A idéia era criar uma história simples que comportasse o maior número de canções do catálogo da MGM composto por Nacio Herb Brown e Arthur Freed. A dupla fora responsável pela maioria dos musiciais da década de 1930, e como muitas canções eram famosas, a homenagem simples parecia uma idéia divertida. Veio a sinopse, com uma sátira da Hollywood dos anos 20 e a transição do cinema mudo para a era do som. Ninguém esperava que ao fim do projeto tivesse nascido um dos filmes mais amados do mundo, até hoje considerado o maior ícone do gênero. Ninguém esperava por Cantando na Chuva!
Arthur Freed era um pianista de Chicago que se apresentava como cantor com os irmãos Marx, para quem também escrevia músicas. A vocação chamou a atenção da MGM, onde ele conheceu o parceiro Nacio Herb Brown, que colaborou com ele em muitos dos filmes que deram fama ao estúdio. Era o auge da era dos músicais, logo depois da chegada do som ao cinema, e diversos filmes exploravam números de dança e música praticamente copiados da Broadway.
Em 1939, depois de um papel não-creditado de produtor associado em O Mágico de Oz, Freed foi promovido a chefe de departamento. Ele assumiu o lado teatral do gênero, e contratou diversos atores, bailarinos e cantores da Broadway, dando a eles uma liberdade sem precedentes na Hollywood da Golden Age. Com um fascinante catálogo de músicas à disposição (algumas que fizeram grande sucesso no rádio também), veio a idéia de juntar as mais marcantes num único filme, uma espécie de “greatest hits” do gênero.
A tarefa foi designada aos roteiristas Betty Comden e Adolph Green, que não queriam as músicas conhecidas em números musicais elaborados, como tinham sido apresentadas antes. O conceito era fazer números simples, realistas, centrados nos protagonistas. O pano de fundo seria a transição do cinema mudo para o falado e a crise que acabou criando o gênero musical. Chegava a hora de cantar na chuva…
A história
Década de 20. Don Lockwood, ex-bailarino e dublê, e Lina Lamont são os grandes astros da Monumental Pictures, estúdio que vende seu relacionamento como instrumento de propaganda para as revistas de fofoca, alimentando os sonhos de milhares de fãs, dia após dia.
Mas, como sempre, nem tudo é o que parece, e Don simplesmente não suporta Lina, com sua burrice (ela realmente acredita que eles são apaixonados, apesar dos protestos de Don), voz esganiçada e esnobismo. Num dia, fugindo das fãs exaltadas, Don aterrisa no carro de Kathy Selden, que não lhe nega a carona, mas aproveita para rir de seus filmes ridículos, já que é uma respeitável atriz de teatro.
Don chega a festa na casa do dono do estúdio, e é um dos convidados a se impressionar com a exibição de uma nova tecnologia: um filme com áudio! As estrelas no lugar resistem à novidade, mas a noite de Don termina mais divertida, já que Kathy sai de dentro do bolo da festa, se apresentando com outra garotas num número constrangedor. No fim das contas, a respeitável atriz shakespeariana não era mais do que uma corista, e a alegria de Don só ficou maior quando o bolo mirado nele pela moça acertou Lina.
Dias depois, eles se reencontram quando Kathy está fazendo uma ponta em um filme da Monumental. Ela admite que adora cinema e que sempre admirou Don, e os dois se apaixonam.
O sucesso alcançado por um outro estúdio com um filme falado faz com que o dono da Monumental resolva transformar o novo filme de Don e Lina em musical. Além dos problemas técnicos de adaptação à nova tecnologia, a voz horrorosa de Lina, especialmente cantando, é certeza de fracasso. Kathy é a solução, e todas as falas e canções da estrela são dubladas pela moça.
Tudo ia bem, até que Lina descobre a verdade e ameaça processar o estúdio, exigindo que Kathy ficasse eternamente obrigada a emprestar sua bela voz para ela. Quando o filme estréia (com grande sucesso), a platéia exige que Lina cante, e Kathy se sente humilhada quando Don manda que ela tome seu lugar, atrás da estrela. No meio do número, a cortina sobe e a audiência vai ao delírio ao perceber a tramóia. Don apresenta Kathy como a verdadeira estrela do filme, Lina está arruinada, e os apaixonados podem começar sua própria carreira como astros do cinema musical…
Sucesso
Co-dirigido pelo astro Gene Kelly (e seu amigo Stanley Donen), Cantando na Chuva estreou em Março de 1952. O sucesso foi grande, mas o status de ícone veio com o passar dos anos, à medida que críticos e cinéfilos exaltavam suas qualidades.
Kelly estava no auge na época, logo após o sucesso de Sinfonia em Paris (1951). Ele era tão significativo para os musicais quanto Fred Astaire, mas além de mais bonito, era mais popular, já que dançava com roupas comuns em histórias cotidianas, ao invés de usando fraque e cartola. Gene foi responsável pelas coreografias do filme, incluíndo a inesquecível cena sob a chuva, que levou três dias para ser gravada, apesar do mito de que foi feita com uma tomada. Uma das mais famosas curiosidades do filme é que a água usada na sequência tinha leite misturado à ela, para fazer com que o líquido fosse mais visível sob as luzes do estúdio.
A mocinha Debbie Reynolds, então com menos de 20 anos, não era uma dançarina, mas fez o possível para acompanhar Gene (ela dançou até seus pés sangrarem na sequência de “Good Morning”), e o sucesso do filme fez dela uma estrela. Até hoje (por sinal, seu aniversário), ela está na ativa, participando de filmes e seriados (ela era a mãe de Grace em “Will & Grace”), e tem lugar garantido na cultura pop, já que é a mãe de Carrie Fisher, a Princesa Léia de Star Wars.
O interessante é que Reynolds não era cantora, então sua voz foi dublada em algumas das canções do filme, numa ironia estranha com a sinopse do mesmo.
O filme foi indicado ao oscar de melhor trilha sonora original, embora não tenha ganho, mas a aclamação veio depois, quando o congresso americano o declarou de relevância estética, histórica e cultural.
Agora, quase 60 anos após sua estréia, o que ficou foi justamente o lado icônico. Os anos 2000 viram um resgate do gênero, com filmes como Moulin Rouge e Chicago alcançando enorme sucesso, mas para sempre o mais musical de todos os tempos será essa despretenciosa história romântica de 1952. Talvez por que, pelo menos uma vez na vida, todo mundo já se sentiu tão feliz a ponto de sair dançando e cantando na chuva…
Todas as pessoas do mundo deviam assistir esse filme. Nem que fosse uma vez. É perfeito, o melhor do gênero.