Viní Ventania e Vitória Jovem, performers que juntas compõe a dupla artística Irmãs Brasil, voltam ao país que levam no nome para temporada da performance autoral “Eunucos” no Rio de Janeiro. São dez apresentações gratuitas do projeto.
O Complexo da Maré e o Centro foram os primeiros locais que assistiram a performance que chega agora a Zona Oeste da capital carioca com única apresentação no dia 16 de junho no Espaço Citrus Ateliê às 17h. Antes da estreia, as Irmãs se apresentavam em Portugal com a Companhia de Teatro do Brasil na peça “Sem Palavras”.
“Eunucos” nasce em 2019 na primeira Escola Livre de Artes da Maré, a Elã. No projeto, Viní e Vitória passaram por ciclos de formação que convidaram as artistas a pensar em uma experiência estética a partir de sua própria história de vida. A experiência deveria ser capaz de comunicar ao mundo a identidade das irmãs, e o processo de transição que trilhavam juntas, bem como o caminho de seus corpos até ali, ofereceram as respostas para o exercício.
— A performance surge quando olhamos para a concretude de um corpo que, na época, estava em início de transição e buscando ferramentas para autoafirmação e pertencimento. Percebemos que esse era um corpo capaz de transformar em arte seus maiores medos, angústias, e toda a violência que vivenciou da infância até a vida adulta — contam as Irmãs.
O nome da performance faz referência a um versículo bíblico, encontrado no livro de Matheus, onde o autor descreve as variações de um eunuco — corpos que, de alguma forma, foram fisicamente castrados. Para as Irmãs, uma castração pode ir além da carne do corpo.
— A performance vem para constatar o quanto a sociedade é capaz de nos castrar de nós mesmas. Entendemos esse processo de castração para muito além do sexo em si. Vemos a castração dos nossos desejos, dos nossos sonhos, e do lugar onde nos imaginamos sendo quem realmente somos — explicam Viní e Vitória.
Durante a performance, as Irmãs Brasil manuseiam e encenam tecnologias de castração, desde bloqueadores de testosterona a gestos que emulam uma castração, mas castração essa “capaz de libertar o espírito”, como acreditam Viní e Vitória. No Brasil, “Eunucos” foi apresentada na 9ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo em março deste ano, e aterrissou em solo europeu para turnê na Suíça em 2023 nos festivais LES URBAINES, na cidade de Lausanne, e Festival Gessnerallee, em Zurique.
Agora, no Rio de Janeiro, “Eunucos” começou a circulação nos dias 1 e 2 de junho, no Centro de Artes da Maré, depois realizou sessões na Casa França-Brasil nos dias 7, 8 e 9 de junho. Agora chega à Campo Grande, Zona Oeste do Rio, no dia 16 de junho para sessão no espaço Citrus Ateliê às 17h. Ao todo, serão dez sessões do projeto. As datas restantes, que ainda serão anunciadas, incluirão também a região metropolitana do Rio. Todas as apresentações serão gratuitas.
— É necessário que esse portal possa ser acessado e celebrado. Estamos esperando há cinco anos para poder voltar ao Rio de Janeiro com essa performance — contam as Irmãs, que viabilizaram a volta pela lei de incentivo Paulo Gustavo.
Viní e Vitória acreditam que o acesso do público à peça é fundamental, especialmente por significar que outras pessoas trans e travestis poderão ver na arte uma nova possibilidade de vida e expressão de suas realidades.
— A expectativa para a temporada no Rio é a melhor possível. “Eunucos” é um processo que, enquanto estivermos vivas, queremos compartilhar. A performance não fala apenas das nossas próprias questões, mas de questões enraizadas na sociedade patriarcal e cisgênera em que vivemos. Essa performance é pelas nossas “traviarcas” ancestrais e pela próxima geração de pessoas trans que ainda nem nasceram nesse mundo — refletem Vitória e Víni.
Com apresentações na Europa e no Brasil, as Irmãs notam semelhanças entre os públicos, que demonstram diferentes níveis de aceitação e resistência. Para elas, a normalização do corpo travesti em espaços de arte é mais que necessária, seja em qual continente for.
— É necessário que a lógica da inclusão não gere uma lógica de exclusão, como ao sermos colocadas em nichos específicos ou classificadas como “as artistas trans”, ou “as artistas travestis”. É ideal que as pessoas consigam nos ver inseridas numa programação geral, como qualquer outro artista — observam as Irmãs.
Naturais de Amparo, no interior de São Paulo, Viní e Vitória são filhas de uma rainha de bateria e foram criadas por uma família de palhaços de rodeio. A arte sempre esteve presente na vida das irmãs, que a abraçaram, de fato, anos depois no Rio de Janeiro, onde também iniciaram seus processos de transição.
“Eunucos” também traz referências ao que pode ser entendido como o primeiro contato da dupla com o conceito de performance, ainda na infância. A trilha sonora da performance, supervisionada pela artista Andrômeda, reflete a realidade vivida e a fantasia imaginada pelas Irmãs.
— A trilha está diretamente ligada à memória afetiva que a performance carrega. Decidimos substituir, por exemplo, os três toques comuns do teatro por um berrante, som usado para reunir o rebanho e conduzir o rebanho ao curral. Também evocamos o canto das sereias míticas que seduzem, encantam, chamam, distorcem, brigam e se vingam do mundo. Os sons de “Eunucos” são ligados à sua materialidade selvagem — explicam.
Antes de voltar ao Rio, as irmãs se apresentaram em Portugal com a peça “Sem Palavras” da Companhia Brasileira de Teatro. A apresentação aconteceu no Festival Internacional de Teatro Fitei. Com “Sem Palavras”, ambas Viní e Vitória foram indicadas individualmente na categoria de Melhor Atriz no Prêmio Shell de Teatro em 2023. Essa foi a primeira vez, em 33 anos da premiação, em que artistas travestis concorreram na categoria. O marco não passa despercebido pelas Irmãs.
— Fazemos arte no país que mais mata pessoas trans no mundo. Isso precisa ser entendido, e além de abrir espaços, é necessário que pensem na nossa permanência — reconhecem.
A circulação da performance “Eunucos” tem realização do Governo Federal, Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através da Lei Paulo Gustavo – Edital Giros RJ.
Serviço
Espaço Citrus Ateliê
Endereço: Rua Guaraciaba, 733 – Campo Grande, Rio de Janeiro
Data: 16/06
Horário: 17h
Ingressos: Entrada gratuita
Classificação Indicativa: 18 anos
Duração: 40 minutos
Ficha técnica
Concepção, criação, performance e trilha sonora: Irmãs Brasil
Operação de Trilha Sonora: Andrômeda
Visagismos: Hair Deluxe
Produtoras: Andrômeda e Priscila Manfredini
Coordenação de Produção: Rafael Fernandes
Consultoria de Acessibilidade: Larissa Ferreira
Cenotécnica: Raquel Martins
Programação Visual: Charles Pereira
Assessoria de Imprensa: MercadoCom (Ribamar Filho e Gabriel Folena)
Cobertura Audiovisual: Luis Guilherme Guerreiro
Cobertura Fotográfica: Charles Pereira
Realização: Quafá Produções