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Crôni-Crítica?

Essa é a primeira vez que escrevo sobre Teatro aqui no Ambrosia. Não sei se deveria estar fazendo isso. Penso nos leitores: Será que eles irão se interessar por essa coisa que eu amo de paixão, que me tira do sério, que me tira o sono, que chega a me doer o corpo e a alma, será que pra eles será uma coluna profana, vulgar nesse espaço tão especial? Pior ainda, terei que ser muito meticuloso e escrever com muito cuidado e delicadeza, para que esse que é um assunto tão machucado e ao mesmo tempo tão fascinante não pareça para outros um trecho de blog barato.

reportagem da gazeta do Paraná
Reportagem da gazeta do Paraná

Antes escrevia como convidado aqui sobre algo que me relaxava: Quadrinhos. Antes disso só escrevia posts em meu blog pessoal, ambientações de jogos de RPG e personagens para Live Actions, trabalhos de faculdade (bem mal e porcamente) e declarações em forma de poema para musas imaginárias levemente inspiradas em mulheres que conheço no mundo material. Só de pensar que é sobre minha loucura mais lúcida, minha sensatez mais desbundada que vou desnudar nessa página eletrônica, me seca a boca, me sacode a perna e os dedos erram o teclado, criando palavras sem sentido.

Nesse momento estou à 26 horas sem conexão à internet, de stand-by por assim dizer, por causa da chuva que deu ontem aqui em Copacabana, em plena Bairro Blade Runner desse Rio Vertical de Janeiro e só agora conseguiram me falar a verdade: Provavelmente devo ficar mais um dia assim, desconectado do resto do mundo virtual. Aproveito para deixar as idéias claras, tanta coisa aqui nesse computador me distraem e não deixam a minha escrita fluir. Ou tentar, pelo menos, pois é dessa complexidade caótica que eu planto minha semente de arte, com toda a humildade e certeza desse ato. Não na “Arte” com A maiúsculo, mas a minha arte, a que eu sei, conheço e namoro. Decido que não vou, não posso, não quero escrever de outra forma que não a que sei, e que se o leitor estiver esperando uma crítica com propriedade e embasamento, tenha a compreensão e por obséquio procure-a em outro lugar. Talvez entre os mais velhos e conceituados pela mídia, ou então em sites sérios sobre o assunto que tentam levar a crítica teatral para o que ela deveria realmente ser: um diálogo entre o crítico e a obra, e não um monólogo de júri e juiz condensado em uma pessoa só que parece ser movida por razões meramente egocêntricas ou as satisfações comerciais ao qual ela está atrelada. Eles existem , e eu os admiro muito. Mas aqui esse diálogo será entre o que eu sinto sobre meu encontro não só com a obra, mas no que ela se dará em mim mesmo. Espero que isso seja interessante para que o leitor continue descendo seu scrollbar.

Aproveito para pensar onde foi que se processou em mim essa maluquice, que parece que nunca vai terminar, esse amor incondicional pelo Teatro. A lembrança mais antiga que eu tenho é certamente uma montagem de “O Cavalinho Azul” de Maria Clara Machado que levei meus coleguinhas para assistir junto no Tablado por ocasião de um aniversário meu. Ou seja, levei coisa nenhuma: assim como eles, fomos levados por nossos pais ao teatro, pois eu era apenas um rapaz latino-americano na faixa dos seus sete anos de idade e não tinha ainda poder de decisão nenhuma sobre o que iria assistir. E como é presente a memória na minha cabeça: Não havia aquela arquibancada suspensa que lá está hoje, e se não me engano, o próprio palco era mais rebaixado ou a ação se deu fora dele. Não vou descrever com detalhes, até porque são turvos em minha lembrança (ou imaginação), basta o leitor saber que a narrativa dessa linda peça é sobre um menino que procura um diabo dum cavalinho azul. A peça me aparecia na época angustiante (talvez mais do que certas angustias que eu hoje tolero calado como um atendente do meu serviço de internet me explicando que o prazo máximo de espera de 24 que me deram para consertar meu serviço foi estendido em 4 horas). Mas uma angustia de uma forma boa, daquelas que você sente ao intensamente que não consegue negá-la e a transforma em uma experiência real de vida, com toda a proteção que uma ótima fábula pode conter. Na peça o menino passava por muitos encontros com diversos personagens que tentam desvencilha-lho de sua busca. Mas ele não desistia, nunca desistia, e tão obstinado quanto o Atreyu da História Sem Fim, continuava a procurar o eqüino azulado. Me lembro de em certa hora estar desesperado, tão envolvido pelas provações que o protagonista sofria e que de repente meu mundo caiu quando, depois de muitos outros encontros, o menino finalmente titubeia e quase se deixa vencer. Então uma coisa mágica aconteceu: Ao som de uma música, dois atores entraram no espetáculo, todos vestidos de branco, segurando cada um dois paus de madeira voltados para cima de suas cabeças, e em cima dos 4 paus , um tecido branco era manipulado pelos seus movimentos, tal qual a silhueta de um cavalo em pleno trote. Uma luz azul anil de algum canhão do teatro se projetava sobre eles, e mesmo antes do garoto anunciar, eu já sabia: era o Cavalinho Azul!

