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"Hereditário" perturba e incomoda como todo bom filme de terror deve fazer

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Parece que o gênero do terror está mesmo vivendo uma boa fase no cinema, tanto em produções comerciais, representadas principalmente pelas produções assinadas por James Wan e seus parceiros, quanto no cenário alternativo, em que os realizadores estão investindo mais em criar climas de tensão sufocante do que em sustos fáceis. Como exemplo temos os ótimos “A Bruxa” e “Ao Cair da Noite”.
A este “clube seleto”, um novo membro se apresenta com o nome de “Hereditário” (“Hereditary”, 2018) que, assim como os filmes citados anteriormente, ganha pontos por investir mais em causar medo de maneira psicológica do que gráfica (embora não poupe o público de cenas visualmente desagradáveis) e desenvolver uma ambientação desconfortante o suficiente para que fique na mente do espectador. Ainda que, mesmo assim, cometa alguns pecados que não deixam o resultado final melhor do que poderia.
Quando a trama tem início, a família Graham acaba de perder Ellen, sua matriarca. Sua filha Annie (Toni Collette), embora tivesse divergências com sua mãe, tenta encontrar forças para suportar a perda, assim como sua neta Charlie (Milly Shapiro), muito ligada à avó e que chama a atenção por seus estranhos hábitos. O neto, Peter (Alex Wolff), prefere ficar à parte dos acontecimentos e o marido de Annie, Steve (Gabriel Byrne), faz o possível para apoiar a esposa. Só que, aos poucos, estranhos segredos familiares começam a surgir e a intrigar Annie, que passa a procurar as respostas para o que está acontecendo. O problema é que uma coisa que nenhum integrante da família esperava pode decretar um destino inesperado e terrível para todos.
Se há um grande mérito a destacar em “Hereditário” é a maneira encontrada pelo diretor e roteirista estreante Ari Aster é como ele constrói o clima de terror de forma bastante eficiente, amparado por uma exemplar fotografia, assinada por Pawel Pogorzelski, que trabalha muito bem a luz e as sombras para deixar as cenas mais aterrorizantes nos momentos-chave da trama, além da trilha sonora arrepiante de Colin Stetson (que participou da música de filmes como “A Chegada” e “12 Anos de Escravidão”) e, principalmente, do trabalho feito pela equipe de efeitos sonoros, responsável pelos sons que contribuem para a sensação de medo e desconforto, principalmente em seu terço final. Os efeitos especiais também são bastante competentes e acertadamente discretos.
O diretor também trabalha adequadamente as questões dramáticas da história, mostrando que não são só os elementos sobrenaturais que causam problemas para os Graham. Longe de serem uma família de comercial de margarina, Annie, Steve, Peter e Charlie têm mágoas passadas acumuladas e o cineasta tira o melhor do elenco para desenvolver cenas pesadas de conflito familiar, que contribuem para a imersão do público no drama apresentado. Afinal, aquele que não tem nenhuma questão familiar que atire a primeira pedra.
É uma pena, no entanto, que o roteiro de Aster, inexplicavelmente, comece a dar voltas em círculos e perca o foco da história que quer contar. Assim, lá pelas tantas, várias situações que não enriquecem muito o que foi mostrado até então e poderiam facilmente ser retiradas na edição sem perdas para a trama deixam o filme inchado e um pouco cansativo para as pouco mais de duas horas de duração. Se tivesse uns 15 a 20 minutos a menos, “Hereditário” ficaria ainda melhor. Mas pode ser que isso não chegue a incomodar o público.
Em um elenco compacto, quem dá mesmo um show é Toni Collette, que trabalha muito bem as diversas e contraditórias emoções de sua protagonista. A atriz consegue expressar os sentimentos de frustração, raiva, tristeza e pavor de Annie de uma maneira impressionante, ainda que quase perca o controle ao ficar um pouco histriônica. Vale destacar também a jovem Milly Shapiro, que chama a atenção ao dar o tom certo da estranheza de Charlie e nunca soando forçada.
Alex Wolff se sai bem tanto nos momentos em que Peter age como um típico adolescente desligado quanto nas sequências em que é mais exigido, como as de confronto familiar e as em que tem de lidar com algo macabro e que não consegue claramente compreender. Ann Dowd, que ficou mais conhecida como a implacável Tia Lydia na série “The Handmaid’s Tale”, surpreende como Joan, uma mulher que ajuda Annie a encontrar respostas para seus questionamentos. Já Gabriel Byrne é desperdiçado num papel aquém do seu talento e acaba sendo pouco aproveitado na trama, o que é uma pena.
Com traços de clássicos de terror como “O Bebê de Rosemary” e “O Iluminado”, “Hereditário” certamente deixará os mais impressionáveis com uma sensação real de medo, o que é a sua maior qualidade. Afinal, não há nada pior do que um filme que promete assustar, mas não cumpre, como se vê nos produtos genéricos. No entanto, dava para conseguir uma maior coesão entre os três atos da trama e, assim, ter uma obra irretocável. De qualquer forma, o filme é uma ótima estreia de Ari Aster como diretor e roteirista. Só o futuro dirá se ele será capaz de incomodar o público tanto quanto fez aqui.
Filme: Hereditário (Hereditary)
Direção: Ari Aster
Elenco: Toni Collette, Gabriel Byrne, Alex Wolff, Milly Shapiro
Gênero: Terror/Drama/Suspense
País: EUA
Ano de produção: 2018
Distribuidora: Diamond Films
Duração: 2h 07min
Classificação: 16 anos

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