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"12 Anos de Escravidão": um retrato duro do passado que dialoga com o presente

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Quando um filme termina, ainda mais numa sala de cinema muito cheia, é normal que assim que o “The End” aparece, já comecem a sair espectadores. No entanto, ao final de “12 Anos de Escravidão“, demorou alguns bons minutos até que saíssemos de nossa posição letárgica e voltássemos às nossas realidades. Mas não sem antes aliar perplexidade e uma indigesta sensação de que a humanidade na qual somos inseridos, foi moldada pela contrariedade da desumanidade. E a escravidão é uma forma um tanto objetiva de apontar isso em nossa cara.
Terceiro filme de um dos cineastas mais interessantes da nova safra, o britânico Steve McQueen, “12 Anos de Escravidão” conta a história real de Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor, num acepção bem particular de seu personagem). Ambientado antes da Guerra Civil dos Estados Unidos, a narrativa fala de Solomon, um homem negro e livre do norte de Nova York que é raptado e vendido como escravo. A partir desse fato, sua vida entra em declínio e passa a viver os revezes dramáticos da subserviência campal. Tentando se manter o mais racional possível, o protagonista procura a sobrevivência diária em busca de sua liberdade tirada.
McQueen usa a propriedade de ser negro (sendo apenas o terceiro diretor afro-descendente a ser indicado ao Oscar e o primeiro com chances quase absolutas de ganhar com um filme) para mostrar sua história com o realismo que ela pede. Há um sadismo em sua câmera, mas é legítimo, princialmente por trazer ao tema a urgência do fato que segue dizendo muito sobre a sociedade atual. Michael Fassbender (pela terceira vez trabalhando com o diretor e, mais uma vez, fazendo dessa parceria o seu melhor papel) representa a insanidade dessa lamentável perspectiva, mas é o retrato das esposas dos senhores de escravo (até as negras) que mais incomodam na reiteração de como a sociedade se colocava em condescendência com a comodidade que aquelas atrocidades traziam.
Há um plano sequência em que Ejiofor, Fassbender e a ótima Lupita Nyong’o são magistralmente conduzidos por McQueen – que dá a medida do quão profundo e visceral ele quer ser para tornar o extremo um aspecto assimilável entre opressor, oprimido e nós. McQueen consegue, com seu filme, trazer reflexão, revolta e identificação. Transfere a impiedade de opressor para a amostragem de seu expectador, estabelecendo seu discurso pela jugular. “12 Anos de Escravidão” já nasce como um dos melhores e mais incisivos filmes sobre a escravidão. Muito por subverter a ideia de vitimização do colonizado para apontar o realismo do fato. Aquelas chicotadas foram sentidas pela minha consciência do preço pago até hoje pela ideia de étnica de dignidade social. Por isso, tanto quando O Rappa canta que “todo camburão tem um pouco de navio negreiro“, quanto o filme exacerba as vísceras de uma chicotada no tronco, o efeito direto é o mesmo: a escravidão do passado deixou cicatrizes tão expostas que a sociedade ainda precisa se chocar para absorver seus reflexos na atualidade. “12 Anos de Escravidão” é um documento de utilidade pública – como cinema e como discurso. Resta saber até que ponto seus efeitos se restringirão apenas a lapsos artísticos. Corram para assistir, assimilem e, mais do que tudo, reflitam sobre como o cinema pode ser uma incômoda radiografia de seu meio. Se duvidar, estou até agora sentado naquela sala de cinema…

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