Se há uma banda de rock que mobiliza os brasileiros, é o Red Hot Chili Peppers. A prova disso é a procura por ingressos em festivais no dia em que os americanos estão no line-up. Tem sido assim há 30 anos, quando o RHCP, então colhendo os louros pela consolidação no mainstream com o álbum “Blood Sugar Sex Magic”, apresentou-se pela primeira vez por aqui em um escaldante janeiro de 1993, no finado Hollywood Rock – a mesma edição que contou com show do Nirvana, no qual o baixista Flea se juntou à banda de Kurt Cobain tocando trompete em ‘Smells Like Teen Spirit’. De lá para cá tem sido assim: quer atrair a massa para um festival, escale os pimentões como headliners que é sucesso garantido. Daí, não era de se estranhar que uma apresentação isolada da banda fosse gerar tanta mobilização. Inclusive, o show da noite de ontem (4) no Estádio Nilton Santos foi o primeiro solo dos Chili Peppers no Rio de Janeiro em 21 anos.
A banda é das mais populares na Cidade Maravilhosa, daí, o Red Hot (como são intimamente chamados aqui, com o “d” e o “t” devidamente chiados) não precisaria fazer muita força para agitar a massa no Engenhão. Foi um show despojado, com o mesmo espírito com que o baterista Chad Smith se juntou a uma banda de bar tocando Legião Urbana na noite carioca dois dias antes. Muito da animação dos fãs estava relacionada com o retorno da formação clássica, com guitarrista John Frusciante de volta ao posto.
A apresentação abriu com uma jam de guitarra baixo e bateria ovacionada pelo público, e logo o vocalista Anthony Kieds entra no palco ao som dos primeiros acordes do hit ‘Can’t Stop’, cantada por praticamente todos os presentes no estádio. Na sequência mais duas músicas de grande popularidade: ‘The Zephyr Song’ e ‘Snow (Hey Yo)’, com um coro dos fãs que estremeceu o estádio. Todos os grandes sucessos radiofônicos estavam na ponta da língua da plateia. é possível dizer que havia poucos recém-iniciados entre os pagantes.
Todos amam os hits, mas a turnê é de divulgação dos álbuns “Unlimited Love” e “Return of the Dream Canteen” lançados em abril e outubro de 2022 respectivamente. A quarta música do repertório, ‘Here Ever After’ foi tirada do primeiro. Depois de ‘Otherside’, clássico absoluto do disco “Californication” de 1999 (com o qual a banda fez as pazes com o sucesso, após a pouca popularidade de “One Hot Minute”, e renovou sua base de fãs), veio ‘Eddie’, faixa de “Dream Canteen”. A introdução dessa faixa chegou a empolgar alguns desavisados por conta da semelhança com a de ‘By the Way’ (que só seria executada mais adiante). Os fãs mais assíduos, que conhecem o disco, vibraram pelo motivo certo. Dos novos trabalhos do Red Hot Chili Peppers também constavam ‘Tippa My Tongue’ , outra do álbum de outubro, ‘The Heavy Wing’ e ‘Black Summer’, ambas do disco de abril. Uma dose consideravelmente generosa de novidades (cinco das dezessete músicas). Mesmo que nesses momentos a temperatura caísse visivelmente, o quarteto estava nos braços do povo, que acompanhou as novidades com certo interesse.
Ao contrário do show no Rock In Rio 2019, que valorizou bastante os lados b, dessa vez o deleite para os fãs mais especializados foi proporcionado por três momentos: ‘Soul to Squeeze’, da trilha sonora do filme “Cônicos e Cômicos”, de 1993, ‘Right On Time’, faixa não tão conhecida de “Californication” (que foi iniciada com a introdução de ‘London Calling’, do Clash), e ‘Havana Affair’, cover de Ramones gravada no tributo à banda punk nova-iorquina “We’re a Happy Family”, de 2003. Como de costume o bis foi composto pelos dois maiores clássicos do RHCP: ‘Under the Bridge’ e ‘Give it Away’, ambos do álbum de 1991.
Pela décima vez no Brasil, o Red Hot Chili Peppers se sente em casa. A banda foi pouco papo e muita música, dirigindo-se ao público apenas para os “oburigadow” de Anthony e as brincadeiras de Flea. Indubitavelmente um dos melhores baixistas em atividade, trouxe sua costumeira virtuose no instrumento aliada à galhofa, seja entrando no palco plantando bananeira, sua movimentação ensandecida, ou se dirigindo à plateia com berros. O já considerado cidadão carioca honorário, Chad Smith forma com Flea uma das cozinhas mais notáveis do rock. Foi a primeira vez de John Frusciante por aqui desde 2002. Por já existir toda uma geração de fãs brasileiros que nunca o viu (e ouviu) ao vivo, era compreensível que seu nome fosse entoado em coro em diversos momentos durante a apresentação. Por mais que seu substituto Josh Klinghoffer cumprisse a função competentemente, é uma alegria ver Frusciante de volta à guitarra e aos backing vocals. Anthony Kieds, aos 61 anos completados no último dia 1º, ainda mantém uma performance de palco vigorosa, embora já esteja pulando menos, afinal, apesar do impressionante físico sarado, exibido sem camisa, não é mais uma criança. Pela disposição que a banda demonstra, não é absurdo projetar mais uns 20 anos de atividade para os pimentões. Os shows no Brasil certamente ainda estarão lotando.
Setlist:
Intro Jam
Can’t Stop
The Zephyr Song
Snow ((Hey Oh))
Here Ever After
Otherside
Suck My Kiss
Eddie
Soul to Squeeze
Right on Time
Tippa My Tongue
Havana Affair
Californication
The Heavy Wing
Black Summer
By the Way
Bis:
Under the Bridge
Give It Away
*Fotos: Live Nation