por trás dos panos enquanto ele ainda sonha em fazer, finalmente, parte de sua vida. Ana Cristina parece falar de alguém real, uma mulher que poderia se encaixar em vários rostos femininos da capital gaúcha. As notas de colunas sociais que abrem cada capítulo passam ainda mais a sensação de que todos os podres revelados na trama são realmente verdadeiros. Sem falar na forma descompromissada com que narra, dando a cada personagem seu espaço conforme sua importância para a trama.

Moinhos de Sangue é uma leitura divertida por retratar de forma cômica o cotidiano dos ricos e bem sucedidos. E ainda melhor por mostrar desde o início as motivações da protagonista que, por mais absurdas que sejam, parecem fazer total sentido para uma pessoa como ela. Porém, o que realmente consagra o livro como leitura recomendada é o fato de Ana Cristina Klein desmistificar a ideia de que a alta sociedade não possui defeitos. Uma leitura para as ricas, as pobres, e os homens também, pois não faltam passagens que mostram o quão maléficas as mulheres podem ser.

Sair da versão mobile