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Azzarello reconstrói a divindade da Mulher-Maravilha

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Quando a DC Comics anunciou a equipe criativa para o relançamento do título Wonder Woman (Mulher-Maravilha) lembro que não gostei da ideia, não via Brian Azzarello como um escritor capaz de se encarregar de um dos personagens mais complexos da editora. Não era porque tinha descrédito na sua narrativa, afinal 100 Balas é uma ótima história, mais pelo que ocorrera quando Azzarello ficou a frente de personagens icônicos, como foi com o Superman e com o Batman.

Passaram-se alguns anos e o volume com as histórias das edições 1 a 6 de “Wonder Woman”, publicada em um único volume pela Panini chegou em minhas mãos. ‘Sangue’ (Blood) é o arco desta edição caprichada, em capa dura, que traz uma fase apontada como uma das melhores que a Mulher-Maravilha já teve em toda sua trajetória, segundo a própria editora. Li e reli a edição, e o cara me deixou boquiaberto com seu trabalho a la Vertigo, pela narrativa inteligente e interessante que desenvolveu para o personagem.

Ao conjugar a perfeição da mitologia grega, fundamental para um personagem deste tipo, com o melhor de sua veia literária, a intriga, Azzarello constrói um relato no qual tão importante é Diana como a história de seu envolvimento com Hera, a mulher de Zeus. Conheço um pouco de mitologia grega e os personagens que Azzarello introduz na história são explorados com a essência clássica de cada um de uma maneira que encaixa muito bem na história.

A trama se inicia quando Hera descobre mais uma traição de seu marido, Zeus, com uma mortal chamada Zola. A fim de acabar com o “mal” pela raiz, Hera vai onde mora Zola para matá-la. Hermes, sabedor da gravidez de Zola, a ajuda, enviando por teletransporte a Londres, onde Diana vive. Após este prelúdio de muita ação, Diana tendo que proteger a mortal, se esconde em seu ventre uma real ameaça para o Olimpo decide que a melhor opção é o refúgio da Ilha Paraíso, de sua mãe a rainha Hipólita e suas irmãs amazonas. Lá, as consequências são tão trágicas como terríveis. Alianças insólitas são forjadas, um importante segredo da origem de Diana é revelado e um importante ajuste de contas, tudo isso e muito mais, comprimido em mais de cem páginas numa narrativa realmente boa, uma das melhores da personagem.

Azzarello soube fazer um excelente trabalho na hora de caracterizar os personagens e de contar uma história cheia de intrigas e interesses, bem análoga às narrativas que Hesíodo e Homero repassaram para a posteridade. Não há bons ou maus em sua Mulher-Maravilha, todos os personagens possuem uma rica matizes de tons e cores, encontramos o lirismo e o encanto mágico do Sandman de Neil Gaiman, num ponto de vista mais modesto e o classicismo e a sensibilidade de George Pérez. Com humor negro, sátira e sagacidade ímpares, o autor nos entretém com trocadilhos e gracejos bastante interessantes, explorando ao longo de sua marca registrada o tema da verdade, da traição, da família, e da perda.

É certo que não estivesse acompanhado de um desenhista como Cliff Chiang provavelmente não estaríamos escrevendo sobre uma obra completa, mesmo que Cliff não seja tão espetacular quanto Ivan Reis ou Greg Capullo, mas consegue dotar de vida aos personagens a disposição do roteiro, tudo isso sem deixar de lado a crueldade da batalha, a beleza feminina, o sangue, a luz…  Não teria melhor desenhista para esta obra e sua participação com o projeto o fez inclusive a partir do oitavo número co-escritor da série com Brian.

O êxito de Brian Azzarello, ao meu ver, é fazer uma Mulher-Maravilha isolada do resto do Universo DC, ligada a um tipo de história mais relacionada a magia e a mitologia que com a ficção científica de super-heróis. O novo status quo da heroína traz suas aventuras e os jogos de tronos com os deuses em um mundo oculto aos olhos humanos, existente no mesmo plano de realidade, mas camuflado. Em suma, um título dos melhores dessa safra dos 52, que está convergindo para uma nova etapa. A série é “road movie mitológica” repleta de intrigas, drama e aventuras. Leitura viciante, recomendo.

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Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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