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Me lembro claramente de ficar muito perturbado com aquela que talvez fosse a minha primeira experiência estética com o teatro. Eu sabia que eram atores manipulando um pano, com uma luz e uma música artificiais, mas ao mesmo tempo… Eu acreditava piamente que ali estava o Cavalinho Azul. Eu podia senti-lo, cavalgando como um deus, como um Pégasus, Scadufax azulado ali, diante de mim. Como isso era possível? Como poderia isso ser real? Pior, eu não estava só pensando nisso, eu estava sentindo, fisicamente, tanto em mim, como nos meus colegas, na platéia em geral e nos atores, especialmente naqueles dois, que aquela era a realidade! Nós estávamos construindo-a, com nosso contrato social, nossa convenção no jogo cênico que só o teatro, só o teatro, s-ó-o-t-e-a-t-r-o realmente proporciona.

A partir dali nada foi mais o mesmo. Em especial meus encontros com o teatro foram muito especiais. Especialmente as peças infantis que o meu então primeiro professor de teatro e também primeiro diretor Demétrio Nicolau, que eu costumo chamar de meu pai teatral, que curiosamente era amigo do meu pai na época. Mas se o Demétrio era meu pai no teatro, a minha mãe, mesmo sem saber, foi a Maria Clara. Depois vieram tantos outros professores, diretores, amigos de oficio, exemplos…

Passei por muita coisa nessa jornada em busca daquilo que vivi. De experimentar e me doar aquele encontro como aqueles dois atores e todos os envolvidos naquela sandice se doaram para aquele momento. Quando tudo mais falhou, foi exatamente num projeto nacional de Jogo de Interpretação de Papéis (Role-Playing Game, o RPG) que fui me refugiar, e como o menino da peça, também titubeie e cheguei a desistir, às vezes estava procurando sem nem saber o que estava a procurar. Mas isso já tem muito tempo, e agora continuo, talvez como antes, talvez como nunca, a trilhar essa busca.

Essa semana quero assistir duas peças. E quero ver se escrevo aqui sobre elas. Quero, mas a vida é muito doida. Muito doida. Não queria firmar compromisso algum, por favor, que fique bem claro: quero escrever aqui dentro da minha possibilidade. Mais ainda, não sou jornalista, não sou sequer escritor, nem muito menos sou um teórico teatral. Nem ao menos tenho formação acadêmica completa no assunto ainda. Aliás, esse é meu foco nesse ano de 2009: terminar a faculdade de teatro. E a exemplo daqueles que convivi na infância e adolescência entre meus alfarrábios, Clarice, vovô, Fernando,Vinícius, papai, vovó, vô-drasto, não posso me considerar um escritor. Se a Clarice não se considerava, quem sou para fazê-lo? Não, seria um suicido premeditado. Mas está sendo muito bom pensar que posso usar desse espaço para falar desse amor, não para passar a mensagem do que sinto, mas para continuar sendo mensagem em carne, osso, suor e barulhos do meu teclado. Par mim, sentir não se comunica, não nessas palavras. Alias, não mesmo. No máximo são através delas, dessas palavras, que o leitor pode ter alguma dica do que me acontece agora, mas que, em um segundo, não é mais, já é outra coisa.

Acho que só consegui escrever isto sobre o que eu espero que sejam esses comentários em versão estendida (já falei, se quer algo sério ou mais inteligível, o leitor deve procurar outro lugar) por estar ainda ilhado. Não sei como o editor do Ambrosia vai receber esse texto. Não sei se era isso que ele esperava quando me pediu para escrever sobre teatro. Tanta coisa mais interessante rolando, a comemoração dos 20 anos de Sandman, a eminência do Oscar, os grandes eventos na Marvel e na DC, assuntos que o publico que consagrou esse espaço que muitos tentam rotular como de Nerd tão mais apropriados… Mas também, quem mandou eles me pedirem isso? Me sinto como Neil Gaiman disse sobre ele ter certeza que Sandman seria cancelado no numero 12 na entrevista ao gravada do Newsarama. Me sinto Nelson na estréia do Vestido de Noiva, me sinto como me senti na estréia da minha primeira e da minha ultima peça. Me sinto como me senti anteontem antes de gravar um teste de vídeo pra fazer o personagem coadjuvante do novo comercial de uma prestadora de serviços telefônica. Ainda bem que não era a minha, se eu passasse ia sabotar o comercial com toda certeza.

Ficamos assim então, eu mais perturbado, o leitor, espero, contente, mesmo que um tanto confuso, o editor de texto com corretor ortográfico me acusando de erros que não sei se cometi e a internet ainda fora do ar. Ou do cabo. Sei lá. Logo, logo, tem mais, assim espero.

Daniel Braga

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