A coluna de hoje irá falar sobre narrativa. Devo confessar que foi um pouco difícil escreve-la e que a mesma não ficou como eu gostaria. Acredito que uma imersão maior no tema se faça necessária, incluindo talvez alguns elementos da própria teoria literária, portanto esperem mais artigos sobre o tema.
Já discuti em outra coluna a relevância absurda que o roleplay tem na formação de um jogo de RPG, agora gostaria de descrever aquilo que lhe é praticamente oposto: a narrativa.
Certa vez eu li que um bom narrador (mais sobre o termo adiante) é aquele que sabe lidar com duas forças opostas: a vontade de contar uma boa história, impressionar seus jogadores, se manter no controle do jogo (fatores ativos, o lado yang de se narrar) e a vontade de deixar que seus jogadores ajam de forma independente, transformem o jogo, tomem decisões (fatores passivos, o lado yin).
Em grande parte esse conflito também pode ser representado pela arte de narrar defrontando a arte de interpretar, a segunda comumente associada ao papel do jogador (ainda que muitos narradores também interpretem seus NPCs). Um bom jogo vem do equilíbrio desses fatores, quando o narrador completa sua história com a iniciativa dos jogadores. Gostaria de apontar também que este conflito também se dá na parte do jogador, que tem como fator ativo a vontade de ficar no controle e agir de forma veemente, e como fator passivo o de se sentar e ouvir uma boa história.
Eu disse que ia explicar meus motivos para a utilização da palavra narrador (ao invés de DM, Keeper e afins) e o que posso dizer sobre isso é que o termo não é utilizado por mim em referência a White Wolf, eu o uso por que acredito que o mesmo sintetiza a função real de quem assume esta tarefa, que é copartilhar uma história. Na verdade acho o termo mestre muito ruim, até por que ele é um derivado do termo do D&D Mestre da Masmorra (Dungeon Master ou DM), e parece extremamente limitante em forma e uso.
Mas que diabos é o tema dessa coluna? Bem, confesso que minha vontade é realmente tratar de um aspecto mais teórico em relação a narrativas, algo que, como já mencionei está dentro da área da teoria literária. No entanto, tentarei me focar mais para aspectos que possuam melhor validade em jogo.
A Trama
Primeiramente, todo jogo deve ser sobre alguma coisa. O único motivo para um narrador se comprometer com uma coisa tão dispendiosa como narrar deveria ser a existência de uma boa história que se quer compartilhar. Quando não existe uma trama com começo e direcionamento geralmente a coisa não chega ao fim. O mais complicado nessa questão é que é preciso se ater a um conflito que esteja vinculado ao gosto dos jogadores e que tenha como foco os personagens dos mesmos. Geralmente a opção por um sistema já fornece alguma base para isso, como já mencionei um determinado conjunto de regras cria um estilo de jogo.
Existem diversos graus de complexidade aqui, e você pode ter tramas simples sobre superheróis que realizam missões diversas ou coisas monumentais sobre o decair do ente humano. O fato é, não há muito ao que se dizer sobre isso agora, já que meu foco é mais o narrativismo em jogo do que toda a gigantesca maratona que precede o preparar de uma boa mesa.
Descrições
É aqui que exploramos o potencial narrativístico, quando se entra em uma sala e recemos aquela grande discrição de sentidos. Na verdade, descrever o ambiente é tão importante por que é um mecanismo de proteção contra um dos vicíos do RPG: as rolagens.
No D&D primeira edição não havia nenhum tipo de teste de spot (procurar) o que fazia com que os jogadores tivessem que inquerir o mestre quando buscassem detalhes. Então, toda vez que o grupo entrava em uma velha sala ela era inteiramente descrita para eles e logo em seguida começava uma rodada de perguntas:
“tem algum cheiro mais estrenho na sala?”
“Atrás desse armário, o que tem? Ele está preso de forma firme na parede?”
Talvez o mais ideal aqui seja o narrador evitar as rolagens de percepção de primeira e fazer uma descrição básica da sala, depois disso ele poderia arriscar a rolagem para buscar coisas mais especifícas, deixando o sentido investigador dos personagens dar o tom a cena.
O mesmo vale para as batalhas, nada mais enfadonho do que aquela conversa mecânica de “acertou, toma três de dano”. É sempre bom que a batalha seja climatizada, você entenda a tensão através da narrativa. Se um efeito estético interessante não está coberto com as regras, faça mesmo assim, o objetivo aqui é sempre a história e as mecânicas devem ser sempre secundárias a isso. Mesmo no mais duro combate a narrativa deve ser a regra geral do mesmo. Na verdade, em grandes guerras, o ideal mesmo é pedir poucas rolagens e entreter o jogardor com algums descrições gigantescas das batalhas. Fazer com que os mesmos se sintam lá, que estejam sujos de terra e com gosto do sangue na boca, que aos poucos desce através de um corte na sobrancelha.
No caso dos combates um atributo importante é a cinemática, pois eles exigem vivacidade para parecerem reais. Quando a coisa começa a demorar muito perde-se a graça, por isso esses segmentos merecem atenção redobrada, conhecimento das regras (mesmo para quebra-las em nome da boa história) e um senso descritivo. Eu mesmo acabo sucumbindo a alguns vícios há muito estabelecidos, como por exemplo dizer o dano aos jogadores. Na minha opinião deixa-los no escuro e contar apenas com descrições sobre seus estados seria ideal, até por que isso os faz muito mais cautelosos (da mesma forma que acabar com rolagens de percepção os fazem mais atentos) e verossímeis.
