Para fugir do D&D: Opções de Fantasia Medieval

Hoje irei dar algumas indicações de outros jogos de estilo semelhante aquele do D&D, com o intuito de alargar um pouco mais o leque de opções dos jogadores brasileiros. Acho muito importante que RPGistas conheçam outros jogos, e acredito que a prática estimule uma melhora genérica no hobby. Quanto mais jogos você conhecer ou jogar, mais opções de personagens e conceitos você vai desenvolver, assim como sua interpretação pode se tornar cada vez mais verossímil. Claro que esse artigo pode ajudar aqueles que simplesmente estão irritados com a quarta edição do jogo também, e querem testar coisas fora da Wizards.

Meu intuito nessa seleção é evitar aqueles jogos demasiadamente radicais para um típico jogador “monosistemático” (no caso, o jogador de d20), e apresentar livros que efetivamente possam interessa-lo sem fugir de seu universo simbólico cognoscível. Eis as minhas recomendações, em ordem alfabética:

Capa de AgonAgonÉ um pouco difícil iniciar com este que é justamente um dos mais complicados, interessantes e diferentes da lista, até por que não é fantasia medieval. Estes atributos são relativos a estranheza que alguns podem sentir com o cenário, ainda que as mecânicas dele sejam bem intuitivas. Como o nome já deixa claro, Agon é todo sobre o velho ideal agonístico grego, situado muitos anos antes do surgimento das póleis, o jogo se passa na idade mítica, aquela narrada por Homero em seus versos, onde os heróis habitavam o mundo dos homens. Os deuses convivem entre os mortais em uma terra idílica, com mares límpidos, guerreiros destemidos e ilhas cheias de seres sobrenaturais a se explorar. Estamos na idade do bronze, e os guerreiros usam armadura leve, elmo, lança, espadas curtas e seus poderosos escudos para o combate. É uma época de honra e prestígio, e é também o período onde a cultura ocidental começa a nascer.

No jogo você encarna um Herói, e deve vencer todo tipo de obstáculo para se tornar uma lenda digna de se equiparar com o poderoso Aquiles. Inicialmente o jogo parece um pouco com um RPG típico, um grupo de heróis se junta e começa a vencer diversos desafios. No entanto, existem diversas diferenças com D&D, como por exemplo: o principal objetivo é se tornar uma lenda única, isso faz com que todos os heróis tenha que competir entre si. Não existe espaço para segundo lugar, aquele que arrancou a cabeça da hidra é o grande herói. E claro, como bons gregos, os heróis vivem envolvidos em desafios e competições de proezas uns com os outros.

As mecânicas de Agon são muito bem desenvolvidas e intuitivas. Na mão direita o jogador carrega os dados que correspondem a sua lança, na esquerda os de seu escudo. Fora da batalha os jogadores não podem simplesmente usar skills eles devem evoca-las com algum tipo de propósito. Portanto em um jogo de caça, não vale rolar dado para correr, e sim fazer uma pequena discrição: “meu personagem, perdendo espaço para o javali que já se encontra distante nas matas a minha frente, há de estreitar seu passo, fazendo-o mais ligeiro, enquanto prepara a lança para meu golpe mortal” o segundo jogador “Como cresci nessas florestas, irei me direcionar para um atalho que leva um ponto mais a frente da trilha, surpreendendo o javali”. Fora toda a poesia homérica e rolagem de dados intuitiva, os heróis tem um atributo chamado destino, que começa no máximo e nunca se recupera. Quando as coisas estão muito difíceis o jogador deve gastar destino para ganhar alguns bônus no momento, no entanto, vale lembrar que uma vez que esse atributo acabe, o personagem sai do jogo, tendo finalmente completado seu destino, por isso é necessária muita estratégia para lidar com o mesmo. A estratégia é na verdade o centro do sistema, que penaliza e bonifica todo tipo de ação coordenada entre jogadores, fazendo um jogo muito inteligente.

Capa de ArtesiaArtesia: adventures in the know world – Sem dúvida nenhuma um dos RPGs mais belos já produzidos, seu único artista Mark Smylie (que desenhava também Dark Ages: Vampire) é também o autor, seus traços coloridos ilustram de forma perfeita o tom e o clima do livro. Vale lembrar também, que Mark escreveu uma série de romances e HQs baseados no mundo de Artesia, de novo cumprinco a dupla função autor/ilustrador. Artesia é um livro bem grande, com quase 400 páginas que lembram um RPG mais antigo, graças ao nível de detalhes destinado as regras. A ambientação é muito elogiada e se situa em um mundo medieval muito mais crível do o comum. Existem dezenas de reinos, com linhagens bem definidas, nada de outras raças, mistura de regiões feudalistas com regiões quase na renascença, um cosmo muito bem detalhado e uma história do mundo muito bem detalhada. Artesia é feita para personagens mais densos, mas o jogo proporciona qualquer tipo de crônica que você possa desejar, de bandidos mercenários a intrigas de corte, passando por buscas teológicas de padres. Tudo no livro são detalhes: cada região ganha grandes mapas, diversos anais de suas famílias, descrição de seus credos, personagens influentes e assim por diante. Tudo é muito verossímil e aberto.

