Editora comenta reimpressão do Mundo das Trevas

Após o anúncio sobre o retorno do Livro de regras do Mundo das Trevas às lojas no começo de setembro, a editora Maria do Carmo Zanini enviou ao Ambrosia e ao d3system um relato sobre a produção do livro original e alguns detalhes acerca dessa primeira reimpressão.

O Livro de regras do Mundo das Trevas, que talvez seja mais conhecido por aí como o “básico” do “novo” Mundo das Trevas, foi publicado pela Devir Livraria em 2006. Esse livro foi quase um parto prematuro motivado por pré-eclâmpsia. Começamos levantando todos os termos de sistema e cenário, depois passamos às reuniões de equipe para decidir a tradução da terminologia. Foi uma experiência empolgante: não é todo dia que a gente tem a oportunidade, a liberdade e a responsabilidade de recriar todo um universo de jogo em português. Marcelo Suplicy deu início à tradução e avançou bastante, mas teve problemas de saúde e, se bem me lembro, sofreu uma daquelas panes de computador que somem com todos os arquivos mais importantes da sua vida. Depois de tanto esforço, só restou o prólogo e a introdução. Eu estava trabalhando em outras coisas, mas voltei para o Mundo das Trevas para ajudar a apagar esse pequeno incêndio. Foi a segunda tradução mais rápida da minha vida.

Douglas Reis cuidou da preparação do texto, e acho que juntos chegamos a umas soluções bem interessantes. Lembro que “Dino Dez Dedos”, uma versão livre para “Tommy Ten Tongues”, foi idéia dele. Daí o livro seguiu para diagramação e os problemas recomeçaram. A essa altura, minha participação como tradutora normalmente já teria se encerrado, mas, como os prazos estavam apertados, fui chamada de novo para dar uma mãozinha na revisão gráfica. Foi minha primeira experiência nessa tarefa. Revisar a diagramação de RPGs traduzidos não é nada fácil. É muito texto, muita imagem, muita caixa, muita borda, cabeços e rodapés, índice… Mas o pior é que o volume de texto em português fica 2,5 vezes maior que o do original, e o diagramador tem de ser mágico de palco para encaixar esse excesso no mesmo número de páginas. Muitas vezes é preciso pedir ilustração por ilustração à editora norte-americana, alguns arquivos chegam corrompidos, e a conversão das fontes tipográficas dos Macs dos gringos para os nossos PCs nem sempre é sopinha no hidromel.

Tino Chagas – o David Copperfield do Quark – e eu passamos semanas anotando e emendando nada menos que oito provas de diagramação. A primeira grande frustração ficou justamente por conta das fontes tipográficas, pois não conseguimos converter uma boa parte dos arquivos. Sem mais tempo, o Tino fez sua mágica e improvisou com o que tinha à mão. O trabalho saiu bom, mas eu fiquei com a sensação de que devíamos alguma coisa ao Ron Thompson, que tinha criado o leiaute e cuidado da composição do original. Eu disse isso ao Douglas, que me prometeu que, se a Devir imprimisse uma segunda tiragem do Livro de regras, ele faria de tudo para que a visão original fosse preservada.

Para mim, a segunda frustração foi descobrir, depois de impresso o livro, que um lapso bem feio escapara a todas as etapas da produção: a Vantagem Recuperação Rápida, que tem índice 4 (quatro círculos), saiu bem mais “barata” na edição brasileira, com índice 1. Foi uma lição dura, mas proveitosa. Outros lapsos foram descobertos mais tarde e acabaram formando a errata do Livro de regras. Mas eu estou me adiantando.

A primeira tiragem se esgotou lá pela segunda metade de 2008, algo mais ou menos de acordo com o desempenho que se espera de RPGs traduzidos aqui no Brasil. E, em 2008, por malandragem do destino, a editora da linha Storytelling era justamente eu. E eu estava ansiosa para emendar algumas frustrações.

Se a primeira tiragem foi um parto prematuro, a segunda foi um parto a fórceps em algum círculo do Inferno. Alguém estava sempre infernizando a vida de outra pessoa para que o trabalho saísse, se não impecável, o melhor possível. Infernizamos a White Wolf até conseguirmos a imensa maioria das fontes tipográficas; infernizamos o Ricardo Prisco até ele recriar o logo do Mundo das Trevas; infernizamos o Tino até ele acertar todos os círculos da ficha de personagem caractere por caractere; infernizamos a Cecília Madio, que verificou cada parágrafo de texto e espaço entre palavras; e infernizamos o Douglas Reis até o livro ir para a gráfica em agosto de 2009, depois de uma crise econômica mundial e da licença-maternidade da editora.

Mas, enfim, o que o leitor pode esperar dessa primeira reimpressão do Livro de regras do Mundo das Trevas? Na capa, o logo do título, “o Mundo das Trevas“, ganhou uma cara nova e, ao menos na minha opinião, mais equilibrada e fiel ao conceito original. Na quarta capa, incluímos a classificação etária indicativa de acordo com as novas normas do Ministério da Justiça. No miolo, o prólogo, a introdução, as aberturas de capítulo e os “headings” foram refeitos, agora usando, na maioria dos casos, as mesmas fontes tipográficas empregadas no World of Darkness Rulebook, ou então fontes muito mais semelhantes às originais.

No entanto, o mais importante é que acreditamos ter corrigido, se não todos, a maioria dos lapsos de texto e diagramação da primeira impressão, e isso só foi possível porque pudemos contar com a colaboração de vários RPGistas que nos apontaram os problemas e nos ajudaram a criar e a ampliar a errata do Livro de regras a partir de março de 2008. Sem essas contribuições valiosas, ainda estaríamos frustrados com o livro, pois é quase um truísmo da produção editorial que, quanto mais intimidade a pessoa tem com o texto, menos erros ela enxerga.

Não vejo a hora da nova tiragem chegar da gráfica e ir para as ruas, não só porque investimos tanto esforço e dedicação nesse livro, mas também porque o Mundo das Trevas Storytelling merece ser revisitado aqui no Brasil. Não consigo evitar a surpresa ao encontrar, em eventos de divulgação do Mundo das Trevas, RPGistas que desconhecem o Storytelling e que ainda perguntam o que aconteceu com os Tzimisce ou as Fúrias Negras. Mas entendo a dificuldade que muitos encontram para se despedir de um universo ficcional que os cativou na adolescência e os acompanhou durante 13 anos ou mais. Só torço para que isso não os impeça de experimentar o novo, pois esse Mundo das Trevas que apareceu em terras brazucas em 2006 e que agora ressurge em 2009 é um cenário de horror maduro, de altíssima qualidade, cheio de idéias incríveis, com uma pesquisa bem feita e uma redação impecável. Também é um cenário para sagas e aventuras audazes, com um sistema de regras dinâmico e versátil, voltado para a ação veloz. E o Mundo das Trevas ainda exala uma sensibilidade única, talvez porque seja nos monstros mais terríveis que descobriremos o que é ser humano.

Maria do Carmo Zanini
Editora – Mundo das Trevas StorytellingDevir Livraria
www.devir.com.br/mundodastrevas

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