«Brigas, perseguições, cansaço, fome, pés congelados, tapas e reconciliações, sem esquecer, claro, uma gota ou duas de erotismo. Um pequeno épico e grandes misérias. “Esta é a Busca do Pássaro do Tempo” e é assim que Serge Le Tendre (1946) o define pela boca de um dos personagens deste clássico da fantasia europeia dos anos 1980. Uma obra essencial ilustrada com maestria pelo magnífico Régis Loisel (1951).
Em Busca do Pássaro do Tempo foi publicado pela primeira vez em 1983 e alcançou grande sucesso em todas as suas edições até 1987, quando os autores encerraram o primeiro ciclo da história (reunido integralmente neste volume). O sucesso desta obra marcou o início de uma espécie de idade dourada da fantasia francesa. Trinta anos após sua primeira publicação, esta obra ainda mantém uma frescura surpreendente, graças ao talento investido por seus autores na criação de uma obra imaginativa, cheia de humor e sentimentos.
A história se passa em Akbar, um mundo formado por sete regiões, onde vive Pelisse, a filha da princesa feiticeira Mara. Pelisse precisa embarcar em uma perigosa jornada para encontrar o Pássaro do Tempo, um ser mágico com a capacidade de parar o tempo. Este é a única esperança para completar o feitiço que deterá Ramor, um deus antigo que pretende retornar para dominar o mundo. Pelisse será acompanhada por Bragon, um velho guerreiro e antigo amante de Mara. Juntos, eles devem percorrer Akbar em busca de pistas que os levem ao Pássaro do Tempo, enfrentando graves perigos e conquistando novos aliados para a sua causa.
Serge Le Tendre constrói uma obra fantástica que inclui muitos dos elementos que Joseph Campbell identificou como parte da Jornada do Herói e que estão presentes nos principais mitos da humanidade e em muitas obras de ficção: o herói que deve enfrentar uma missão, a figura do mentor, a magia, a viagem como metáfora da descoberta pessoal e espiritual, entre outros. Todos esses elementos fazem parte da história, tornando-a acessível para a maioria dos leitores. No entanto, Le Tendre não se limita a construir uma trama arquetípica, mas a enriquece com um surpreendente tom melancólico, transformando-a em um discurso interessante sobre a passagem do tempo, a nostalgia das glórias passadas e o tempo como instrumento para aceitar o passado e o destino.
Esta é uma obra onde as aparências enganam, e onde roteirista e desenhista conspiram para dar um revestimento amável (a exuberância do protagonista, os personagens e situações cômicas, etc.) a uma obra de tom bastante melancólico. Le Tendre enfatiza esse tom ao longo dos quatro arcos que compõem a obra, onde muitos dos personagens acabam sucumbindo a um destino (a morte) que parece inevitável e que eles aceitam como inescapável. Esse fato também fica evidente de forma visual, graças a certos elementos que se repetem ao longo de toda a obra, como a imagem de corvos devorando um cadáver, que aparece em todos os arcos e ilustra de forma gráfica como o tempo extingue toda glória passada. Tudo isso culmina em um final nada condescendente com o leitor, onde a loucura e a nostalgia são o único consolo para evitar a angústia dos heróis.
O trabalho de Régis Loisel no desenho é notável em muitos aspectos: desde o design imaginativo do mundo de Akbar até a caracterização dos personagens principais, passando por uma narrativa fluida e um traço detalhado que capturam a atenção do leitor, mergulhando-o completamente na história e complementando perfeitamente o roteiro de Le Tendre.
A riqueza de detalhes em cada página, tanto nos cenários quanto nos personagens, dotados de grande expressividade, alcança um equilíbrio magistral que não sobrecarrega o leitor, fazendo de cada página um deleite visual. O desenho detalhado possui a grande virtude de não atrapalhar a história, mas sim complementá-la, graças à excepcional capacidade narrativa de Loisel. Esta é, sem dúvida, uma das grandes qualidades do artista, pois não é fácil encontrar desenhistas que saibam combinar tão bem um desenho detalhado com uma boa narrativa.
Ao longo dos quatro atos que compõem a história, o trabalho de Loisel mantém-se consistentemente satisfatório, com um nível de qualidade excepcional, embora se note certa melhoria, se possível, nos dois últimos atos da história, onde o design da ambientação e da ação são realmente espetaculares. Diria que atinge seu ápice no terceiro ato da história (O Mestre), onde a ação se passa nas ruínas de uma antiga cidade devorada pela selva. Sem dúvida, uma verdadeira delícia visual. A arte de Loisel, por si só, justifica o prazer de apreciar esta obra.
Estamos diante de um clássico da fantasia que resistiu muito bem ao passar do tempo, um quadrinho absolutamente recomendável, que a Comix Zone publicou em uma cuidada edição integral, em capa dura, com tradução de Fernando Paz, 224 páginas em cores, impressas em papel offset de alta gramatura, aguardada por quase 40 anos.