Após os maus presságios pela passagem de um cometa, os habitantes de Cádiz, na Espanha, passam a ser governados pela Peste, que depõe um governo reacionário e institui um poder arbitrário por meio da ameaça de morte. Ela instaura o Estado de Sítio e cria um regime burocrático, esvaziado de sentido e dominado pelo medo. Uma cidade sitiada e uma população dividida. A vida dos cidadãos é submetida ao império da Peste e de sua Secretária, a Morte, de modo que o sofrimento e o desespero se tornam banais. No meio desse cenário desolador e aterrador haveria espaço para uma “revolta” estimulada pelo amor aos seres humanos e pela liberdade? Para se libertar da Peste será preciso resistir ao medo que se tem dela acreditando que, assim como a aparição do cometa, a situação instaurada é uma força histórica e passageira, e que o povo sempre detém o poder eterno.
Essa é história que nos conta a peça “Estado de Sítio”, do escritor, filósofo e dramaturgo argelino Albert Camus (1913-1960), com direção de Gabriel Villela, que estreia no Rio dia 04 de julho no Teatro SESC Ginástico.
No elenco, Elias Andreato, Claudio Fontana, Chico Carvalho, Rosana Stavis, Nábia Vilela, Leonardo Ventura, Pedro Inoue, Arthur Faustino, André Hendges, Rogério Romera, Jonatan Harold, Nathan Milléo Gualda e Zé Gui Bueno.
“Estado de Sítio”, escrita em 1948, se passa em uma pequena cidade litorânea, assolada pela peste e dominada pelo medo. Para Camus, o medo era o mal do século XX e, por isso, ele o utiliza como o fio condutor desta obra, que, para muitos críticos, é uma alegoria da ocupação, da ditadura e do totalitarismo.
Ao escrever “Estado de Sítio”, Albert Camus declarou que pretendia “atacar frontalmente um tipo de sociedade política que se organiza, à direita ou à esquerda, de modo totalitário. Esta peça toma o partido do indivíduo, da natureza humana naquilo que ela possui de mais nobre, o amor, enfim contra as abstrações e os terrores de um regime autoritário” (resposta de Camus ao crítico Gabriel Marcel de Les Nouvelles Littéraires, publicada na edição dos Essais de Camus, 1965).
A escolha de Cádiz (Espanha) como cenário de “Estado de Sítio” não é nada casual. Apesar da memória recente do nazismo e do fascismo na Europa, o regime fascista de Franco, extremamente violento, ainda sobreviveria na Espanha por quase quatro décadas (1938-1973), uma mácula na história de uma Europa que já começava a avançar na transição para a democracia liberal. Escolhendo Cádiz, uma cidade brutal e longamente ocupada, a pestilência ganha transparência no seu potencial alegórico e se tornam mais eficazes as alusões a torres de vigilância, campos de concentração, deportações, torturas e… atos de resistência. Se na peça é a coragem que triunfa sobre o mal, vale lembrar que Camus nunca foi um pacifista ingênuo – ele sabia que a resistência exigia sacrifícios, algumas vezes sobre-humanos.
Mesmo que o imenso sucesso de “O estrangeiro” (1942) já tivesse alçado o jovem argelino Albert Camus à consagração, não deixa de ser surpreendente que depois de tão poucos anos, logo após a publicação de “A peste”, em 1947, ele tenha sido cogitado para o Nobel de Literatura, pelo qual, aliás, ele só foi condecorado dez anos depois. “A peste” é um romance primoroso que aborda o flagelo do totalitarismo simbolizado por uma epidemia que se espalha em uma vila marítima. A semelhança com “Estado de Sítio” é tamanha que, apesar da insistente negativa de Camus, parece difícil não entender essa peça como uma adaptação do romance. Alguns papeis secundários teriam sido simplificados, o posicionamento face à Igreja se tornado mais duro, o sarcasmo potencializado na figura do personagem Nada (Chico Carvalho) e o autoritarismo ganhado um viés alegórico sobretudo com os personagens da Peste (Elias Andreato) e sua Secretária, a Morte (Claudio Fontana). Ainda assim, ambas obras têm a mesma dinâmica (a epidemia vem da periferia para o centro da cidade, sendo o mar a única escapatória possível), tratam-se de tragédias de separação – de Diego (Pedro Inoue) e Vitória (Nábia Vilela) – e o medo é o fio condutor de uma e de outra.
A ENCENAÇÃO
O totalitarismo infecta o organismo social de maneira insidiosa; os sintomas podem não ser facilmente identificáveis, mas os efeitos são implacáveis. Para colocar “Estado de Sítio” em cena, Gabriel Villela “parte do princípio de que a epidemia deveria ultrapassar a condição de alegoria – o que na atual conjuntura talvez reduzisse a poética de Camus a uma espécie de alerta político, correndo inclusive o risco de fazermos um espetáculo panfletário – para atingir a categoria mais ampla de símbolo”.
