One Piece é uma série baseada em grandes promessas. A principal delas: que seu tesouro sagrado, que ainda não foi revelado desde o início da série, há 26 anos, valerá a pena a viagem; que o protagonista Monkey D. Luffy um dia realizará seu sonho de se tornar o rei dos piratas; e que sua longa série oferecerá um final satisfatório aos fãs. O lançamento da série live-action One Piece da Netflix acrescenta mais uma promessa à série – a promessa de que, ao ser adaptada para live action, evitaria o destino sombrio de tantas adaptações de animes que os fãs reprovaram. O show não consegue cumprir completamente essa promessa, mas causa uma primeira impressão decente, embora irregular, convidando fãs de longa data e novatos a permanecerem a bordo para ver o que pode acontecer.
Os mares de anime live-action são águas traiçoeiras para os fãs da animação japonesa, principalmente após adaptações como Dragon Ball Z, Fullmetal Alchemist e, mais recentemente, Cowboy Bebop. Peso de sua própria ambição equivocada de recapturar a magia de seu material de origem com caracterização através de pessoas reais. Estas experiências levaram ao público ficar com pé atrás e consequentemente ao fracasso das produções, principalmente quando a magia dos animes está em retratar de forma lúdica grandes mundos, batalhas impossíveis, situações do cotidiano absurdas com uma beleza que ainda não pode ser reproduzida num formato live-action, pelo menos não sem parecer barato e pouco inspirado em comparação.
O criador de One Piece, Eiichiro Oda, está mais do que ciente da apreensão dos fãs de que a série de ação ao vivo de One Piece poderia muito bem manchar o legado de obra prima, tornando-se mais um exemplo de bobagem de ação ao vivo. Alimentando esses temores estava o fato de o estúdio Tomorrow ITV do produtor Marty Adelstein havia feito a péssima Cowboy Bebop, justamente para a Netflix (imediatamente cancelada após sua primeira temporada). Ainda assim, Oda prometeu que a adaptação, da qual atua como produtor executivo, não “trairia” os fãs que apoiam a série nos últimos vinte anos, ressaltando que o programa não seria lançado até que ele estivesse satisfeito.
A primeira temporada da série de One Piece, que cobre as principais histórias desde o início da saga de abertura em East Blue até a conclusão do arco Arlong Park, mostra Luffy montando sua tripulação pirata enquanto navegam para encontrar o tesouro escondido de Gold Roger. A série precisa cobrir muito terreno, principalmente quando você considerar que estão condensando 93 capítulos, cerca de 17 horas de anime, em oito episódios de uma hora de duração. O resultado é um programa que muitas vezes se perde e opta por agilizar as principais informações da história juntando arcos duplos em um único episódio, deixando inclusive a impressão da extensão das aventuras de Luffy como algo bem mais grandioso – um mesmo problema de outras adaptações.
Ainda assim, a Netflix realmente caprichou para que One Piece seja uma adaptação de anime em live-action bem produzida, provavelmente aproveitando as críticas do passado para melhorar a maneira como a série é conduzida. O show é cheio de emoção, com cenários vibrantes e designs que buscam recriar o mundo de One Piece.
One Piece da Netflix acerta quando se desvia ligeiramente do original, entendo que se trata de uma mídia com maiores limitações e criando suas próprias regras narrativas. Ao longo da temporada, o show busca equilibrar melhor os relacionamentos entre os personagens com uma sutileza não encontrada versão original.
Por outro lado One Piece da Netflix sofre problemas de crescimento, principalmente pela magnitude do material original. O ritmo mais rápido da série, que combina histórias de origem e arcos iniciais de definição de personagens como Sanji e Zoro, perde momentos de desenvolvimento de seus personagens que foram melhores explorados no anime, como Usopp e Luffy, que aparecem como espectadores unidimensionais. Isso é particularmente decepcionante, considerando que seus colegas de mangá e anime desempenham um papel mais ativo nos arcos de seus companheiros de tripulação, tendo conversas importantes que irão desenvolver o laço único de amizade da tripulação.
Embora o CGI na série One Piece esteja no mesmo nível do que você veria na série Witcher, também da Netflix, não há como não sentir uma pontada de decepção sempre que o programa tenta recriar o estilo de luta do homem-borracha de Luffy. Sempre que ele realmente luta usando suas habilidades de homem de borracha, a série parece se envergonhar sobre o quão bobo isso poderia parecer para novos espectadores. Na verdade, a série teria se beneficiado com fotos de Luffy enlouquecendo com suas travessuras de homem de borracha, especialmente considerando a ótima primeira impressão que o programa causa ao mostrar o quão eficazes são os socos de Luffy em nocautear as pessoas.
Como um todo, a primeira temporada da série live action One Piece é um passo positivo no desenvolvimento de adaptações de anime – oferecendo entretenimento satisfatório e buscando ser fiel ao material de origem, mas os problemas presentes e o alto custo de orçamento para adaptar a extensa jornada de Luffy e dos piratas com atores reais parece um desafio maior que a Netflix. Resta esperar para saber se o sucesso do programa eventualmente irá triunfuar sobre seus principais problemas levando os piratas a navegar até as areias de Alabasta, as nuvens de Skypiea ou a fortaleza impenetrável de Enies Lobby, desafios infinitamente maiores que o apresentado na adaptação da primeira temporada.