Em 1987, quando eu tinha meus parcos 8 anos de idade, passei em uma banca de revistas e vi uma capa contendo a imagem de Batman pulando em direção a algo, em um ângulo baixo. Comprei aquela revista e a tenho até hoje, mesmo que esteja em um estado semi deplorável. Foi meu primeiro contato com Frank Miller e seu Batman: O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight Returns).
Para os que pouco conhecem de quadrinhos, a mera menção de Miller e seu Cavaleiro das Trevas já é o bastante. O bastante para saber que não estamos falando de uma história qualquer do Homem-Morcego, mas sim, de uma das mais épicas de toda a história dos quadrinhos. Para aqueles que nunca leram a revista, vale um resumo rápido desta.
Bruce Wayne, na casa dos cinqüenta anos de idade, deixou de ser Batman há 10 anos, logo após a morte de Jason Todd, o segundo Robin. Ele vive amargurado, lutando contra seus demônios internos. Os grandes vilões estão ou mortos ou presos e a violência que impera nas ruas é disseminada pela gangue conhecida por Mutantes.
Batman então resolve voltar a ativa e combater esta gangue, enquanto que, coincidentemente, diversos de seus ex-inimigos, dados como reabilitados, voltam a ativa também.
O que mais chama a atenção de quem lê a história é o lado psicológico que Miller cria de cada um das personagens mais importantes. A todo momento estamos na cabeça de alguém, ouvindo/lendo seus pensamentos.
Batman é retratado como uma espécie de esquizofrênico psicótico, em que Bruce Wayne e Batman ficam se digladiando pelo controle do corpo, sendo que no final, Wayne cede ao Morcego pois não consegue viver sendo apenas ele.
Miller ainda cria algo que foi muito explorado posteriormente em diversas edições das revistas do Batman; o dilema da existência dele se dar graças aos vilões ou se os vilões existem por causa dele.
Além disso, para aqueles que adoram desenhos estilizados, Miller é um especialista nisso. Ele adaptou diversos tipos de técnicas de desenho, tanto dos mangás quanto dos que eram feitos por Will Eisner para criar cenas que denotavam movimento, rápido ou lento, usando-se de diversos quadros como na morte de Thomas e Martha Wayne.
Além disso, ele usa a televisão como arma para explicar o que anda acontecendo na cidade de Gotham, usando-se de telas menores com as reportagens por sobre um fundo mostrando a cidade. É quase a dinâmica de um filme em tempo real.
O uso de sombras, especialmente quando se trata de mostrar os heróis agindo é outro diferencial de Miller. Só vamos ver o Superman pessoalmente, na terceira edição, mas ele aparece através de imagens sombreadas ou um jogo de imagens usando a bandeira americana e o seu símbolo desde a segunda edição.
Ainda vemos demais o uso de uma linguagem pesada, gírias das ruas e o espírito dos personagens denotando um pessimismo exacerbado. Ademais, por ocorrer durante um futuro não ocorrido da Guerra Fria em que Reagan ainda é presidente americano e a corrida armamentista está a todo vapor, o temor a uma Guerra Nuclear é evidente e as pessoas, sem seus heróis, não sabem mais a quem recorrer, isso até Batman voltar a ativa e as opiniões sobre seus atos começarem a se dividir.
Além disso tudo, Batman é mostrado como um guerreiro acima de tudo. Defendendo os inocentes de todas as formas possíveis e imagináveis, mesmo que tenha de agir nos limites da lei, o que ele faz constantemente na série, inclusive lutando contra a polícia, o que desencadeia a luta final contra aquele que sempre foi seu aliado: O Superman (o qual, sempre é mencionado por seu nome terrestre, Clark Kent e nunca por Superman ou Kal-El).
Enquanto Watchmen de Alan Moore fala do lado humano de cada um de nós e como a humanidade age em certas circunstâncias, o Cavaleiro das Trevas mostra o lado negro de um herói que sempre foi o mais humano de todos. Ao mesmo tempo que adentramos a psiquê perturbada de Bruce Wayne, percebemos a que ponto seus anos de treinamento levaram seu corpo e mente, e como toda uma cidade praticamente se ajoelha perante esta quase lenda urbana que patrulha as noites de Gotham.
Para aqueles que nunca leram, segue a imposição da obrigação de ler, para os que já leram, vale a pena reler de novo, desta vez tentando observar as nuances que Miller criou nos quadrinhos, que mesmo não tendo a profundidade de Watchmen, é com certeza uma das melhores histórias em quadrinhos já editadas.
J.R. Dib