Esta nem mesmo Hermes Trismegisto poderia prever, mas como este país parece mais uma terra do faz de conta às avessas, a piada de mau gosto se tornou realidade. O Metrô Rio está abrindo espaço nas estações de metrô da cidade para a música, mas ainda que a iniciativa seja bem legal e até uma prática comum em cidades turísticas, são tantos os pontos contras no edital que chega a parecer inescrupuloso.
Segundo as regras divulgadas na página “Estação da Música”, serão selecionados trinta artistas ou grupos por uma banca julgadora, composta por especialistas na área musical e funcionários do Metrô Rio. Agora atente para alguns detalhes:
- Os músicos irão se apresentar num período de três meses após início do projeto em estações, espaços e horários estipulados pelo MetrôRio e de forma alternada;
- Os artistas se apresentarão nos locais pré-definidos por um período de até uma hora por dia;
- Não haverá contrapartida financeira e nenhum vínculo empregatício dos músicos com o Metrô Rio;
- Também está vetada qualquer ação que estimule a doação de valores para os músicos e divulgação do artista/banda/projeto por mais de cinco minutos por apresentação;
- Não será disponibilizada aparelhagem, infraestura, energia elétrica e muito menos o Metrô Rio vai se responsabilizar pelos instrumentos;
- Os artistas somente poderão executar músicas de sua própria autoria ou de domínio público, não sendo, de forma alguma, permitida a execução de quaisquer outras obras, ficando os artistas desde já cientes de que, na hipótese de infração desta regra, além das demais sanções previstas neste edital, caberá exclusivamente ao infrator a responsabilidade pelo pagamento referente à execução pública das músicas junto ao Escritório Central de Arrecadação de Distribuição – (ECAD);
- Não poderão ser comercializados materiais de registro das obras, ou em bom portugês, nada de discos, CDs ou outros materiais para quem quiser apoiar o projeto;
- Os selecionados autorizam a utilização de seu nome, imagem e som de voz, em qualquer um dos meios escolhidos pelo Metrô Rio para divulgação deste projeto.
E mais, mesmo se sujeitando a todas regras e pagando do próprio bolso todos os custos para expressar seu trabalho artistico na cidade, os funcionários do Metrô Rio ainda reservam o direito de suspender a apresentação por “motivos operacionais”, conforme outra cláusula contratual:
- O METRÔRIO poderá, por motivos operacionais, alterar a programação ou suspender o Projeto, não cabendo qualquer indenização aos Participantes agendados para o período da referida suspensão/ alteração.
Para aqueles que vivem no País do Verão, gastando dias trovando entre elfos e ninfas, e tenha disponibilidade para trabalho escravo no Metrô Rio por três meses, as inscrições vão até dia 29 de outubro de 2014.
Ironias à parte, iniciativas como esta exemplificam o quão distante estamos ainda de movimentos culturais que propiciem a população contato direto com as artes sem toda mitificação que a indústria cultural impõe para mercantilizar a obra. Sim, esse papo chato é muito século XIX, ainda assim o Metrô Rio também parece ter voltado ao passado. Fica registrado aqui nosso protesto!
Ultrajante, mas é justamente a forma como o Capital trata não só a arte mas também qualquer manifestação popular: mercadoria. E, como mercadoria, a arte deve sofrer desvalorização para que seja manipulada economicamente, na mesma medida em que o povo, esse sim apreciador/produtor de arte, deve ser alienado de sua própria arte para que se acostume a vê-la como algo bizarra e exótica em doses homeopáticas. Neste caso, eu diria: “então, músicos do Rio, não submetam sua arte ao crivo da MetrôRio.” Mas é bem mais grave e complexo.