[Atenção: Este artigo foi inspirato no texto do Robot6]
Osama Bin Laden morreu. Ou melhor, Osama Bin Laden foi assassinado por militares americanos após quase 10 anos desde que ele é procurado no Oriente Médio a fora por ser o culpado pelo atentado terrorista mais famoso e de proporações mais catastróficas na história do mundo. As ramificações políticas, econômicas e sociais que este feito histórico terão são quase tão infinitas quanto as que surgiram quando o atentato de 11 de setembro aconteceu em 2001. Em uma escala muito menor, ela também afeta um projeto artísticos de um dos maiores nomes da indústria de quadrinhos – estadunidenses, é claro.
Frank Miller ficou conhecido como não somente um escritor e desenhista, mas como alguém capaz de compor a dura realidade do nosso mundo em peças-chave para suas narrativas sempre críticas e de conteúdo reflexivo. Com o passar dos anos o artista que era vanguarda virou um nome associado a obras descartáveis e de qualidade duvidosa. Mesmo assim o anúncio de que ele botaria o Batman para lutar contra a Al-Qaeda (organização terrorista responsável por 11 de setembro e muitos outros atos de terror pelo mundo) gerou um barulho alto na mídia e desde então sua obra é aguardada, mesmo que recentemente ele tenha dito que substituirá o Batman por um personagem seu e publicará a obra, já batizada de Holy Terror, de forma independente.
A questão agora é: como fica a “guerra santa” que Frank Miller queria expor em páginas de gibis para adultos com seu principal vilão morto no mundo real? “Na época da Segunda Guerra Mundial o Superman socou a cara de Hitler, assim como o Capitão América o fez. Essa é uma das coisas para as quais eles foram criados” disse Miller em 2006 quando seu projeto foi anunciado por ele mesmo. O escritor escocês Grant Morrison não concordou com a ideia e deixou isso claro na época ao falar com o site Newsarama.
Batman contra a Al Qaeda! É a mesma coisa que Bin Laden contra King Kong! Ou que tal a sinistra mente criminosa da Al Qaeda contra ao faminto Hannibal Lecter! É tudo igual. Usar um personagem fictício como propaganda para bater em terroristas fictícios realmente parece uma auto-indulgência quando os terroristas reais estão matando pessoas reais no mundo real. Eu ficaria muito mais impressionado se Frank Miller desistisse dessas ideias nonsense de graphic novels, se unisse às Forças Armadas e entrasse nas linhas de frente com jovens soldados que estão arriscando suas vidas de verdade contra a Al Qaeda.
Com o passar dos anos Miller foi atualizando curiosos e fãs de seu trabalho sobre a história, chegando ao ponto de abandonar o Batman e anunciar seu herói de guerra como The Fixer (O Corregedor, em tradução literal). A troca foi feito porque, segundo o autor, a história estava ficando extrema demais. A Dark Horse, que já publicara 300 de Esparta do autor, ficou bastante interessada no projeto e pretendia lançar Holy Terror ainda em 2011. Paul Levitz, ex-presidente e ex-publisher da DC Comics, foi quem convenceu Miller a não usar o Batman em situações tão extremas assim como propaganda. “Eu levei o Batman além do que ele poderia ir” concluiu Miller ano passado.
Foi então que o Batman morreu nesta história. Mas o Batman é fictício. Bin Laden é de verdade e morreu de verdade. Dentre a vasta quantidade de pessoas que já expressou suas opiniões sobre os recentes fatos Miller certamente não foi um deles. É muito natural que ele queira publicar a história assim mesmo, pois o fim de Osama não significa o fim da Al Qaeda. Entretanto seu maior trunfo, o assassinato do homem de paradeiro misterioso, ficará à sombra do feito real.
Tirando o lado da história, temos também o lado da auto-indulgência. Se tratando de Frank Miller, ela é real. O homem que criticou o governo americano nos anos 1980 em vários lugares não é mais o mesmo faz um bom tempo. A favor da guerra e indignado na época em que a caçada a Osama começou com o fato da política americana não conseguir fazer seu povo entender o que realmente era o inimigo, Miller quer utilizar a força da propaganda de guerra contra um inimigo que continua sendo invisível – agora mais do que nunca.
Uma história é uma história. Uma história baseada em fatos reais políticos e sociais é uma representação artística de uma época da humanidade. O que Miller tem hoje não é mais nada disso. Portanto o que ele fará? Ninguém sabe. Nem ele.