Comparar “Harry Potter” e “Os Livros da Magia” é um equívoco

Muito já se discutiu a respeito da similaridade óbvia entre as duas obras que estampam o título deste artigo. Os próprios autores já se pronunciaram a respeito, tomando sempre posições respeitosas com declarações dotadas de um incrível bom senso; o que, por sua vez, foram responsáveis por encerrar de uma vez por todas a balbúrdia que vinha se propagando em torno dos universos criados pelos autores britânicos. Mas o que exatamente tais obras possuem de semelhante? E porque compará-las é algo desnecessário (para se dizer o mínimo)?

Inicialmente devemos entender inúmeros fatores que estabelecem a desobrigação no exercício da comparação. Mas para isso, proponho uma breve descrição das obras que aqui serão comentadas.

Os Livros da Magia (1990)

Inicialmente publicado em forma de mini-série, a HQ escrita por Neil Gaiman contou com quatro edições publicadas entre os anos 1990 e 1991, e uma série mensal publicada posteriormente. O plot gira em torno de Tim Hunter, um rapaz aparentemente comum que é visitado por grandes lendas do universo Vertigo – entre eles o Vingador Fantasma, Doutor Oculto e o célebre John Constantine. Os sábios veteranos propõem ao garoto uma espécie de tutoria no ensino da magia, o convencendo de que ele era um mago em potencial, cujo imenso poder adormecia em seu cerne. O rapaz visita inúmeros lugares e é apresentado a importantes entidades mágicas, além de também viajar pelo tempo, conhecendo a história da magia através das eras.

Ao longo das edições a personalidade de Tim vai se firmando, e o rapaz aprendendo a conviver com aquele novo universo até então desconhecido.

A história termina com o questionamento por parte de seus tutores: “Queres enfim, se tornar um mago?”, o rapaz deveras assustado responde que não, mas posteriormente descobre que tal escolha não dependia do consentimento de seus mestres. Entende que a magia estava inerente a seu ser.

O enredo possui elementos típicos das publicações da Vertigo, de teor mais adulto e com um ar um tanto quanto sombrio. A primeira edição, quando Tim é acompanhado pelo Vingador Fantasma e conhece a história da magia através de uma viagem astral, é soberba – considerada por muitos a melhor. Vemos qual a significância que o reino perdido de Atlântida, a inquisição e a influência de figuras importantes das lendas reais da humanidade – como Merlin -, possuem para a trama.

A obra não dá ênfase sobre o personagem ou a interação do protagonista com seus interlocutores. A estrela de Os Livros da Magia é a própria magia, e como ela está presente no mundo.

Harry Potter (1997)

A saga literária mais bem sucedida da história dispensa apresentações. Publicada entre 1997 e 2007, Harry Potter possui sete volumes principais e mais três livros ligados ao universo mágico criado por J. K Rowling. O enredo conta a saga do jovem bruxo britânico na luta contra o assassino de seus pais, o ser mais poderoso que o mundo já viu, mas que fora derrotado por Harry sob circunstâncias misteriosas, ainda quando este era um indefeso bebê.

A trama é ambientada na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, e, como é possível imaginar, diz respeito aos conflitos típicos de um jovem adolescente acrescido dos perigos que a saga de aventura pensada por Rowling traz. Harry não só tem de enfrentar os temores de um jovem comum, como tem de lidar com uma responsabilidade muito maior da que um mero rapazelho normalmente possui: a obrigação de salvar o mundo (bruxo).

A comparação

Apenas lendo as sinopses é possível concluir que Os Livros da Magia conta a história da magia. O personagem central da trama é ela, e tudo gira em torno de seu domínio. O papel de Tim Hunter é o de guiar o leitor por este universo, fazer com que nós nos sintamos dentro da trama, conhecendo paulatinamente aquele ambiente fantástico, na mesma cadência com que Tim descobre.

A magia de Harry Potter, por sua vez, é mero pano de fundo para discutir os medos desta fase da vida que antecede a maturidade. O universo é fascinante, os conceitos brilhantes, mas tudo não passa de meros detalhes. O personagem principal é sim, Harry Potter, e isso é indiscutível.

O fato de ambos serem orfãos, meninos e usarem óculos, por exemplo, não passa de um estereótipo que ajuda na idéia de que o protagonista é alguém frágil e que, por conseqüência, está sempre em perigo, fazendo com que o leitor sinta que aquele ambiente é mais desafiador do que pareceria para alguém preparado para o desafio, como Dumbledore e John Constanttine, por exemplo. Isto não é exclusividade destas obras, e tais características podem ser facilmente encontradas em diversos outros livros, quadrinhos e filmes.

Um dos pontos mais comentados entre os fãs é a clara semelhança nas ilustrações da capa de Harry Potter e dos desenhos da obra de Gaiman. A argumentação que acusa Rowling não procede pelo simples fato de que não foi ela quem ilustrou as capas, nem tampouco é a partir da mesma que a autora desenvolve sua história. O autor da ilustração pode ter se inspirado na obra de arte seqüencial, e se inspirado até demais, mas isso não faz com que a obra em si seja fruto de tal inspiração, muito menos uma cópia.

Inspiração ou plágio?

Os enredos não são nem de perto parecidos, nem mesmo as idéias. Em Harry Potter existe um mundo oculto, onde bruxos vivem livremente. A magia é ensinada por instituições de ensino, todos os conceitos que concernem a este submundo possuem teor um tanto quanto conspiratórios. Os feitiços são conjurados por varinhas, bruxos montam sobre vassouras e usam chapéus pontudos… Enfim. O bruxo ilustrado na obra da autora inglesa é o ser mais próximo daquele clássico das tradições orais.

Em Os Livros da Magia, não existe uma seriedade e urgência na trajetória de Tim. Ele não deve salvar mundo algum. O protagonista não é alguém mais especial que seus tutores, ao contrário da obra literária. Não existe um mundo mágico, a magia é mais como um conhecimento oculto, algo que estivera sempre presente no mundo. Os conceitos são muito mais simples e modernos, não existe todo um universo, com lendas próprias. Gaiman aproveita as lendas humanas, Rowling já cria as suas próprias.

Conclusão

Em nível de comparação, o que podemos dizer é que ambos os autores tratam de magia em suas obras. Nada além disso. Assim como A Máquina do Tempo do britânico H. G. Wells e O Fim da Eternidade de Asimov, tratam de viagem no tempo. Na verdade, vimos que Harry Potter possui mais diferenças do que semelhanças, se comparado a Os Livros da Magia. Ao que parece, as pessoas hoje necessitam de comparar e, principalmente, acusar sem sequer buscar entender. Infelizmente.

🙁

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