Um novo selo joga os holofotes sobre nomes que despontam no samba paulistano, e em especial, novas vozes negras do gênero que estavam perdidas pelas distâncias geográficas e dificuldades de se inserir em um mercado cultural elitista. O Mundaréu Paulista traz um olhar de descoberta liderado pelo músico e produtor musical Marco Mattoli, do Clube do Balanço, e conta com distribuição do premiado selo YBmusic. As primeiras amostras são os novos lançamentos da cantora e compositora Roberta Gomes e da banda de samba rock Nova Malandragem.
“A ideia de fazer um selo de samba surgiu das minhas andanças pelas quebradas de São Paulo, conhecendo algumas das centenas de rodas de samba, visitando algumas das dezenas de compositoras, compositores, grupos, intérpretes que surgem insistentemente nesta cidade. Isso nasce dum exercício de tentar conhecer o mundaréu sem fim que existe além das pontes que cruzam os rios Tietê e Pinheiros. Em São Paulo me parece que essa disputa de espaços pende muito mais para a invisibilidade. Por exemplo, essa narrativa insistentemente repetida de uma cidade construída por imigrantes europeus e orientais, onde se trabalha, aonde a vida cultural e mundana é de influência internacional, sintonizada com que há de mais atual no mundo, e onde as manifestações de cultura afro-descendente são menores, pouco importantes e aquém das produzidas nos centros consagrados da negritude brasileira”, comenta Mattoli.
“Você pode conhecer Sampa como turista, ou até mesmo morar aqui uma vida inteira, sem tropeçar nas negritudes paulistas, nos milhares de blocos, escolas de samba, candomblés e umbandas, sambas, afoxés, bailes black, pancadões, rodas de samba. Pode circular e morar em ruas, bairros inteiros, grandes pedaços urbanos onde a presença negra é mínima”, ele continua.
E nessa busca, novas sonoridades e discursos se impõem. Logo no primeiro single do selo Mundaréu Paulista, “Mulheres no Samba”, a cantora Roberta Gomes faz um poderoso hino falando sobre um inevitável e urgente protagonismo feminino no gênero, território onde o machismo ainda anda solto.
Apadrinhada por uma das grandes mulheres da história do samba, Leci Brandão, a artista lançará seu primeiro EP pelo selo, mostrando a versatilidade como autora e intérprete costurada em muita experiência nos palcos.
Nova Malandragem, banda instrumental da Grande São Paulo, une a percussão brasileira com o brilho da orquestra de metais. Em sua música, eles mostram sua negritude e a forte conexão com suas ancestralidades, abrindo novos caminhos e possibilidades para a música instrumental brasileira.
Na estreia pelo selo, eles fazem um encontro do samba rock com jazz com uma versão instrumental surpreendente de “Moanin”, clássico de Art Blakey que também ficou conhecido nas versões de Charles Mingus e Ray Charles.
“Participar como aliados na construção dessas expressões artísticas, para que elas cresçam de um jeito digno dentro da indústria da música do Brasil e do mundo, é um belíssimo e subversivo propósito. Acho que ao buscar isto, teremos dado nossa pequena contribuição nessa enorme tarefa que é desconstruir essas centenárias estruturas de exclusão. E fazer isso trabalhando com a musicalidade e as expressões artísticas desse povo lindo e bamba, é um privilégio. Esperamos trazer em breve outros artistas, outros lançamentos, novos aliados, buscando novos pontos de vista e outras possibilidades para essa grande produção de sambas da grande Pauliceia negra”, conclui Marco Mattoli.
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