Michael Jackson é a celebridade morta que mais arrecada em venda de discos e produtos relacionados, ultrapassando até Elvis Presley e o ex-Beatle John Lennon. Como a máquina de dinheiro não pode parar, materiais póstumos seguem saindo, desde o lançamento do documentário ‘This Is It’, que mostrava os ensaios da turnê homônima, que não chegou a ocorrer devido à morte do cantor.
Quando um grande nome da música, com tamanho poder de mobilizar corações e mentes se vai, inicia-se logo a caça ao tesouro, ou seja, raspar o baú de gravações nunca lançadas até o fundo. Jimmy Hendrix, por exemplo, tem um material póstumo maior do que aquele lançado em vida, ainda mais contando com os discos ao vivo. Com o rei do pop não seria diferente. Depois de This Is It (que também foi lançado um disco, com a trilha sonora), veio o álbum “Michael”, em 2010, que emplacou o hit ‘Hold My Hand’, um dueto com Akon. Este álbum foi lançado meio às pressas, com desiderato de aproveitar um pouco do clima de comoção causado pela morte prematura do cantor, um ano antes. Inclusive houve dúvidas quanto à credibilidade de algumas faixas, que supostamente não teriam sido gravadas por Michael, e sim por um cantor de voz idêntica (não seria mesmo difícil achar um cover do astro).
Agora chega às lojas “Xscape”(Epic/ Sony, 2014), e já foi anunciado que virão outros discos de inéditas de Jackson. O problema de materiais póstumos é que dificilmente é o melhor que o artista era capaz de produzir. Infelizmente é o caso do deste. O disco reúne oito faixas que foram encontradas em estado quase bruto e ganharam floreios e superprodução de bambas do pop contemporâneo como o produtor-sensação Timbaland (entre outros trabalhos na última década, parceiro de Justin Timberlake e responsável por uma atualização de Madonna), Rodney Jerkins (que trabalhou com Black Eyed Peas e Lady Gaga) e o grupo Stargate (Beyoncé e Rihanna). Além disso, procuraram se certificar de que as gravações foram mesmo feitas por M.J. A ideia era tornar as gravações mais modernas (visto que algumas datam da década de 80) mostrando como Michael soaria hoje. Os produtores trabalharam o material com intuito de dar modernidade, mas sem tirar a essência do rei do pop, até hoje o artista solo detentor do recorde de vendas de discos. E dificilmente será desbancado. Mas ainda não foi dessa vez que ouvimos um material póstumo do artista realmente condizente com o melhor que ele fez em vida.
As 8 músicas em nada acrescentam ao legado do realizador das pérolas pop “Thriller”, “Off The Wall” e “Bad”. No geral, as músicas são apenas variações de tudo que o astro apresentou em seus trabalhos a partir de Thriller. Até há bons momentos, como a faixa que abre o disco‘ Love Never Feel So Good’. Só houve um certo excesso na superprodução. A versão original é mais feliz, com o cantor sendo acompanhado apenas por um piano e um estalar de dedos. Um típico caso em que menos foi mais. A bela voz de Michael ganha destaque e não é abafada por efeitos.
Todas as versões originais estão disponíveis na edição deluxe do álbum, e nela percebemos que muitas canções não ganharam tanto com suas versões 2014. É curioso ouvir a faixa ‘Do You Know Where The Children Are’ em que ele canta “Do you know where your children are? / Because it’s not 12 O’clock, / Just hope they’re not on the street / Just imagine how scared they are” (“Você sabe onde seus filhos estão? / Porque não é 0:00, / Só espero que eles não estão na rua / Basta imaginar como eles estão com medo”). Seria uma suposta réplica contra as acusações de pedofilia.
Em ‘A Place With No Name’, Jackson usa a base de ‘A Horse With No Name’, sucesso de 1971 da banda America, e com uma letra de temática semelhante (temos aqui jornada, estrada, mistério). E no final, até a famosa cantarolada (laa laa laa lala la la lalah laa laa) surge. Fica a impressão de que foi apenas uma bricadeira de estúdio que não veria a luz de um álbum ou mesmo lado b de single. A penúltima faixa, ‘Blue Gangsta‘, parece uma versão pálida da empolgante ‘Smooth Criminal’ do álbum Bad. Já a faixa título é uma prima de ‘Jam’ (do álbum “Dangerous”) e ‘Scream’ (do álbum “History”). Evoca o Michael Jackson do inicio dos anos 90, e é a que mais se aproxima do brilho do astro. Nesta os produtores acertaram em cheio na atualização. Era realmente o som que Jacko estaria fazendo hoje.
Em suma, “Xscape” é superproduzido, fica nítido que o estúdio gastou uma fortuna – saiu mais caro do que muito disco de artista vivo – mas, com o perdão da morbidez, foi muita vela para pouco defunto, que no caso aqui é o repertório, não Michael, que fique bem claro.
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