Leonard Cohen e suas reflexões sobre a finitude em You Want It Darker

Leonard Cohen está de volta. Seu 14º álbum autoral, You Want It Darker (Sony Music, 2016), mais uma vez pegou a todos de surpresa. Mais uma vez porque seu disco de 2012, “Old Ideas”, saiu depois de sua provável aposentadoria ter sido anunciada. E “Popular Problems”, de 2014, também era inesperado. Aos 82 anos de idade, Cohen vive uma fase profícua de sua carreira. Seus lançamentos nunca se deram com intervalos tão curtos. Na fase anterior a esse retorno, houve hiatos de até nove anos.

O novo disco traz um tom bastante sóbrio, por vezes até um pouco soturnos, e isso já vem impresso no título e na capa, concebida pelo artista belga Sammy Slabbinck que entrou em contato com Adam Cohen, produtor do disco e filho de Leonard. Isso se deu depois que Adam se interessou por alguns dos seus trabalhos no Instagram.

O canadense de origem polonesa sempre teve como característica versar sobre erotismo com a mais absoluta classe. E agora reflete sobre a etapa crepuscular sem comiseração. O disco abre com a faixa-título, uma típica composição de Cohen com a voz cavernosa mais recitando do que propriamente cantando tendo como base uma melodia minimalista, mas não pouco sofisticada. Como base, há um coro que remete à música sacra. A música fala claramente sobre epílogo da vida, e ao mesmo tempo da forma corajosa como podemos encarar o fim. “Estou pronto, meu Senhor” diz, com altivez.

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Em ‘Leaving The Table’ ele declara com aspereza em um dos versos “estou a levantar-me da mesa, estou fora do jogo”. Uma questão pertinente, uma vez que Cohen é um octogenário. Ele sempre cantou os prazeres e as dores do amor, das questões e questionamentos inerentes à existência (mas aí se incluem a religião e a política) e, agora (na verdade nesses últimos três discos), usa todo esse arcabouço para cantar a finitude. O avançar dos anos e receber notícias que nossos contemporâneos deixando esse mundo reforçam a inevitabilidade do tema. Sua Marianne imortalizada no clássico ‘So Long Marianne’ (em que ele se despedia da ex-amada) se foi em julho deste ano, aos 81 anos. Parte da letra até foi lida no funeral.  Mas Cohen ainda está em forma e o tema amor surge com todo revestimento Coheniano na faixa seguinte, a singela ‘Treaty’, que é seguida da belíssima ‘On The Level’.

É interessante como a idade, ao invés de prejudicar, parece ter dado ainda mais textura à marcante voz de Cohen. Ouça ‘If Didn’t Have Your Love’, por exemplo. Já ‘Travelling Light’ se destaca pelo arranjo primoroso. De forma galharda, o álbum se encerra com ‘Steer Your Way’ e a versão instrumental de cordas da segunda faixa ‘String Reprise/Treaty’, que termina com Cohen declamando o refrão.

É até redundante dizer que a poesia de Cohen está intacta nessas nove faixas distribuídas em 36 minutos de audição. Bob Dylan ganhou um (merecido) prêmio Nobel de literatura. Mas já que se reconheceu que a música pop pode ser sim equiparada à relevância literária, Cohen poderia muito bem ser o próximo agraciado. Não se pode precisar até onde irá a disposição do trovador para compor e gravar. Esperamos que seja por muito mais tempo, mas, se for mesmo o último, encerra com chave de ouro uma das carreiras musicais mais brilhantes e sofisticadas do século XX. Tudo o que temos a fazer é agradecer a Leonard Cohen, por mais esse presente classudo.

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