Como já foi amplamente divulgado por aqui e em outras mídias, na semana passada aconteceu no Rio de Janeiro o evento Rio Comicon, sucesso de público e divisor de opiniões. Antes de começar a opinar mais afundo sobre o evento, é importante deixar claro logo que o vi com um saldo muito positivo, e que fico ansioso para ver sua segunda edição no ano que vem.
Tive a oportunidade de freqüentar diversos eventos de quadrinhos nas últimas duas décadas, lembro bem das Comic Manias relativamente grandes que aconteceram no Rio durante os anos 90, até a sua última edição no início dos anos dois mil. Todos estes eventos foram muito distintos desta Comicon.
O público consumidor de quadrinhos mudou muito com o tempo. Acredito que desde 2005, quase todas as grandes livrarias possuem uma boa sessão dedicada a Nona Arte. Mas quais são estes produtos? Por mais que os super heróis tenham povoado minha infância e adolescência, não foram exatamente eles (com raras exceções como Batman e Watchmen) que me fizeram me apaixonar por esta mídia. O mesmo parece ter ocorrido com boa parte do público consumidor atual. É muito mais fácil hoje em dia, ao entrar em uma livraria aqui no Rio, encontrar um Scott Pilgrim, Retalhos ou alguma coisa do Hugo Pratt do que uma HQ do Lanterna Verde.
Verdade seja dita super heróis existem há muitos anos, e eles sempre tiveram seus fãs, mas já foi provado em diversas ocasiões que estes fãs não necessariamente são capazes de sustentar bem um mercado, muito menos uma convenção (aqui no Brasil). E como o que tem vendido bem e atraído público nos últimos anos (a revelia do sucesso de alguns personagens no cinema) são HQs autorais, independentes ou não, a Comicon surgiu inteiramente apoiada neste público.
Dos organizadores, passando pelos palestrantes e os estandes presentes, todos ali são em maioria fãs ou escritores de quadrinhos autorais, que não viram necessidade de incluir o segmento de Super-Herói no evento (e nem as coisas que vem com ele, como colecionáveis e etc). Isso fica bastante claro quando olhamos para a escolha dos convidados do evento, que apesar de formar um grupo heterogêneo e bastante interessante não possui laços com os univeros Marvel e DC. Isso é claro acabou por trazer a fúria de muitos, até porque a mídia e este gênero de quadrinhos são relacionados como sinônimos a muito tempo.O que acabou por trazer algumas conseqüências boas e ruins.
As boas é que como o evento foi bem divulgado e bem cheio isso possibilita que aqueles que desconhecem esta “nova cara” das HQs, acabam descobrindo um mundo que não sabiam existir. Seja pela belíssima exposição de arte que se encontrava no centro do evento, ou pela venda de todo tipo de quadrinho autoral nos estandes da Comicon.
O lado negativo é que uma parte deste público acaba se sentindo enganada, principalmente aqueles pais que levaram as crianças na esperança de ver coisas da Turma da Mônica ou do super herói favorito (bem, o Mauricio de Souza estava lá). Além disso, alguns veículos passaram realmente uma falsa impressão sobre o que o evento seria. A capa do segmento Megazine, por exemplo, apresentava os heróis da Marvel. Tudo bem que era a versão do Grampá deles, que foi lançada na coletânea autoral da Marvel, Strange Tales, mas para o leitor desinformado, era uma clara alusão que se tratava de um evento dedicado a este público fã de quadrinhos norte-americanos de super heróis.
Certamente qualquer um que entrasse no site, ou lesse sobre a programação, perceberia que não existia na proposta da Comicon, praticamente nada de interessante a este grupo. Trata-se de uma convenção de quadrinhos onde você poderia comprar o original em italiano de todas as obras do Hugo Pratt, ou dos convidados Manara, François Boucq, Patrice Killoffer, Étienne Davodeau entre outros… mas não conseguiria comprar um exemplar da Mulher Maravilha, até porque (por um erro da produção) a Panini não estava liberada para vender seus produtos. Ela foi uma convenção onde se poderia conhecer os principais trabalhos produzidos em nosso continente sul-americano, seja pela grande quantidade de HQs escritas por nossos hermanos no evento, ou mesmo pela presença massiva dos autores brasileiros.
O que quero dizer é: o evento foi muito legal e bem realizado, mas ele foi direcionado para um outro público fã de quadrinhos, que atualmente me parece mais presente e interessado na mídia do que os fãs de super heróis. É claro que a Comicon ideal seria um grande festival de quadrinhos, onde seria possível agradar a todos. O estande do Batman ao lado do Scott Pilgrim, fazendo esquina com a turma da Mônica. Isto não foi possível nesta primeira edição, onde o espaço foi limitado (ainda que com uma apresentação impecável). Torçamos que com o sucesso desta primeira edição o evento possa caminhar para ter um futuro ainda mais abrangente.
Fotos: Melissa Andrade