Segundo o premiado diretor, que recentemente nos brindou com os elogiados espetáculos “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues, e “Hoje é Dia de Rock”, de Zé Vicente, “a riqueza dramatúrgica de Camus não se limita a um contexto histórico específico nem a um campo político delimitado, mas é um mosaico de teatralidades que nos lembra que a liberdade exige esforço coletivo e contínuo”. Villela também assina os figurinos dessa montagem, trazendo dessa vez o preto como cor básica complementada com cores nos adereços de cabeça. A maquiagem de Claudinei Hidalgo também realça o caráter grotesco e não realista dos personagens. A música, mais uma vez, está muito presente na encenação de Villela. A direção musical é de Babaya Morais e Marco França. O espetáculo traz no coro trágico grego arranjos polifônicos de canções revolucionárias icônicas, como Fischia il Vento, o Hino da Resistência Francesa, músicas ciganas de Goran Bregovic e outras cantadas em ladino (língua falada por comunidades judaicas originárias da Península Ibérica).
J. C. Serroni, que assina a cenografia, questiona: “Que espaço poderia corporificar o medo, a submissão, a negligência e a omissão dos governantes diante de problemas reais que agonizam uma sociedade organizada de homens de bem? Como simbolizar a peste, um grande mal e uma punição que paira sobre a cidade”. E conclui: “Que o espetáculo possa discutir e trazer à reflexão todas as questões levantadas, mas que o cometa que hoje brilhar possa inverter a ordem das crenças. Que possamos atender uma vontade de Camus que chegou a dizer: ‘Perceber-se-á bem que Estado de Sítio se trata de uma peça de cólera, mas sobre essa questão terei uma coisa a acrescentar: cheguei a pensar chamar o espetáculo de O Amor de Viver’.”
Serviço
ESTREIA: dia 04 de julho (5ªf), às 20h (horário excepcional, somente para a estreia, aberta ao público)
LOCAL: Teatro Sesc Ginástico – Av. Graça Aranha, 187, Centro / RJ
Tel: (21) 2279-4027
HORÁRIOS: 5ª a sab 19h, dom 18h
INGRESSOS: R$30,00, R$15,00 (meia) e R$7,50 (associados Sesc)
BILHETERIA: 3ª a domingo das 13 às 20h
CAPACIDADE: 513 espectadores
DURAÇÃO: 90 minutos
GÊNERO: drama
CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA: 14 anos
TEMPORADA: até 28 de julho
Entrada solidária 50% de desconto mediante a doação de 1 kg de alimento não perecível, que será doado ao projeto Mesa Brasil.
FICHA TÉCNICA
Texto: Albert Camus
Tradução: Alcione Araújo e Pedro Hussak
Direção e Figurinos: Gabriel Villela
Elenco / Personagem:
Elias Andreato – A PESTE
Claudio Fontana – A MORTE
Chico Carvalho – O NADA
Rosana Stavis – MULHER DO JUIZ e BENZEDEIRA
Nábia Vilela – VITÓRIA
Leonardo Ventura – JUIZ, ALCAIDE e PESCADOR
Pedro Inoue – DIEGO
Arthur Faustino – GOVERNADOR e VELHA
André Hendges – PADRE
Rogério Romera – HOMEM DO POVO e CÉRBERO
Jonatan Harold – MÚSICO
Nathan Milléo Gualda – ASTRÓLOGO, COMETA e CÉRBERO
Zé Gui Bueno – ALCAIDE e CÉRBERO
Diretores Assistentes: Ivan Andrade e Daniel Mazzarolo
Cenografia: J. C. Serroni
Assistentes de Cenografia: Gabriela Rinaldi, Nathália Campos e Priscila Soares
Pintura de Arte e Adereços Cenográficos: Andréia Mariano, Ingrid Oliveira, Marcelo Machado, Naiana Leotti, Priscila Chagas e Tais Santiago
Maquinistas de Montagem: Alício Silva, Ingrid Oliveira, Marcelo Machado, Priscila Chagas e Wagner Almeida
Iluminação: Domingos Quintiliano
Operador de Iluminação: Cleber Eli
Direção Musical: Babaya Morais e Marco França
Preparação Vocal: Babaya Morais
Arranjos: Marco França
Assistente de Figurinos: Nour Koeder
Coordenação do Ateliê de Figurinos: José Rosa
Costureira: Zilda Peres
Maquiagem: Claudinei Hidalgo
Assistentes de Maquiagem: Patricia Barbosa e Luís Cambuzano
Fotografia: João Caldas Filho
Assistência de Fotografia: Andréia Machado
Diretor de Palco: Alexander Peixoto
Camareira: Ana Lucia Laurino
Coordenação Galpão de Ensaios: Mara Santiago
Produção Executiva: Augusto Vieira
Direção de Produção: Claudio Fontana
Realização: SESC Rio
Assessoria de Imprensa: JSPontes Comunicação – João Pontes e Stella Stephany
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