“Olhos Que Condenam” e o abismo entre o olhar institucional e social

O nome original de Olhos Que Condenam, a agora produção mais vista da história da Netflix, When They See Us (Quando Eles Nos Olham, em tradução literal) dá a dimensão dramática certeira que a história real dos cinco jovens negros do Harlem que foram inacreditavelmente acusados sem provas de estuprar uma mulher branca no Central Park.

Dirigida, produzida e roteirizada por Ava DeVernay, a mesma que foi indicada ao Oscar pelo tocante (e também revoltante) Selma, a série acompanha toda via crúcis desse inacreditável processo que se transformou num espetáculo da opinião pública, que só expunha o quanto o racismo não só é estrutural como institucionalizado na América, onde Trump daquela época e de hoje, como presidente, ainda mantém a mesma acusação gratuita a respeito dos rapazes e da situação.

Os episódios abrangem os fatos por perspectivas distintas desde a noite do ocorrido até o que acontece após a confirmação da inocência. Ava aborda tudo pelo ponto de vista deles, o que é mais do que justificável diante do absurdo do caso.

A reverberação disso em suas famílias e no mundo que os recebe quando são soltos anos depois, potencializa o valor documental da obra, nunca espetacularizado pela direção certeira de Ava que, por mais que foque no lado das vítimas – o que como documento histórico não faria o menor sentido ser o contrário – rebate o circo midiático que claramente tomou partido arbitrário sob a chancela da promotora Linda Faistein (Felicity Huffman), que se revelou um tanto questionável.

A montagem e a fotografia (de Bradford Young) são pensados para dar a sensação de claustrofobia que esses jovem são submetidos pela máquina pública e social do país que lhe vira as costas. Ava maneja seu excepcional elenco com sensibilidade e dureza, especialmente com o ator Jharrel Jerome, cuja trajetória pode representar a extrema desolação de todo o grupo diante de um país em quando “eles não os olhavam”. Pois Ava fez um serviço de utilidade pública com sua minissérie. Resta saber até que ponto uma América que votou em Trumps e Bolsonaros vai saber enxergar sua auto-crítica.

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