O sistema do jogo ainda que possua uma mecânica básica simples (basicamente rolar um d10 somar modificadores e passar no número determinado pelo narrador, e o dado é “aberto”, um 10 você passa para uma nova categoria de sucessos decisivos, já um 1 você abre as falhas críticas) possui espalhado sobre suas páginas diversas rolagens completamente especificas, regras para fazer sexo, ficar grávida, abortar, ir para um pós-vida X, entre outras. A criação de personagens é um processo extremamente laborioso, levando algumas horas para ser completado, no entanto ele cria personagens muito concretos. Existem muitas páginas com ferramentes mecânicas para você criar toda a história da vida de seu personagem, de sinais de nascença até a primeira relação sexual na adolescência, o que ajuda muito aqueles que estão sem idéia do tipo de personagem que desejam usar. Na ficha per se, são 15 atributos distribuídos em físicos, mentais e espirituais com cinco em cada, cerca de setenta habilidades (para dar uma exemplo com habilidades como “letrado” e “línguas”, existem 10 alfabetos diferentes, todos eles amplamente ilustrados no livro, assim como cerca de trinta línguas distribuídas em grupos parentais e semelhanças de pronúncia). Depois de escolhido isso você começará a escolher as relações sociais do seu personagem, cada conhecido ganha uma pontuação e possui um status específico na sociedade, que podem ajudar a incrementar o seu. A sua posição política no mundo é muito importante, principalmente a inicial, já que muitos irão lhe julgar por ela. Portanto, um rei de berço e um rei que conquistou o poder quando era um capitão menor de um exército, terão medidas de respeito muito diferentes entre seus pares.

O sistema de magia é particularmente interessante, sendo aberto o suficiente para que a partir do conhecimento de certos princípios você possa criar quase qualquer efeito relacionado, também apresenta soluções mais fechadas e tradicionais como rituais e pequenas magias com efeitos definidos. Tudo muito bem explorado dentro do cenário de jogo, onde a magia é algo raro e perigoso.

Para aqueles que gostam de bons personagens e querem viver um mundo grandioso de fantasia medieval, Artesia é uma da melhores opções, mesmo no que concerne a adaptação de cenários. Acredito que cenários como Ravenloft dariam muito mais certo com esse tipo de livro como base.

imagem de dominonDominionJá escrevi sobre esse sistema gratuito aqui, mas para os preguiçosos eis um resumo. O sistema foi criado para comportar cenários medievais históricos ou fantasiosos, e se baseia em regras bastante simples que se utilizam (na contramão de tudo!) de dados de doze lados. Isso mesmo, aquele que nós (exceto os que jogam D&D, e que mais especificamente usam bárbaros ou machados de duas mãos) nunca usamos para nada. Os personagens são construídos a partir da combinação de seis atributos (Vigor, Agilidade, Constituição, Intuição, Inteligência e Sorte), cada um por suas vez, se desdobra em diversas habilidades. Não existem classes ou níveis, lembrando um pouco, uma versão mais simplificada e focada de GURPs (uma comparação ruim, confesso, já que não possui sistema de pontos e a montagem do PC em si, lembra o D&D, é mais como uma mistura de ambos).

Ainda sim, eles dão certo enfoque a dinamicidade do combate com diversas manobras e opções interessantes de ação durante o mesmo, todos os jogadores ganham opção de bloquear e esquivar junto com seus ataques, assim como outros floreios interessantes.

Os dois outros pontos positivos são a forma como o sistema lida com a religiosidade (sem classes não tem aquelas distinções idiotas como entre Clérigo e Druida, e seu personagem fica bem mais único) e com a magia. O primeiro é visto de forma bem mais individual na relação homem e sua crença e os poderes divinos são muito vinculados as ações do religioso assim como a sua fé (bem melhor que os domínios de D&D). Já o sistema de magia, vai um pouco no campo do World of Darkness, completamente fluído, com regras para se desenvolver seus próprios feitiços baseado na compreensão de certos campos mágicos que o usuário possui.

imagem de earthdawnEarthdawn: Este jogo também possui uma grande base de fãs, que sustentam o produto em suas duas edições e dezenas de suplementos há mais de 15 anos. Basicamente, um jogo de fantasia medieval tolkeniana pós-apocalíptica. Quando o ciclo das eras atinge seu ápice e a alta magia é solta no mundo, os horrores incomensuráveis dos tempos da criação retornam ao mundo para destruí-lo. Todas as raças e culturas então tem de refugiar em locais ermos ou subterrâneos na luta pela sobrevivência.

Neste cenário, os anões são a cultura predominante, com seus reinos sob a terra lotados de refugiados, e sua língua transformada na fala comum dos povos que desejam a liberdade.

