Rolling Stones ministram mais uma aula de rock em noite inspirada no Rio

Sábado de clássico no Maracanã. E não se tratava de mais um Fla Flu ou Vasco e Botafogo. O estádio Jornalista Mário Filho (nome de batismo do gigante carioca) abrigaria pela segunda vez em sua História um show dos Rolling Stones. Foi o pontapé inicial (as referências futebolísticas em um show realizado em estádio de futebol são irresistíveis) da etapa brasileira da turnê Olé”. Trata-se, na verdade, da perna latina americana da turnê que se iniciou em dezembro de 2012, como comemoração do cinqüentenário da banda, e que já percorreu toda a América do Norte, Europa (houve shows em festivais como Glastonbury e Rock In Rio Lisboa) e Oceania.

A última vez que Mick Jagger (vocal e guitarra), Keith Richards (guitarra e violão), Charlie Watts (bateria) e Ron Wood (guitarra) estiveram no Brasil foi naquele já histórico show na praia de Copacabana para 1 milhão e meio de pessoas em fevereiro de 2006. Na ocasião, o megaevento parecia uma despedida. Ledo engano. As pedras continuam rolando sem criar limo e desafiando o tempo. Jagger lembrou os dez anos daquela noite e perguntou: “quem foi?” O show de ontem obviamente não teve os mesmos números astronômicos de público, foram 66 mil pessoas, mas com uma acústica mais apropriada, verdadeiros fãs em frente ao palco (só “VIPs” podiam ficar mais pertinho no show de 2006, lembram?) e sem o peso dos superlativos, os Rolling Stones fizeram um show ainda melhor dessa vez.

A noite começou com o dia ainda claro, às 18 horas, meia hora antes do previsto, com a banda paulista Doctor Phaebes aquecendo as turbinas. Às 19h30 subiu ao palco a atração de abertura, o Ultraje a Rigor debaixo de uma forte chuva que esvaziou a pista Premium, já que muitos que ali estavam correram para a parte coberta que dava acesso à área. A banda paulista dos anos 80, liderada por Roger, cumpriu tabela com seus hits ‘Ciúme’, ‘Inútil’, ‘Nós Vamos Invadir Sua Praia’, ‘Marylou’, ‘Pelado’, e ‘Nada a Declarar’ e entreteve quem encarou a chuva com ou sem capa. Daí era esperar pela atração principal, que viria com atraso de 21 minutos por problemas técnicos no telão à direita causados pela chuva.

Problema resolvido, às 21h51 era exibido no telão um vídeo que se iniciava com o mapa da América Latina e, em seguida, várias referências à trajetória da banda (capas de discos, clipes, músicas) e eis que os quatro adentram o palco com o icônico riff do clássico ‘Start Me Up’. Em seguida, mais clássicos: ‘It’s Only Rock n’ Roll’ e ‘Tumbling Dice’ a primeira, do disco homônimo e a segunda, do clássico “Exile On Main Street”. Um recuo dos cavalos de batalha para a execução de ‘Out Of Control’, do disco “Bridges To Babylon” de 1998. O público pôde escolher uma música através de votação no site oficial da turnê. Venceu ‘Like a Rolling Stone’, clássico de Bob Dylan que ganhou cover dos ingleses em 1995 no disco ao vivo eletroacústico “Stripped”.As outras opções eram ‘All Down the Line’, ‘Live With Me’ e ‘Shattered’ .

stonesbr3‘Doom and Gloom’ foi a única das duas composições recentes, que foram lançadas na coletânea “Grrr!”. Em seguida, a clássica balada ‘Angie’, que foi a deixa para os celulares acesos formarem uma imensa constelação no estádio. O petardo ‘Paint It Black’ (nunca tocada por aqui), do álbum Aftermath de 1966 veio com Ron Wood empunhando uma guitarra em forma de cítara em alusão ao instrumento originalmente usado por Brian Jones (guitarrista morto em 1969) na gravação da música.

Após mais um clássico absoluto ‘Honky Tonk Women’ veio a apresentação da banda. Entre os músicos de apoio duas substituições chamaram atenção: uma foi o saxofonista Karl Denson entrou no lugar deixado pelo veterano Bobby Keys, que acompanhava os Stones desde 1971 e faleceu em dezembro de 2014. A outra foi a backing vocal Sasha Allen, no posto que foi ocupado por Lisa Fisher durante 20 anos.

Conhecida pela participação na quarta temporada do The Voice norte-americano em 2013, é competente, mas sua performance em músicas nas quais os holofotes caem sobre si, como ‘Gimme Shelter’, não apresenta a imponência da antecessora. Fisher se ausentou devido a compromissos oriundos do sucesso de “A Um Passo do Estrelato”, documentário sobre backing vocals vencedor do Oscar da categoria em 2014.

Dos quatro Stones, Keith Richards foi o que recebeu mais aplausos e gritos de “Keef! Keef! Keef!”como em todas as apresentações pelo mundo. Isso se deve ao status de lenda e ícone pop que adquiriu junto aos jovens, devido a seu estilo “chutação de balde” de vida. É o tradicional set de duas músicas com o guitarrista à frente no meio do show em que Jagger vai dar uma descansadinha providencial, agora mais providencial do que nunca, pois não deve ser fácil aos 72 anos correr e pular durante duas horas. As músicas compostas e executadas por Richards figuram entre as mais interessantes da banda. As da noite foram ‘You Got The Silver’ do álbum “Let It Bleed”, de 1969 e ‘Before They Make Me Run’ do disco “Some Girls”, de 1978.

stonesbr2Na volta de Jagger aos vocais, a banda ataca com o blues épico ‘Midnight Rambler’. A partir daí, com a partida ganha por goleada, os Stones jogam para a plateia (mais referências futebolísticas, mas repito, é irresistível): se sucedem ‘Miss You’, ‘Gimme Shelter’, ‘Brown Sugar’, ‘Sympathy For The Devil’ e ‘Jumping Jack Flash’. Na volta para o bis, ‘You Can’t Always Get What You Want’, com participação do coral da PUC RJ. Mas faltava uma, certo? A mais esperada que é sempre deixada para o final. O hino‘Satisfaction’ encerrou as duas horas e vinte de rock n’ roll da melhor qualidade incendiando o público.

O que se viu no Maracanã na noite do último sábado foi a maior banda de rock do mundo defendendo o título, mesmo sabendo que não tem adversários à altura na cena atual. Mick Jagger, com carisma insofismável, domínio de cena e um inexplicável fôlego de garoto, aos 72 anos, para correr e chacoalhar por um palco enorme, é o maior entertainer do pop ainda vivo. Talvez só Paul McCartney se iguale a ele. Bem humorado, fez brincadeiras em português, falando do calor (“caralho, que calor!”) e zoando o baterista: “eu não saí no Rio, mas o Charlie ontem tava na quadra da Mangueira e agora vai vender caipirinhas na lapa”.  Keith Richards com Ron Wood formando uma dinâmica de vasos comunicantes com suas guitarras e Charlie Watts com suas marcações jazzísticas precisas azeitam a química infalível. Após à apresentção épica fica a pergunta que sempre paira ao fim de um concerto dos Stones: até quando eles desafiarão o tempo?

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