Todd Klein está entre os poucos nomes que participaram de Sandman integralmente, isto é, durante seus sete anos de produção mais os especiais, os demais foram o escritor Neil Gaiman, o capista Dave Mckean e a editora Karen Berger. O letrista Todd Kleim, já trabalhou em inúmeras HQs conclamadas, e infelizmente devido a necessidade da tradução, muitas vezes o seu trabalho, que é a utilização de uma fonte especifica ou o próprio desenho da mesma com seu punho, fica perdido nas edições nacionais (uma das razões por que sempre prefiro ler ou ter as HQs originais, sejam elas em inglês ou outras línguas). O fato é: poucas séries de quadrinhos ganharam um trabalho mais luxuoso nesse campo, são perceptíveis o cuidado e a dedicação que Todd Klein colocou em seus balões, demarcando jeitos de falar, pensar e se expressar diferentes. Fora isso todo tipo de texto que aparece no quadrinho é fruto de seu trabalho: onomatopéias, pichações, cartazes, boa parte da composição da cena, veio deste letrista. Neil Gaiman pediu ao mesmo que desenvolvesse balões personalizados para cada personagem da série. Sabemos que a voz de Sandman é sombria e taciturna, pelo cor e pela fontes escolhida para suas falas, assim como a de Matthew é esganiçada e estridente. O que gostaria de compartilhar nesse pequeno artigo é uma análise das principais “vozes” da série, e como o trabalho de Klein demarcou essa obra.
Começando pelos Perpétuos em sua ordem natural, temos primeiramente Destino, o mais velho e mais enigmático da família. Suas falas são sempre em itálico, para “simbolizar a qualidade estática e sem emoção de sua voz”. Reparem que Klein, abusa do negrito na hora de reforçar as palavras enfatizadas pelos personagens.
Em seguida temos a Morte, que é de fato o único Perpétuo a não sofrer uma alteração na forma de falar, justamente para realçar sua naturalidade e proximidade aos humanos, revelando que a mesma age “como qualquer outra pessoa”.
O personagem principal da série, Morpheus, possui um balão com as bordas borradas “indicando a natureza transitória dos sonhos”, a cor por sua vez, representa sua personalidade sombria e melancólica. Quando Daniel vira o Sonho o balão e a fonte se mantém, mas a cor negra se esvai mostrando a diferença notável de personalidade que existe entre Morpheus e Daniel.
Destruição, o irmão pródigo, possui caracteres fortes e balões grossos, indicando que ele costuma a falar “alto e forçosamente”.
Desejo possui uma fonte típica de pôsteres e anúncios no estilo da Art Noveau, criado “para que ele/ela pareça uma pintura de Patrick Nagel”.
Desespero por sua vez, possui balões simples mas cheios de pontas e rasgos, apropriado a sua descrição: “sua voz é um pouco mais do que um sussurro”. Eu gosto de pensar na idéia que a voz da desespero é composta por elementos desagradáveis como um prego sendo traçado em um quadro negro. A voz da primeira Desespero é bastante semelhante a sua sucessora.
Por fim temos Delírio, a mais nova da família. Sua fonte muda constantemente de forma, tamanho e cor (assim como seus balões), para representar que ela está “sempre à beira da loucura”. Sem dúvida é uma das personagens mais marcantes em termos de falas. Vale lembrar também, que nas histórias situadas no passado, quando a pequena ainda era Deleite, seu balão se constituía em uma versão bastante suave da atual configuração, com cores mais fracas e menos alterações.
Outros que possuem uma voz marcante na série são os companheiros animais Matthew e Barnabas. O primeiro possui um balão com letras fortes e tracejado constituído de uma série de palitos, assim como a cor amarela. Segundo Klein foi feito para realçar a natureza esganiçada e alta de sua voz de Corvo. Já Barnabas (veja seu dialogo com destruição acima) possuía uma fonte arredonda e um balão sem forma definida, assim como a cor azul. A idéia era que um cão falante deveria soar como algo estranho e delirante.
Gostaria de finalizar dando um exemplo de uma boa resolução de Klein para um problema em “Um sonho de mil gatos”. O letrista não sabia como colocar o diálogo dos gatos no desenho. Ele achava que se utilizasse balões de fala normais os gatos iriam parecer gatos falantes de contos de fadas. Se optasse por colocar balões de pensamento eles iriam parecer gatos telepáticos alienígenas, portanto acabou optando por um misto entre os dois. “Combinando esses ícones verbais e não-verbais dos quadrinhos me pareceu correto, já que para mim gatos se comunicam em um nível mais primal do que nós”. É interessante observar como o trabalho de Todd Klein foi importante para a obra, deixando muitas marcas para as HQs das gerações seguintes, hoje vinte anos depois desta obra prima dos quadrinhos, não é tão incomum ver falas tão personalizadas.
O letrista bolou mais de trinta configurações de balões diferentes nos sete anos que trabalhou em Sandman. As citações desse artigo se referem a entrevista que Todd Klein deu para Hy Bender em 1999, que veio a ser publicado no livro “The Sandman Companion”.
[Imagens retiradas de “The Sandman” edições : 8, 20, 45, 46]