Certa vez, Eric Clapton, perguntado por um jornalista como era ser o maior guitarrista do mundo, respondeu: “pergunte ao Prince”. O agraciado com o elogio do Deus da guitarra nasceu Prince Rogers Nelson, em Minneapolis, Minnesota/EUA, em 1958, batizado com o nome artístico de seu pai, também músico. Gênio irrequieto, foi um dos artistas mais profícuos do nosso tempo, e produziu, literalmente, até morrer. Com uma azeitada mistura de funk, jazz, soul, hip hop, emoldurada por letras quase sempre de conotação sexual, gravou 39 discos, que venderam um total de 100 milhões de cópias no mundo inteiro.
Lançou o primeiro álbum aos 19 anos e nos anos 80 engatou uma sequência de hits inesquecíveis, que não só marcaram a década, mas ficaram imortalizadas nos anais da música contemporânea, como ‘1999’, ‘Purple Rain’, ‘When Doves Cry’ e ‘Kiss’. Suas incessantes gravações, em seu estúdio construído em sua casa, geraram um baú que levará anos para ser totalmente explorado. A ideia de Prince era lançar um disco por ano após os 50 anos. E isso mesmo tendo rompido com a indústria fonográfica, que acusava de exploradora.
Em certa ocasião ele apareceu com a palavra slave (escravo) escrita no rosto. Desconcertou a então gravadora Warner, anunciando que seu nome não seria mais divulgado em seus trabalhos, e sim um estranho símbolo mesclando o espelho de Vênus (símbolo feminino) com a flecha de Marte (símbolo masculino), em alusão à sua androgenia e bissexualidade. Em seguida mudou o nome para “o artista anteriormente conhecido como Prince”, até chegar à alcunha “The Artist” (O Artista).
No século XXI tornou-se artista independente, caminho seguido por muitos popstars. Mas por trás de toda a polêmica e escândalos, como sua vida sexual agitada, que fazia questão de divulgar – chegou a viver com duas irmãs modelos no início dos anos 90 – havia um artista de talento ímpar, multi-instrumentista com pleno domínio não só dos instrumentos mas também do palco. Com apenas 1,57, se agigantava ao vivo e em estúdio. Não à toa era chamado por alguns de “Mozart do pop”.
Em sua única visita ao Brasil para se apresentar (os dois shows no Rock In Rio 2, em 1991), o astro fechou uma boate para uma festa onde praticamente todos os convidados eram do sexo feminino, e iniciou um romance com uma brasileira de apenas 17 anos.
Mas no palco ele deu o show que todos esperavam na primeira apresentação, que fechou a primeira noite do festival, e ainda proporcionaria um outro ainda melhor, com uma apresentação antológica que está registrada apenas na memória de quem lá estava, pois o artista proibiu qualquer gravação ou transmissão. Prince chegou a ser anunciado como atração da edição de 2011 do festival de black music Black2Black, mas cancelou sua vinda ao Brasil em cima da hora.
Apesar de ser sempre visto como uma antítese lasciva do bom moço cristão Michael Jackson, pode-se dizer que Prince tinha muito mais em comum com o Rei do pop do que sugeria. Além de terem nascido no mesmo ano, beberam nas mesmas fontes de música negra norte americana dos anos 60 e 70 (sobretudo o godfather James Brown), aprimoraram-se na arte da performance ao vivo, e, sobretudo, souberam como poucos usar o videoclipe como forma primordial de promoção de seus trabalhos nos anos 80 e 90.
Discos como “1999”, de 1982, “Purple Rain”, de 1984 e “Sign O’ The Times”, de 1987, são tratados definitivos da música pop. Apesar da alta produtividade, os trabalhos do século XXI não tiveram grande projeção comercial, com exceção de “Musicology”, de 2004, e “3121”, de 2006. Mas ele não ligava, focava em criar. A ciência de seu talento o fazia escorregar muitas vezes na autoindulgência, mas esses momentos não obscurecem sua obra.
Assim como David Bowie, Prince será uma ausência sentida não só por seu legado musical, mas pelo que ainda poderia produzir pelos próximos cinco ou dez anos. A cada ano, vinha a notícia de que ele estava trabalhando em um novo projeto, e era impossível ficar alheio. A expectativa era inevitável. Sua última aparição foi há uma semana, em um show em Atlanta. Agora é menos um artista brilhante para nos fazer ansiar por novidades. A morte de Prince foi uma incógnita como sua vida pessoal, da qual pouco se sabia apesar de sua conhecida extravagância. Quase dez anos após se despedir de James Brown e sete anos depois da perda de Michael Jackson, a música negra chora novamente.