Heróis gays: Uma batalha diferente

Em Junho de 1969 uma violenta batida policial entraria para a história. O lugar era o Stonewall Inn, no West Village, em Nova York. A batida era mais uma na série de represálias que a comunidade gay sofria da polícia na época. Mas naquele dia 28, os homens e mulheres no bar reagiram. Nascia o orgulho gay. Nasciam heróis.

Quatro décadas depois, o Stonewall Inn é mais um dos badalados bares gays de Nova York, com a diferença de ser um local histórico e ocasionalmente, palco para o encontro de heróis modernos, com suas malhas justas e coloridas. É a festa Skin Tight U.S.A.

Não é de hoje que os heróis dos quadrinhos são caros ao público gay. Heróis são mitos “aspiracionais”, que nos ajudam a enfrentar nossos demônios de uma forma divertida. Se você é um garoto nerd, uma menina gordinha ou um atleta em potencial, com certeza vai se identificar com o universo das identidades secretas, lutas extraordinárias, questionamentos éticos e superação. Se você é um jovem gay, identidade secreta e superação serão parte da sua vida.

A festa começou em Chelsea, no Eagle Bar, quando os amigos Matthew Levine e Andrew Owen, fãs de quadrinhos, criaram a Hard Comixxx. O ideal grego de masculinidade e heroísmo, somado às roupas reveladoras da maioria dos heróis da Marvel e da DC, era um terreno a ser explorado numa cidade que já viu de tudo. Numa comunidade identificada pela sexualidade, o erotismo é uma forma de expressão, e com alguma criatividade e humor, a brincadeira nerd de cosplay tomaria um novo rumo.

Com a mudança de local, mais e mais gays e lésbicas fãs de quadrinhos (e seus admiradores) entraram na onda, e em noites espetaculares, a festa reúne mais de 250 pessoas (o que é bastante para o tamanho do bar). A meia-luz, os barmen musculosos e a batida da música são os mesmos de tantas festas pelo mundo, mas o diferencial da Skin Tight está no público. Onde mais ver o Superman flertando com o Homem-Aranha, o Lanterna Verde e seu namorado Flash sacudindo na pista, e um simples mortal trocando olhares com o Capitão América? A festa é só mais um capítulo na “saída do armário” dos quadrinhos, que através de seus fãs, roteiristas e artistas, cada vez mais trata da homossexualide e suas questões como um assunto relevante.

Nos anos 50, o psicólogo Frederic Wertham publicou o livro “A sedução do inocente – a influência das revistas em quadrinhos na juventude de hoje”, onde denunciava os traços homoeróticos do Batman, falava do paraíso sadomasoquista da Mulher Maravilha e de como os quadrinhos podiam influenciar as crianças negativamente. Não eram anos muito felizes para a cultura gay, e a idéia de que quadrinhos pudessem levar crianças a esse “desvio” era estarrecedora.

Atualmente, o verniz de tolerância e do politicamente correto em nossa sociedade tornou tudo mais fácil, e podemos classificar representações negativas da cultura gay no quadrinhos como algo datado. Num terreno primariamente masculino, a questão é um pouco mais complexa do que isso, mas hoje não vemos gays representados de forma tão negativa quanto, por exemplo, na edição 23 da Hulk Magazine de 1980, quando Bruce Banner foi quase vítima de estupro enquanto tomava banho na A.C.M.

Os X-Men, que sofreram com o preconceito contra mutantes e lutaram por direitos civis para essa minoria; Peter Parker, que vive as agruras de uma vida dupla; Estrela Polar, da Tropa Alfa, que além de se assumir gay foi veículo para a discussão sobre a AIDS, a assumidamente lésbica Batwoman, o casal gay Wiccan e Hulkling dos Jovens Vingadores; todos contribuem para que o respeito à diferença seja parte dos quadrinhos de hoje.

Como nem sempre é fácil criar personagens que representem um grupo específico, já que cada grupo se subdivide por suas singularidades o ideal seria ter vários personagens gays, asiáticos, cadeirantes, velhos, morenos… O mundo, mesmo num grupo específico, é multicor, e personagens que lidem com sua homossexualidade como parte de sua vida, mas não como bandeira principal ainda parecem um sonho distante.

Perry Moore, produtor da série de filmes As Crônicas de Nárnia, escreveu sobre o assunto em seu romance Hero (2007), onde o protagonista Thom Creed está enfrentando a escola, a descoberta de super-poderes e sua homossexualidade, enquanto pensa em como falar sobre tudo isso com o pai, um herói aposentado.

Hero conquistou um fã de peso em Stan Lee, que está ajudando Moore na tentativa de levar o herói para as telas, seja num filme ou numa série. O canal Showtime chegou a analisar o projeto, mas a idéia não foi pra frente e agora o autor pensa no futuro:

“Não sei quando, onde ou quem fará isso possível, mas como com todos os bons heróis, é preciso ter fé. Quando acontecer, será mais um passo à frente e alguém vai achar que já era a hora de alguém pensar em fazer isso.”

Seja numa festa em Nova York, num livro ou em fóruns de discussão, os heróis e seus fãs estão ajudando a espalhar o ideal da tolerância. E poucas causas são tão heróicas quanto essa…

Sair da versão mobile