Muitas vezes a capacidade de narrativa pode ser tão legal a ponto de despertar diversas emoções reais e profundas nos jogadores: orgulho, medo, tristeza são apenas alguns exemplos. O segredo está na empatia com o personagem ou o jogador.
Por exemplo, uma das melhores dicas que já li sobre evocar medo em jogadores é que o mesmo devo corresponder a um certo senso de justiça cósmica. Explicando é algo diretamente relacionado as ações dos personagens, por isso o “horror pessoal” funciona tão bem. Se o grupo entra em uma cidade afundada e desperta um horror antigo, será algo muito mais assustador do que esbarrar com o mesmo no meio de uma planície ensolarada. Temos que juntar os dois pontos o clima que a narrativa dá somado a um momentum único, algo que mostre que aquela hora é a hora deles.
Da mesma forma que não existe RPG sem interpretação de papéis também não existe RPG sem uma boa narração (Covenant pode ser uma exceção). O equilíbrio entre os mesmos é o que faz uma boa mesa, tanto para o lado do narrador tanto para o do jogador.
Muito boa a materia!
E serei o primeiro a postar! 0_o
O equilibrio é realmente algo importante, e muitas vezes complicado mesmo.
o clima, o tom tem de casar com tudo, você acerto em cheio nessa questão.
Porem sem a ajuda dos jogadores (e dai entra o que você disse no inico do equilibrio) nada rola, eu já narrei(concordro que o termo narrar é melhor a algum tempo, só preciso me habituar com ele) com clima certo, historia bem feita, mas os jogadores queriam outra coisa… conclusão: o jogo foi um droga.
Mas ao menos eu aprendi de uma vez por todas, se os jogadores não estão a fim, esquece, ou seja MUITO cativante!
Muito bom!
Eu acredito que esse paradoxo de contar uma história sem saber o que os personagens vão fazer é o ponto chave que separa um escritor de um “mestre” (termo só pra ficar mais claro). Na realidade eu acho ainda que narrador não é o termo ideal, levando em conta a liberdade dos PJs…
Na minha opinião, o bom narrador tem que somar um vocabulário vasto (para melhor ambientar), uma noção de ritmo (para prender a atenção), senso de causa e efeito (para antever os acontecimentos), conhecimentos mundanos (para poder improvisar), domínio das regras de jogo (para manter o ritmo e a confiança), conhecer os personagens e os jogadores (para suprir as expectativas) e objetivos traçados na história (para ter confiança e prevenir o tédio).
Preenchendo os requisitos acima e tendo uma trama minimamente envolvente, na minha opinião, o jogo se torna fluido e cativante, apenas contando com o Rolerplay dos jogadores. (Pq narrador tb não faz milagre nem tira encosto né!)
Obviamente eu não tenho nem metade dos itens listados acima, mas estou me esforçando para chegar lá! =P
E é melhor eu parar pq, apesar de ser bastante empolgante o assunto, não sou eu que to postando.
Um grande abraço! Parabéns pela sessão e keep posting!
P.S.: andei lendo um blog chamado reflexõesrpg muito bom! fica a dica!
Arquimago, quando esse tipo de coisa acontece ignore os jogadores e escreva um bom livro, hahahaha. 😛
Ivegan você definiu muito bem um bom narrador, e todas essas características explicitadas reafirmam minha certeza sobre o termo. Sobre o reflexões eu conheço sim, o que mais tem por aí são excelentes blogs que falam de RPG.
concordo com o felipe e com o IVegAN, e é exatamente por causa dessa complexidade de requisitos para ser um bom narrador que eu não narro rs 😉
Diana, se existe um motivo para se tornar narrador, o maior deles é: pq ninguém (a não ser vc mesmo) vai narrar aquele cenário que vc acha super legal. Ou vc narra, ou “perdeu prayboy”.
Além disso nenhuma sessão é perfeita, e o segredo é seguir em frente, e have fun! Todos essas teorias RPGisticas(que eu particularmente curto pakas!) só serve pra aprimorar.
Legal também é o orgulho que dá ver a galera curtindo algo que vc que planejou, narrou e deu certo!
Isso é particularmente indicado para se falar para ela. A mesma está há anos esperando que alguém narre o GURPs Discworld que ela comprou….
Mas eu até entendo a Diana.
Quando eu gosto muito de um cenário, prefiro “viver” nele a “controlá-lo”. Ser o herói é bem mais simples que ser deus.
E eu acho muito chato uma idéia boa de personagem ser “desperdiçada” num NPC (por mais que seu NPC seja bem elaborado, ele não é o centro das atenções na mesa de jogo – e nem poderia ser, senão o jogo seria uma exibição da perspicácia do mestre – então o mestre dificilmente vai explorar o potencial de um NPC da mesma forma que os PCs são aproveitados).
Mas por falta de opção de mestre em alguns cenários / sistemas, você acaba tendo que mestrar mesmo.
Eu entendo você, apesar de que eu genuinamente goste mais de narrar, eu tenho uma coisa por contar uma história…. é sempre fascinante!