Primeiras impressões sobre “IndependênciaS”, minissérie da TV Cultura

Pense na quantidade de produções audiovisuais já feitas em Hollywood sobre a Guerra de Secessão ou a participação dos EUA na Segunda Guerra Mundial. Com certeza, em ambos os casos, os números devem chegar aos milhares. Usar a história como inspiração para o cinema e a TV é algo comum por lá. Menos comum é esse movimento no Brasil, mas sempre que foi feito, gerou bons resultados. Tomemos como exemplo o filme Carlota Joaquina, de Carla Camurati, feito em 1995 e considerado o ponto de partida da retomada do cinema brasileiro. Não havia dúvidas de que o bicentenário da independência, comemorado neste ano de 2022, daria gás para produções sobre o tema, e aqui se destaca a originalíssima minissérie IndependênciaS, incomum produção audiovisual da TV Cultura.

O plural no nome se justifica, conforme a apresentação feita pela jornalista Adriana Couto antes da exibição do primeiro episódio em sete de setembro, porque é uma minissérie sobre o Brasil plural. Embora estejam presentes, os portugueses não são o foco da minissérie, quem ganha destaque são os negros escravizados e os índios subjugados. Não é a velha sucessão de fatos que nos ensinam na escola, mas uma releitura crítica da história.

Quando falamos em releitura crítica, muitos podem confundir com revisionismo. Este é abominável em todas as suas formas, pois muitas vezes trata-se de manipulação para que os fatos revisitados sirvam para ancorar novos discursos ou velhas doutrinas como o fascismo, este velho conhecido que ganhou roupagem nova no século XXI. A releitura histórica, por outro lado, se faz pensando nos que foram silenciados pelo discurso hegemônico passado de geração em geração. A releitura não nega o fato, mas dá voz aos marginalizados, às testemunhas oculares silenciosas. Em IndependênciaS vemos a releitura quando se dá destaque, por exemplo, para a mulher negra entoando seus cânticos sagrados ao mesmo tempo em que D. Maria, a Louca, reza seu terço e se delicia com o vinho.

IndependênciaS tem forte linguagem teatral, e ao mesmo tempo apresenta técnicas impossíveis no teatro, como o uso do close-up extremo, com a câmera bem perto do rosto dos atores. A tela em formato quadrado por vezes se torna um díptico ou tríptico, ganhando várias camadas que moldam nossa leitura da cena e ajudam a construir a crítica pretendida – por exemplo, ao apresentar em uma das telinhas a chegada com pompa e circunstância da família real e nas outras telinhas imagens de negros escravizados que viam tudo sem entender nada.

Essa teatralidade causa um estranhamento inicial e pode afastar alguns espectadores. Ela também é ponto negativo caso algum professor deseje passar parte da minissérie – serão 16 horas de projeção no total – para seus alunos, que podem receber a atividade escolar com desdém e enfado, ficando assim ainda mais afastados do cada vez mais necessário estudo da história. Para cumprir o quesito “usar como material escolar” existem muitas outras produções audiovisuais interessantes, como a série da Fundação Joaquim Nabuco feita em comemoração aos 500 anos do descobrimento, na qual a história do país é contada através de marionetes.

IndependênciaS é dirigida por Luiz Fernando Carvalho, e percebe-se. Carvalho é o mesmo criativo que assinou projetos de imenso lirismo como as minisséries Hoje é Dia de Maria, A Pedra do Reino e Capitu e as novelas Meu Pedacinho de Chão e Velho Chico. Recém-chegado à TV Cultura, Carvalho diz, sobre o projeto, em alusão à famosa representação pictórica da independência, pintada por Pedro Américo às vésperas da Proclamação da República: “Não estamos vandalizando nada materialmente, mas simbolicamente. Novos tempos exigem um novo quadro, equânime e plural, mas que já está sendo pintado pela própria sociedade brasileira”.

IndependênciaS começa onde por convenção se inicia a história da independência do Brasil: com a chegada da família real portuguesa em 1808. No papel de D. João VI está Antonio Fagundes, no de Carlota Joaquina, Ilana Kaplan – e esse é só o começo de um elenco pra lá de especial. Com algumas sequências faladas em línguas africanas e indígenas, a minissérie literalmente dá voz aos esquecidos no processo histórico. Não é uma produção para todos, mas faz todos que a assistem refletir sobre a pluralidade do nosso país.

IndependênciaS será exibida às quartas-feiras às 22h, com reprise aos domingos às 22:30.

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