No ano de 2014, o radialista, poeta e jornalista Cristiano Menezes lançou seu primeiro livro de poemas, “Guardanapos” (7 Letras). Passados oito anos do lançamento e seis de seu falecimento, chega agora às livrarias o livro-homenagem-póstumo “Não sei se faço parte” (7Letras) – na forma de uma linda história de amor – idealizado e organizado por sua mulher e parceira, a produtora Claudia Pinheiro, contendo ainda textos dos poetas e amigos de Cris, Ronaldo Santos, Xico Chaves, Abel Silva e Luis Turiba, companheiros de diversas aventuras poéticas.
No prefácio, aliás, Ronaldo, um dos líderes do movimento poética Nuvem Cigana, que levantou a bandeira da poesia marginal dos anos 70 e 80, opta por fazer um texto afetivo, repleto de lembranças do amigo, com quem ficou décadas sem contato, ao invés de apresentar ou analisar seus poemas. “Decidi não falar da escrita dele ou do livro, vocês vão lê-los, vão deparar-se com esse derradeiro ato de coragem, de combatividade e da leveza contundente dos poemas do Cris. Preferi usar esse texto para compartilhar essa saudade que sinto dele”.
A poesia de Cristiano Menezes é sensível como uma síntese da luz do dia a dia, do clarão das emoções espontâneas, nos momentos sombrios da insônia, na alegria natural dos encontros, nos amores que viveu mas também na trágica reflexão existencialista das cidades por onde circulou com intensidade e nos ares que fez vibrar com sua voz radiofônica e elegante. Logo na abertura do livro, onde também são reproduzidos manuscritos de Cristiano, o primeiro poema, “Aliança”, dedicado à Claudia, já dá o tom da alma leve e apaixonada do poeta: “Você tem a senha / dos meus sonhos / do que me assanha/ você tem a manha de regar as manhãs cuidar do nasce como um dia nasceu nosso amor/ você e eu”.
“Nos últimos anos, me vi envolvida com as cadernetas (inseparáveis), agendas e até mesmo ofícios da EBC que guardavam poemas e fragmentos inacabados. Fui reunindo e entreguei ao Jorge Viveiros de Castro, da 7Letras, que publicou seu primeiro livro e decidimos publicar. Assim, agora em novembro estamos lançando seu novo livro com poemas inéditos. A vida é para ser vivida e preservar o que existe de melhor. O Cris foi um deles. E nesse momento tão horroroso da nossa história é bom saber que ele existiu e que existimos e resistiremos! O amor sempre vencerá”, observa a idealizadora Claudia Pinheiro.
Como também diz Ronaldo Santos no prefácio, Cristiano, que era botafoguense raiz e amante da música brasileira, era um boa-praça, uma pessoa “de boa”. Como também é a poesia homônima: “Deixei passar a manhã/a tarde/ passar o dia./ passar o tempo/ sem contar/ minutos/horas/esperas/demoras,/ andei ao léu/curti o acaso/ dos desenhos no céu/ perdi prazos/ achei potes de mel.
Já o amor de Cristiano pela música, que nos últimos anos de vida dirigiu a Rádio Nacional no Rio de Janeiro e apresentou o programa “Época de Ouro”, está expresso em versos como: “Agora solo/deixo o conforto do tema/ assumo o risco/ do improviso/atento e solto/ perco o juízo/ mas a cada nota/ sei o caminho de volta”, do poema Jazz.
Portanto, “Aliança”, “De Boa” e “Jazz” são, assim, os três primeiros poemas de um livro com cerca de 60 escritos por Cris e que trazem um pouco de sua vida eternizada em versos para a nossa. E chegando ao final de suas páginas poéticas, mais um presente nos é entregue: os textos afetivos de “posfácio” de Albel Silva e Luis Turiba.
“Desde o princípio da amizade, percebi nele uma certa lacuna, um desejo oculto de publicar seus textos poéticos, uma imensa vontade de participar das “artimanhas”, shows de música e leituras de poesias de grupos como “Nuvem Cigana”, sua atividade de radialista já não lhe bastava”. Várias vezes, o Cris me mostrou seus textos que eu lia com interesse e comentava com sinceridade. Aos poucos, discretamente o Cris foi construindo sua identidade, sua postura, seu sonho enfim realizado”, relembra o poeta e compositor Abel Silva. Já o poeta e jornalista Luis Turiba, companheiro das noitadas do Lamas, poetisa: “Saudade é um bicho doido, doce/amargo que dá na gente. Se você fecha os olhos e lembra daquele jeito único sem igual que ele imprimiu para o seu ser-e-estar no mundo, nosso pensamento-alma-corpo entristece pela sua ausência. Cris fazia poemas como quem conversava com estrelas, astros, mestres, musas, bandeiras hasteadas fora de seus mastros. Bandeiras fêmeas. Bandeiras machas. Bandeiras que pulsavam fatos, fashes, cruzas, amores e Dolores”. Salve Cristiano Menezes, salve sua veia poética e vida longa à sua poesia, que esta possa deixar para sempre suas pegadas aqui nesta existência.
Sobre o autor:
Cristiano Ottoni de Menezes (1948–2016), poeta, radialista e jornalista, nasceu no Rio de Janeiro e trabalhou em várias rádios como apresentador, roteirista e programador. Foi produtor de shows musicais da Blitz em Brasília, (1982), de diversos artistas no Circo Voador do Rio de Janeiro (1982–1983) e do “Trio Elétrico Novos Baianos” no carnaval da Bahia (1981). Atuou como jornalista na tv Nacional – Brasília (1994) e no Correio Brasiliense (19771978) e apresentou o programa “Época de Ouro”, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Publicou o livro de poemas Guardanapos pela 7Letras em 2014.
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