Beijo na testa é pior do que separação

Há alguns anos não pegava um livro de crônicas para ler. Não lembrava o que estava perdendo até que comecei a “degustar” as primeiras páginas de Beijo na testa é pior do que separação – Crônicas do fim de tudo, do professor e jornalista Felipe Pena. Em tempos modernos, onde conversar sobre sentimentos perdeu espaço tanto na mídia quanto nos relacionamentos, as crônicas de Felipe fizeram com que eu olhasse para dentro de mim mesma e refletisse sobre meus antigos e atual relacionamento amoroso (estou casada há quase dez anos).
Em entrevista à Revista Ambrosia, Felipe Pena aponta que as pequenas atitudes do cotidiano são as principais causas de separação entre casais. “Sempre achamos que a separação se dá por grandes motivos, como uma traição ou problema econômico. Mas a verdade é que são pequenas causas, pequenos tijolos que, no final das contas, formam um muro invisível entre o casal”, revela o autor, que também é psicólogo.
“(…) Deslizou o corpo pelo sofá, segurando no braço, para não cair. Olhou reto, certeira, nos olhos dele. Uma lágrima insistia em romper o bloqueio emocional, mas ela a segurou, refez o dique. Enxugou o canto, discretamente, dilatando a pupila para disfarçar. Ele se aproximou, curvou o corpo, tentou beijá-la na testa, mas ela o afastou.
Beijo na testa era pior do que separação.”
beijo-na-testa-e-pior-do-que-separacaoBeijo na testa é pior do que separação – Crônicas do fim de tudo traz a separação como tema central de suas 40 crônicas, onde o relacionamento amoroso divide a cena com outras questões, como a política, a literatura, o jornalismo e a moda, envolvendo o leitor em estórias que nos envolve provocando diferentes emoções misturando romance, bom humor e crítica social. Como, por exemplo, na crônica intitulada O dia em que o Rio de Janeiro se separou do Brasil (uma das minhas favoritas):
                                          “Imaginem se as perdas com os royalties do petróleo fossem do Rio Grande do Sul? Não duvido que, em poucos minutos, os gaúchos organizariam uma revolução e proclamariam a independência do estado. Até consigo ver as barricadas no Palácio Piratini, as trincheiras organizadas por barbudos com lenço vermelho no pescoço, o chimarrão queimando durante a noite e os generais do terceiro exército organizando suas tropas para proteger o levante. (…)”
Em algumas crônicas há citações a trechos de músicas de Cazuza, Caetano Veloso e Renato Russo, além de menções a filmes, novelas, poemas e até a programas de TV como o Big Brother Brasil. Apesar do tema central ser a separação, o fim das relações (amorosas ou não), o livro deixa uma mensagem de esperança ao final da sua prazerosa leitura com gostinho de quero mais.
                                                 “(…) Escrevo na esperança de que os textos se tornem garrafas ao mar. Não quero convencer ou ilustrar, apenas levanto discussões.”
Nem todas as 40 crônicas são inéditas. Algumas já foram publicadas em revistas, jornais e em outros livros. Uma crônica em especial teve a sua publicação vetada por um grande veículo jornalístico há alguns meses. O texto traz citações a importantes nomes públicos e foi censurado, segundo o próprio Felipe Pena, a pedido de “um deputado que tem muito poder e influência nos meios de comunicação”.
“O editor do veículo em questão disse que o artigo foi vetado porque a direção não quer mexer com as pessoas que são o poder. Me senti na década de 70. Não vivemos numa democracia. Estamos em plena ditadura de chantagem política”, lamenta o autor de Beijo na testa é pior do que separação – Crônicas do fim de tudo.