O sistema lembra um pouco o Ad&d e o d20, com poucas diferenças (parece que até mesmo irão lançar aventuras para a quarta edição), com classes e raças e um sistema de magia ruim, onde se decora as coisas.

No fim, earthdawn conta mais como um cenário de D&D inovador do que como um jogo que parece ter vida própria.

Capa de game of thonesA Game of Thones – Ganhador do prêmio de melhor jogo nos Enie awards de 2006, este tomo de 500 páginas é considerado por muitos como o melhor RPG medieval já publicado. O livro lançado pela sword & sorcery (subsidiária da White Wolf) é baseado no mundo do romance de mesmo nome escrito por George R.R. Martin. Imagine uma planice nevada e lamacenta cercada por pequenas montanhas, no alto de uma colina os porta-bandeiras deixam seu lorde passar. O caminhar de seu cavalo tintila sua cota de malha, e a pele de urso envolta de seu pescuço tremula ao vento gelado. Lá embaixo, os primeiros destacamentos de lanceiros já entraram em confronto, e parecem estar perdendo durante o choque. O lorde estende a sua mão e faz um alto sinal em seu chifre, que ecoa pelo vale. A cavalaria pesada desce, a formação em cunha aos poucos vai se equilibrando quando os cavalos se acostumam ao terreno. A infantaria inimiga olha atormentada enquanto a fúria da montanha desce sobre si. Eles são esmigalhados, seus corpos afundados em lama e sangue. Tudo o que resta é o barulho de suplícios de agonia, e o limpar de espadas dos nobres.

Você já deve ter uma idéia, um mundo medieval realmente pesado, onde elfos e anões são lendas para assustar crianças, onde a magia é muito mais uma crendice do que uma força presente. O aço frio é muito caro para o cidadão comum, e é capaz de matar o mais habilidoso dos cavalheiros em poucos golpes. A Game of thrones usa um sistema d20 completamente modificado para um jogo sobre grandes personagens, gigantescas batalhas épicas e toda mortalidade de um mundo medieval.

Para se ter uma noção existem 11 capítulos dedicados a construção de personagem, envolvendo muitas camadas acima da ficha normal do d20, como bônus de camadas sociais e aptidões que se conquista ao pertencer a uma das casas nobres daquele mundo. Mundo este que vive uma guerra entre estas casas, tempos depois da morte do último grande rei. Todos os aspectos da vida medieva estão cobertos nesse jogo, e as classes são completamente verossímeis (artesão, homem de armas, nobre, caçador, apenas para citar alguns exemplos). Se você gosta de jogos onde os desafios são tramas elaboradas de política entre reinos, envolvidas por batalhas épicas que exigem estratégia e manobra de tropas. Este é o seu jogo. Sem dúvida nenhuma um dos melhores já publicados nesse estilo.

capa de pathfinderPathfinder A grande aposta da Paizo para derrubar o D&D novo, uma re-atulização do sistema d20 com as bênçãos de alguns do melhores escritores da terceira edição do jogo (como Monte Cook e Sean K. Reynolds). Não há muito para falar ainda já que a versão final ainda não ficou pronta. No entanto, é possível jogar os diversos demos já lançados no site. É um D&D que está sendo desenvolvido para melhorar a terceira edição em tudo que ela tinha de mais fraco, mas mantendo a compatibilidade da mesma com o resto da linha d20.

Pendragon O ultimo jogo a receber uma pequena resenha é também o mais antigo, tendo sido criado em 1985, e lançado mais uma vez pela White Wolf (quem achava que ela só fazia o WoD?) em sua quinta edição. O jogo usa um sistema que mistura d20 com um pouco do basic roleplaying da Chaosium, e é um pouco contra-intuitivo. Ainda sim, ele traz algum apelo ao cenário e o modo de combate em massa parece bastante funcional.

capa de pendragonComo o nome deixa claro, ele se passa na Britânia Arturiana e os jogadores assumem o papel de cavalheiros do rei. Sim, não existem outras opções, no entanto cada cavalheiro é muito distinto um do outro, principalmente pelo enfoque mais interno do jogo, assim como o sistema de paixões e traços de personalidade, que são muito relevantes no jogo.

Outra grande inovação é que cada sessão ou aventura, se passa em um ano diferente e a idéia do mesmo é que o tempo avance para que aos poucos os cavalheiros irem morrendo ou envelhecendo e acabam sendo substituídos pelos seus filhos. Uma campanha típica de Pendragon é sempre grandiosa em batalhas e em política, e tudo é pensado a longo prazo, crimes de seu heróis podem ser pagos quando você estiver jogando com o neto do mesmo, quase oitenta anos depois da ofensa cometida.

Pendragon possui suas falhas mais o cenário e as campanhas dinásticas que o mesmo desenvolve são adendos muito interessantes para qualquer adorador de fantasia medieval.

Acredito que seja tudo, espero em breve fazer uma matéria semelhante a esta com novas opções a outros RPGs já estabelecidos.

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