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Renato Russo – A memória do Trovador

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Renato Manfredini Jr. parecia pressentir que o futuro lhe reservava algo de grandes dimensões. Não à toa, quando adolescente, o futuro Renato Russo criava histórias nas quais era um grande astro do rock internacional. Até entrevistas imaginárias ele dava em seus devaneios. Algumas dessas até foram registradas em um caderno. Tratava-se de uma entrevista que o rock star concedera para uma revista internacional.

Na adolescência, Júnior sofreu um sério acidente de bicicleta. O tombo foi em consequência da epifisiólise, uma doença óssea congênita que acometia o garoto. Depois da cirurgia, ele precisou ficar de cama, em recuperação. É neste período que Renato aprofunda sua formação, afinal de contas, preso dentro de casa, precisava passar o tempo de alguma forma, e isso se dei com muita leitura e música. Renato tinha todo um vasto repertório de conhecimento musical, desde o erudito até o rock n’ roll.

Influenciado pelo punk rock, que o tomou de assalto na adolescência em Brasília, resolveu formar uma banda, o Aborto Elétrico. Ali sua veia crítica e seu talento de compositor já se mostravam evidentes com músicas como ‘Que País É Esse’, atual até os dias de hoje. Por mais lugar comum que essa observação seja, ela é inevitável. Era o período em que o país tinha uma ditadura arrefecendo (mas ainda onipresente), mas dialoga com o momento atual em que existe uma ditadura escamoteada aos poucos ganhando força.

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Se tivesse seguido adiante com seu projeto solo Trovador Solitário seria muito bem sucedido. Mas o sonho dele era ser vocalista de uma banda, e não artista solo. Era algo bastante específico. Daí surgiu a Legião Urbana, que no final das contas ERA o Renato. Os outros componentes cresceram como músicos e compositores justamente sob a batuta do líder. E esse crescimento também se deu em relação a Renato, claro. Seu talento ia se aprimorando disco a disco, chegando ao ápice em “As Quatro Estações”, o melhor disco da banda, que também foi seu maior sucesso comercial.

Se Renato Russo não se tornou o rock star internacional que sonhara na adolescência, foi uma dos maiores ícones não só do rock brasileiro, mas da música produzida aqui. Os shows ao vivo são um capítulo à parte. Eram sempre memoráveis, por motivos bons ou ruins, como a caótica apresentação no Mané Garrincha em 1988. Pode-se dizer que aquele foi o “Altamont brasileiro”, com baderna, violência policial e centenas de feridos. No palco, o genuinamente tímido Jr. possuía o magnetismo característico dos maiores frontmen do rock (sem heresia, ele pode configurar no mesmo hall que Jim Morrison, Mick Jagger, Freddie Mercury e Morrissey) além de vir envolto em uma aura messiânica que só reforçava o mito.

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Havia também o lado negro do rock star, que ficou bastante evidente no período em que se descobriu HIV positivo. Ali por volta de 1991, 1992, abusou das drogas e não raro se envolvia em quebra-quebra na madrugada do Rio, inclusive apanhando de seguranças de estabelecimentos. Como sua doença só veio à público no dia de sua morte, na época o comportamento fora atribuído (inclusive pelo próprio em entrevista) a uma psicose maníaco-depressiva.

A Legião conta com fãs ardorosos até hoje, que não se restringem aos que viveram a época do auge do conjunto. Eles vão se renovando, como acontece com Ramones, Nirvana e Pearl Jam. Enquanto existir adolescente existirá Legião Urbana. E isso não se dá por terem letras de temática pueril, como alguns detratores sustentam. Mas sim porque a mensagem das letras de Renato mergulham no âmago da existência humana, que toca automaticamente em quem está passando pela fase na qual, justamente, está aprendendo o significado dela.

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É irresistível imaginar o que Renato estaria fazendo hoje, se estivesse vivo. O que diria sobre a situação do país? Ainda usaria a música como ferramenta de expressão? Ele costumava dizer que seu projeto de vida era ter uma banda de rock até os 40, ser cineasta até os 60, e a partir daí se tornaria escritor. Assim sendo, se vivo estivesse, hoje estaríamos falando do cineasta e ex-vocalista da Legião Urbana (dificilmente ele toparia uma reunião oportunista) Renato Manfredini. Mas quis o destino que ele só concluísse a primeira parte de seu plano, e ficasse imortalizado como o brilhante compositor e vocalista da maior banda de rock que o Brasil já teve. Vinte anos após sua morte, sua poesia contundente está mais relevante do que nunca.

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