O ano era 1994. Kurt Cobain do Nirvana acabara de cometer suicídio, decretando o fim da era Grunge. O cenário não era dos mais otimistas no meio da crítica musical, e especialistas no gênero convencidos de que o Rock N’ Roll morreria ali, pelo menos enquanto gênero relevante. Do outro lado do Atlântico, a mídia impressa musical britânica (leia-se Melody Maker e New Music Express) procurava avidamente por um novo The Smiths, que parecia não surgir nunca, e já se passavam sete anos desde que Morrissey abandonou a banda e saiu em carreira solo, enquanto o guitarrista Johnny Marr tocava outros projetos.
Algumas bandas já chamavam atenção como o Stone Roses, o Teenage Funclub, porém a esperança veio mesmo sob a forma do Suede, em seu disco de estreia de 1993. Com o sucesso instantâneo dos singles ‘Metal Mickey’ e ‘Animal Lover’, parecia que finalmente “o novo The Smiths” parecia ter surgido. Mas naquele mesmo ano de 1993 estava sendo criada em uma garagem de Manchester a gênese do maior fenômeno global do rock inglês desde os Beatles. E por coincidência era nos Beatles que a banda formada pelos irmãos Noel e Liam Gallagher se inspirava, mas a atitude estava mais para a rebeldia de Stones e The Who. Além do quarteto de Liverpool, ainda havia na mistura T.Rex, David Bowie, The Jam, Style Council, Kinks, ou seja, a nata do rock bretão da segunda metade do século XX condensada em excelentes melodias, feitas por verdadeiros artesãos pop. O resultado dessa alquimia pode ser visto no disco de estreia da banda Definitely Maybe, lançado em 29 de agosto de 1994.
Originalmente, o grupo era formado pelos colegas de escola Liam (vocal), Paul “Bonehead” Arthurs (guitarra), Paul McGuigan (baixo) e Tony McCaroll (bateria). Depois de passar alguns anos como técnico de guitarra do Inspiral Carpets, Noel voltou para Manchester e descobriu que seu irmão tinha formado uma banda. Noel, convidado por sua experiência, concordou em se juntar, mas com uma condição: teria o controle completo do grupo inclusive da composição de todas as músicas; o resto da banda concordou e adotou um novo nome, Oasis, antes de se lançar em um ano de ensaios intensivos. Depois de tocar em um punhado de pequenos clubes, a banda foi atrás Alan McGee, chefe da Creation Records, e obrigou-o a ouvir a sua demo. Impressionado, ele assinou com a banda e ajudou-os no seu álbum de estréia.
Naquelas onze faixas não se via nada de verdadeiramente novo, é bem verdade. Os céticos os consideravam uma banda de reciclagem tão somente. Bobagem. Aquilo que era velho fora costurado por eles em uma concha de retalhos cheia de frescor, que caiu imediatamente nas graças do público mais antenado e da imprensa musical inglesa. A salvação chegou! A terra da rainha não estava mais órfã de grandes bandas.
O disco abria com a vigorosa ‘Rock N’ Roll Star’, agressiva, autoafirmativa e eivada de urgência juvenil, tinha no refrão Liam berrando: ‘tonight I’m a Rock N’ Roll Star’. Foi a escolha perfeita para a abertura dos trabalhos, pois sintetizava todo o espírito do álbum. Pesada como chumbo, ‘Shakermaker’ trazia também uma belíssima linha melódica, digna da melhor escola pop. ‘Live Forever’, outro clássico inesquecível do Oasis, é sem dúvida uma das cinco melhores composições da carreira do grupo. O refrão é de um lirismo ímpar, que diz “Maybe I will never be/All the things that I want to be/But now is not the time to cry/Now’s the time to find out why/I think you’re the same as me/We see things they’ll never see/You and I are gonna live forever”(“Talvez eu nunca serei/Todas as coisas que eu quero ser/Mas agora não é hora para chorar/Agora é hora de descobrir por quê/Eu penso que você é igual a mim/Nós vemos coisas que eles nunca verão/Você e eu iremos viver para sempre”).
‘Up In The Sky’ é mais um petardo de grosso calibre e vem seguido da inspirada ‘Columbia’. A faixa seguinte, ‘Supersoni’c, foi a responsável pelo estouro definitivo da banda. Este que foi o primeiro single do Oasis estourou nos dois lados do Atlântico e era obrigatória em qualquer festinha descolada que se prestasse. ‘Bring On Down’ pode até ser a menos inspirada do álbum, mas mantém a qualidade do conjunto, já na sequência vem ‘Cigarrettes & Alcohol’, outro grande clássico do álbum e da carreira da banda. Usando a base levemente modificada de ‘Get It On (Bang A Gong)’ do T. Rex, é o melhor exemplo de como reciclagem nem sempre soa como plágio preguiçoso ou oportunismo. Em seguida vem a sessentista ‘Digsy Dinner’ e a bela ‘Slide Away’, que estabelece um estilo de composição melódica que ficou muito característica ao longo da discografia do grupo. E o clássico se encerra com ‘Married With Children’, que versa sobre uma briga de casal, com um estilo ‘beatlesque’.
Com Definitely Maybe, o Oasis conquistou toda a Grã Bretanha e entrou com o pé direito no panteão dos grandes do Rock. A conquista do mundo se daria mesmo no ano seguinte, com o lançamento do single ‘Wonderwall’, do sucessor de Definitely ‘What’s The Story Mourning Glory?’. Depois dali, a banda se perdeu um pouco em sua megalomania, os irmãos Gallagher protagonizavam brigas desnecessárias entre si e outras bandas, sobretudo o arquirrival Blur, foi aos poucos perdendo a relevância até encerrar as atividades em 2009.
Hoje Noel segue em carreira solo enquanto Liam toca o Beady Eye. Uma coisa é inegável, a importância de Definitely Maybe como revigorador daquela cena britânica e da música pop da década retrasada. O vigésimo aniversário do disco está sendo comemorado com toda a pompa e circunstância com um relançamento de luxo contendo 3 cds, trazendo uma nova remasterização, demos, outakes e versões ao vivo. Um presentão para os fãs.
Na segunda parte do especial, os 20 anos de Parklife do Blur
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