O último trabalho de estúdio de Raul Seixas foi “Panela do Diabo”, com colaboração de Marcelo Nova, do então recém-finado Camisa de Vênus. Tida por muitos como inusitada, essa parceria era bastante harmoniosa. Eram dois baianos, fortemente influenciados pelos primórdios do rock n’ roll, enquanto seus respectivos contemporâneos bebiam no psicodélico e no punk rock. Pode não ter sido o melhor trabalho de Raul, mas o disco tem bons momentos, além da relevância de ser o canto do cisne do Maluco Beleza. Os dois chegaram a fazer shows pelo Brasil. Mas Raul, já debilitado, aparecia apenas na segunda metade.
Eis que Marceleza (como era chamado por Raul), reagrupado ao seu Camisa de Vênus (depois de idas e vindas, e com disco novo na praça) empreendeu um show para lembrar do amigo e desse momento importantíssimo em sua carreira. É sem dúvida quem possui mais legitimidade de chamar para si a tarefa de “tocar Raul”. O show “Camisa toca Raul”, como o próprio vocalista afirma, não é um tributo. E de fato, é uma celebração ao legado do Raulzito e ao rock n’ roll. E com a morte de Chuck Berry, a apresentação no Circo Voador, no Rio de Janeiro, ganhou um sentido ainda mais especial. O pai do rock foi lembrado já na primeira música ‘Rock N’ Roll’, segunda faixa do “Panela”, que diz em um trecho “Mas nunca vi Beethoven fazer Aquilo que Chuck Berry faz”.
O repertório mesclava clássicos indeléveis (como ‘Al Capone’, ‘Cowboy Fora da Lei’, ‘Rock do Diabo’, ‘Metamorfose Ambulante’ e ‘Aluga-se’) com as músicas que foram fruto da parceria dos dois – ‘Carpinteiro do Universo’, ‘Século XXI’ e ‘Muita Estrela, Pouca Constelação’, essa última, a primeira colaboração da dupla, que saiu no disco do Camisa de 1986. Na execução dos sucessos, Nova optou por acrescentar um peso a mais nas versões, e com uma pegada mais puxada para o punkabilly do Camisa em algumas, saindo um pouco do cover fidedigno, mas sem se afastar muito da matriz.
Também já era previsto que o setlist contaria com algumas músicas do Camisa de Vênus, inclusive do novo disco, “Dançando na Lua”. Daí, sem pausa para o bis – pois Marcelo é contra o mise en scène de fingir que vai mas volta – vieram ‘Simca Chambord’, ‘Atrasado’ e ‘Joana D’Arc’, sempre uma boa pedida para rodinha de pogo (até um pouco tímida, por sinal). E para encerrar, mais uma faixa do “Panela”, ‘Pastor João e a Igreja Invisível’.
Da formação original do Camisa, além de Nova, está apenas o baixista Robério Santana. De resto, há uma brigada guitarrística defendida pelo filho do vocalista, Drake Nova, e Leandro Dalle. O conjunto se completa com o baterista Célio Glouster. Os três já faziam parte da banda de apoio de Nova e possuem excelência técnica inegável, em especial Drake, que prova que não está na banda por nepotismo.
E a celebração roqueira ao legado do nome mais importante do gênero no Brasil, foi, como se esperava, energética (marca registrada das apresentações do Camisa) e ao mesmo tempo despojada e com um clima de festa intimista. Raulzito certamente aprovaria.