A Alvorada dos Apaixonados

“Era uma história de amor muito improvável. Tão improvável como só as verdadeiras histórias são. Um amor de claustro, amor furtivo, amor nas entrelinhas. Um amor construído na alcova, longe dos olhos de todos, para não chocar os incrédulos.
Dilma morava numa cidade periférica. Michel em uma grande metrópole. Ela tinha canelas finas e joelhos ralados pela vida no campo. Ele andava de terno, usava relógios caros e frequentava rodas literárias de qualidade duvidosa, embora se declarasse fã de Otto Lara Resende e outros mineiros ilustres, o que era uma afronta para os paulistas, seus fiéis correligionários.
Conheceram-se numa dessas redes sociais. Outra improbabilidade. Quantos amigos em comum são necessários para aproximar duas pessoas tão distantes? Mas o amor virtual é assim: surpreendente, arrebatador. Na rede, primeiro se conhece a caligrafia, para depois se conhecer o poema. O perfume vem antes do olfato. As preliminares são o clímax.
Sair do virtual para o real não é um passo, é experiência acumulada. Michel se ofereceu em casamento no primeiro encontro. Porque o verdadeiro apaixonado não pede, se oferece. ‘Somos um casal perfeito”, ele disse. “Temos cumplicidade”, ela emendou.
Mas Dilma era comprometida, já tinha um pretendente, um bom partido. E que partido! Só não era melhor partido do que Michel, embora ele também fosse comprometido. O que fazer, então? A intimidade permitiu críticas mútuas, conselhos, tentativas e drama. Ao contrário da rima, o drama sempre é solução.
– Dilma, minha querida. Esse teu partido tem estrela, mas não tem nada a ver contigo. Sempre achei que você deveria estar perto do sol.
– Oh, Michel! Era sob o sol que gostaria de estar. Mas o hábito me prende aqui.
A essa altura, Dilma já ostentava as mudanças inerentes às mulheres que professam suas crenças e tentam ministrar suas vontades. As olheiras escondidas pela maquiagem francesa, as unhas pintadas de vermelho e um cabelo tão bonito, que as invejosas juravam se tratar de peruca.
Michel também mudou. Emagreceu, tirou o terno e alugou uma cabana na serra para formalizar o pedido. Deitaram-se na rede estendida na varanda, depois de um banho demorado na piscina de água quente que ficava ao lado da sauna a vapor. Ele abriu o champagne. Ela estendeu as taças.
– Não precisamos de um bom partido. Precisamos um do outro, meu amor – disseram, ao mesmo tempo, como se fosse ensaiado.
E os próprios partidos se deram conta de que não tinham a menor importância diante daquela paixão. A eles restava apenas ceder o tempo para que os noivos pudessem chegar até o altar. Não que fossem esquecidos, pois ainda poderiam contar com a amizade sincera do casal, que seria generoso na hora de cortar o bolo da festa. Sem falar que o buquê teria endereço certo para que um deles pudesse se casar na oportunidade seguinte.
Durante a cerimônia, Dilma e Michel se ajoelharam diante do padre barbudo, que também era padrinho e tio da noiva, situação muito comum nos casórios nacionais. Trocaram alianças depois de inúmeras viagens e aventuras pelo país e pelo mundo. E continuariam viajando após o casamento. Afinal, era pra isso que estavam juntos.
A cumplicidade os tornou ainda mais próximos. Uma volúpia incontida tomou conta deles assim que entraram na casa presenteada pelos padrinhos. Era a lascívia dos votos matrimoniais, a libido da conquista. Na alvorada, dedicavam-se a pequenos prazeres: morangos com chocolate, Romanée Conti, brincadeiras infantis e longas conversas que entravam pela madrugada. Riam de tudo e de nada, como só os apaixonados fazem. Estavam juntos e se bastavam.

Se isso não é amor,

o que mais pode 

Se isso não 

é amor,

o que mais

pode ser?

Felipe-Pena-Beijo-na-testa-e-pior-do-que-separacaoBeijo na testa é pior do que separação – Crônicas do fim de tudo é o mais recente livro do professor, jornalista e psicólogo Felipe Pena. Autor de outros 14 livros, entre eles Fábrica de Diplomas, O marido perfeito mora ao lado e O verso do cartão de embarque, Felipe já foi duas vezes finalista do Prêmio Jabuti: em 2011 com o seu livro Seu Adolpho e em 2013 pela obra No jornalismo não há fibrose.
FICHA TÉCNICA

  • Título: “Beijo na testa é pior do que separação – Crônicas do fim de tudo”
  • Autor: Felipe Pena
  • Gênero: Crônica
  • Ano: 2013
  • Formato: 16 cm x 23 cm
  • Páginas: 180
  • Preço sugerido: R$ 29,90   E-book: R$4,74 (no site da Amazon)
  • Editora: Primavera Editorial
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