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“Mãe Só Há Uma” reforça o grande talento de Anna Muylaert

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Depois do grande sucesso de crítica de “Que Horas Ela Volta?”, que ganhou o prêmio de Melhor Atriz dividido entre as protagonistas Regina Casé e Camila Márdila no Festival de Sundance de 2015, além de ter sido selecionado para o Festival de Berlim e escolhido para representar o Brasil para conquistar uma vaga entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro do ano passado (o que, infelizmente, não aconteceu), a diretora Anna Muylaert lançou, num curto intervalo entre um filme e outro, mais uma obra pungente, antenada com questões atuais, ao mesmo tempo em que volta a tratar de um tema recorrente em sua filmografia, que é as relações entre pais e filhos.

“Mãe Só Há Uma” (Idem, 2016) mostra que Muylaert é uma das melhores cineastas brasileiras em atividade, graças a seu ótimo trabalho de cinematografia e direção de atores, que se preocupa em fazer o público pensar e se envolver com o que quer discutir na telona.

O filme acompanha a história de Pierre (Naomi Nero), um jovem de 17 anos, que mora na periferia de São Paulo com a mãe, Aracy (Dani Nefussi) e a irmã, Jaqueline (Lais Dias), e tem uma vida comum de um adolescente, com festas, namoros, escola e uma banda de rock. Mas um dia, ele descobre que, na verdade, foi sequestrado na maternidade por Aracy, que acaba sendo presa, e que seu nome verdadeiro é Felipe.

Pierre tem que, então, conviver com seus pais biológicos, Matheus (Matheus Nachtergaele) e Glória (também Nefussi), e o irmão mais novo, Joaquim (Daniel Botelho), que convivem numa realidade bem diferente da que ele estava acostumado. As mudanças em sua vida acontecem justamente no momento em que o rapaz está lidando com questões relativas à sua sexualidade, que podem causar um grande impacto em sua nova família.

Inspirado no caso do menino Pedrinho, que aconteceu em Brasília em 2002 e até foi tema da novela “Senhora do Destino” (2004), “Mãe Só Há Uma” discute, de forma tocante, como é difícil e complicado o processo de criar uma identidade própria nos dias de hoje, onde diversos fatores sociais e familiares tentam impor o que a pessoa deve ser.

O roteiro, também escrito por Muylaert, trabalha bem os conflitos que Pierre/Felipe vive ao ter que lidar com sua nova família, que procura se adequar a um contexto que também não estava totalmente preparada com a sua chegada. A diretora aproveita para que o público possa refletir sobre a questão de gêneros, tão em voga atualmente, mas sem maiores esclarecimentos gerais, através de uma cena ambientada na escola de Joaquim, que não tem diálogos, mas as imagens dizem tudo.

Outro aspecto bastante positivo do filme está na maneira que Muylaert filma a trama, com enquadramentos mais fechados e com a câmera em constante movimento, dando um sinal de que algo está desconfortante para os personagens desde o início, embora não saibam exatamente o que. Vale destacar que, ao contrário de muitos diretores acomodados, ela fez questão de diferenciar, esteticamente falando, um trabalho do outro. A forma encontrada para filmar “Mãe Só Há Uma” é totalmente diversa da apresentada em “Que Horas Ela Volta?”, com uma fotografia mais escura e suja, mas ainda assim sensacional e oportuna para o tema abordado. 

Além da parte técnica, Muylaert também acerta na escolha de seu elenco, absolutamente fantástico. O novato Noemi Nero, sobrinho do ator Alexandre Nero, mostra muita segurança e muito carisma para interpretar um personagem tão complexo quanto Pierre/Felipe. O filme perderia parte do impacto certamente se ele não tivesse uma boa atuação. Matheus Nachtergaele entrega mais uma vez uma ótima performance como o pai que se emociona ao encontrar o filho desaparecido, especialmente na cena em que janta com o jovem pela primeira vez, mas que acaba não se entendendo com ele por causa de suas imposições, que alguns podem até considerar machistas. O garoto Daniel Botelho se sai bem por não parecer um daqueles atores mirins cujos movimentos são artificiais de tão ensaiados e torna seu personagem crível, com comportamentos típicos de jovens da sua idade. Luciana Paes, que já tinha se destacado em “Sinfonia da Necrópole”, faz uma boa participação especial como Yara, tia de Pierre, que tenta cuidar dele quando a cunhada vai presa.

Porém, o grande destaque do elenco é Dani Nefussi, que supera com louvor o desafio de fazer Glória e Aracy, as duas mães do protagonista. Com expressões corporais e tons de voz totalmente diversos, a atriz consegue a proeza de criar duas personagens tão distintas que o espectador mais desatento nem vai perceber que é a mesma pessoa. Um atuação sensacional, digna de ser lembrada em várias premiações de cinema, sejam nacionais ou internacionais.

Se há algo para dizer contra o filme está no seu desfecho. Como a história é absolutamente envolvente, dá vontade de ver um pouco mais quando as luzes do cinema se acendem. Mas, mesmo assim, o seu final é muito bom e faz pensar bastante nas questões apresentadas em seus 82 minutos de duração.

“Mãe Só Há Uma” surge como um dos melhores e mais marcantes filmes brasileiros do ano, que deve tornar o nome de Anna Muylaert ainda mais popular e criar muita expectativa para suas próximas produções, cada vez mais necessárias para o cinema nacional.

Filme: Mãe Só Há Uma
Direção: Anna Muylaert
Elenco: Naomi Nero, Dani Nefussi, Lais Dias
Gênero: Drama
País: Brasil
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Vitrine Filmes
Duração: 1h 22min
Classificação: 16 anos

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