Na minha primeira (e mais polêmica) coluna aqui no Ambrosia eu falei sobre a HQ Você é minha mãe? (Quadrinhos na Cia.), de Alison Bechdel, e como eu não entendia a necessidade de revelar certos fatos pessoais se não agregariam à história. Ainda comentei sobre como um quadrinista nacional em uma mesa do bar achava essa saída fácil e que “fazer dragões que era difícil”.
Bem, daí a gente pula nove meses e alguns novos textos, e me vejo lendo Pílulas Azuis (Editora Nemo), de Frederik Peeters… Uma autobiografia. Na obra, ele conta como conheceu sua mulher Cati e seu enteado, dois soropositivos, e como foi viver com eles.
Pesado, não? Pois é! Mas a HQ é incrivelmente leve. Leve no sentindo de como é narrado, sabe? Meu grande problema com autobiografias é que sempre são tensas, com narrativas complexas, o que te obriga a ler aos poucos para não se perder. Mas com Pílulas Azuis foi diferente. Peguei, sentei e li tudo em uma tarde. Isso para mim é a melhor prova de que uma HQ é boa! Trabalhando com eventos anteriores e posteriores, Peeters conseguiu fazer sua HQ, que tinha tudo para se tornar pesada, ser uma leitura agradável. Vem uma história leve, depois uma mais pesada, depois outra leve. Isso deixou o ritmo da obra perfeito.
Como é de se imaginar, não é nenhum céu de brigadeiro esse relacionamento. Por exemplo, em uma das melhores cenas, ele debate com Cati se seus pais devem saber que ela é soropositiva ou não. E como para ele foi complicado começar a ter sentimentos paternais pelo seu enteado. É tudo muito humano, mas sem ser vitimizado. E nada está lá por acaso, tudo que ocorre serve para o desenvolvimento dos personagens e da trama. Você entende a razão de cada uma delas. E até ao final da leitura questiona se as 208 páginas não são muito poucas para contar tudo isso.
o traço de Frederik Peeters – que inclusive é muito diferente do apresentado na capa – é cartoon, caricato e com uma pegada muito forte em bordas e sombras pretas. Isso ajuda ainda mais a fazer a história fluir e leitura ocorrer naturalmente sem pausa.
Outro detalhe que me agradou muito foi a liberdade poética da HQ. Sim, é uma autobiografia, mas nem por isso é necessário que tudo tenha que ser exatamente igual e que a ficção não possa ter sua vez em algumas páginas para ajudar a desmitificar ou aprofundar certas questões.
Por isso, após nove meses da minha primeira coluna, posso escrever aqui tranquilo que dragões são legais, mas não podem contar todos os tipos de histórias… Pois Pílulas Azuis é uma das melhores coisas que li esse ano, sem dúvida.