Perante o que pela décima terceira vez padece na televisão aberta brasileira, resgatei o último livro escrito por George Orwell, em bom inglês o Nineteen Eighty-Four (1984), não só para afastar das bobagens que o Bial ou os integrantes do reality-show balbuciam, mas pela representatividade que Orwell deu de muitas das práticas que governos e empresas utilizariam e usam para conquistar seus objetivos ou controlar as massas. A edição que tenho, é da Companhia das Letras, com a ótima tradução de Alexandre Hubner e Heloísa Jahn e posfácios primorosos de Erich Fromm, Bem Pimlott e Thomas Pynchon.
Pois bem, não venho aqui analisar profundamente, leiam os posfácios dos caras, citados acima, que vocês terão uma idéia abrangente da trama. Nem abordarei muito das cenas e frases da narrativa, irei estabelecer premissas da história, opinando os aspectos de tão importante obra do século passado.
Escrito em 1944, é um dos mais ousados romances distópicos, como sci-fi seria uma crítica ao sistema soviético, mas se tornou uma obra atemporal, por proliferar, bem antes de Theodor Adorno ou Noam Chomsky, contra qualquer manipulação de massas e ainda empreende uma visita lúdica aos quase setenta anos futuros do que aconteceria na história de nossa sociedade.
A narrativa nos apresenta Winston Smith, um homem comum impassível, que vive aprisionado na engrenagem totalitária de uma sociedade completamente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas cada qual vive sozinho. Neste cenário igualitário, o Partido, controla massivamente todas as ações e mesmo os pensamentos de todos através de televisores com câmeras e microfones instalados por todos os cantos. O líder do governo, O Grande Irmão, o “olho que tudo vê”, não permite a diferença nem a discrepância entendendo a diversidade como crítica. Ninguém escapa à vigilância do Grande Irmão, a mais famosa personificação literária de um poder cínico e cruel ao infinito, além de vazio de sentido histórico Winston e uma mulher decidem mudar de vida, se rebelam contra o sistema, confrontando-se diretamente com The Big Brother.
A primeira e talvez maior genialidade de Orwell ocorra na concepção de um futuro, cinqüenta anos depois, numa época confusa como aquela que vivia, é de uma visualização futura incrível. Não só por conceber o cenário e os personagens, envolto num contexto distante no tempo, o autor vai mais além, criando com detalhes todo um mundo, com língua, países, relações de poder, políticas e sociais entre outros aspectos.
É certo que esse futuro imaginado, guarda muitas das coordenadas da época histórica em que viveu o escritor inglês. Envolto entre duas guerras mundiais, Orwell dirimiu diferenças para compor sua narrativa, a tristeza convidou-o a pensar que aquelas ânsias militares continuariam por muitos anos. Nações eram aliadas numa estação e na outra já estavam inimigas. O interesse era inteiramente relacionado ao particular. Depois, era só encarregar os livros e os jornais de modular a história e a opinião da sociedade. E é neste ponto que Orwell acerta, mas uma vez, pois vai além de um livro de política, mas uma metáfora de uma realidade construída inúmeras vezes na História da humanidade. Exemplos podem encontrar nos nossos dias (vigilância total, invasão de privacidade) e pergunto para onde nossos avanços tecnológicos estão nos levando? Em 1984 um homem e uma mulher, tão distantes um do outro, encontram-se para discutir a liberdade do pensamento. Será que estamos ainda livres para fazer como tal?
Divagações a parte ou seria uma elucidação? O livro combina uma narrativa sci-fi de suspense com uma mensagem sócio-político, oferecendo um olhar devastador para uma sociedade onde uma pessoa é incapaz de dizer o que pensa, devendo servir a um único partido e uma única ideologia, as massas silenciosas são o pano de fundo, fazem o trabalho da classe governante e subjugam ao sistema. Mil novecentos e oitenta e quatro é um manifesto que nos coloca à frente da dura realidade da ignorância, quando é mais fácil homologar do que se opor, aceitar as decisões, em vez de decidir. Um romance que sacode o espírito, nos põe em guarda e leva-nos a pensar sobre os nossos dias.
Quem leu ou ainda vai ler esta obra-prima, certamente, terá após a leitura o confronto da dúvida em muitas das coisas que ocorrem nos dias de hoje. Um livro que deixa um rastro de pensamento nas menores vírgulas, afinal, como, ambrosianos, não podemos parar de pensar que 2+2 = 5?
1984, George Orwell, Cia das Letras, 416 páginas, R$ 42,00
[xrr rating=5/5]
Excelente matéria! Sou fã de Orwell, mas como você mencionou Noam Chomsky, fica aí um link de um vídeo que pode complementar a sua matéria:
https://www.youtube.com/watch?v=xBVUBJXWXWY
Amei!