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Queer, uma espinhosa jornada pessoal

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Adaptação do livro homônimo do escritor norte-americano William S. Burroughs, “Queer” vinha chamando atenção por abordar uma temática homossexual tendo como protagonista o ator Daniel Craig, que acabou de interpretar a versão mais brucutu de 007. No entanto o filme não é apenas isso. Ou melhor, nem é sobre isso.

A trama segue a vida de Lee (Craig), um expatriado americano que se encontra na Cidade do México dos anos 1950 após ser dispensado da Marinha. Ele sobrevive com empregos de meio período e benefícios do G.I. Bill, lei que auxiliou veteranos da Segunda Guerra Mundial, e transita entre estudantes universitários americanos e donos de bares na mesma condição. Em meio à vida boêmia da cidade, surge Allerton (Drew Starkey), um jovem por quem Lee desenvolve uma intensa paixão.

Burroughs se inspirou na história real de Adelbert Lewis Marker, um ex-militar da Marinha dos Estados Unidos que o autor conheceu na Cidade do México e teve uma amizade. O livro foi originalmente escrito como uma continuação de “Junkie”, que Burroughs lançou em 1953 e foi julgado por ele próprio como curto e desinteressante para publicação. O diretor Luca Guadagnino viu no material plataforma perfeita para criar um longa dentro do seu modus operandi provocativo e reflexivo.

A jornada de Lee aparentemente é em busca do amor a qualquer custo. Logo no início vemos que o personagem leva isso na literalidade, embora pareça que tudo faz parte de um estilo de vida hedonista. O encontro com Allerton deixa bastante nítida a necessidade se preencher um vazio, que o leva a uma jornada interna espinhosa, só mesmo possível através do contato com substâncias alucinógenas que dão a ele a compreensão que tanto procura.

A câmera de Guadagnino busca criar uma cumplicidade com o espectador nessa epopeia de Lee, com um certo minimalismo que se mescla a ambições artísticas arrojadas, outra característica da filmografia do cineasta. A fotografia de Sayombhu Mukdeeprom, que também colaborou em “Rivais” e “Me Chame Pelo Seu Nome”, ilustra a atmosfera com uma saturação que lembra trabalhos recentes de Vittorio Storaro, e na maior parte do tempo é coerente com a proposta narrativa traduzindo-a plasticamente.

É sabido que Guadagnino tem um apreço por colocar ícones da heterossexualidade masculina em papéis de homossexuais. Se em “Me Chame Pelo Seu Nome” ele teve Armie Hammer no papel de aliciador, aqui ele escolhe Daniel Craig em uma espécie de pacto com o ator para desvincular de vez sua imagem à do agente James Bond, papel de que Craig se despediu em 2021 com “Sem Tempo Para Morrer”. O ator transmite a verdade e as angústias do personagem sem afetação, e no contexto até usa as suas expressões minimalistas para reforçar o traço do protagonista. Ao contrário do indicado ao Oscar, em que Hammer interpretava o homem mais velho (aparentemente) dominante, Craig interpreta um homem maduro vulnerável e que será confrontado pela retidão de Allerton, que Starkey interpreta no tom correto.

“Queer” tem a trama dividida em capítulos, sendo os últimos mais truncados. Há um momento em que o diretor parece até querer brincar de Stanley Kubrick no final de “2001: Uma Odisseia no Espaço”. A desconexão com o resto do filme pode parecer abrupta. Talvez se houvesse mais tempo, seria uma transição mais fluida. Ocorre que a duração já é volumosa, e os cortes foram necessários para não deixar a trama cansativa. De fato, o roteiro de Justin Kuritzkes deixa algumas pontas soltas, sugestões que poderiam ser mais claras e não afetariam a obra. E mesmo a relação de Lee com as drogas poderia ganhar um destaque maior, o que tornaria o final mais coerente.

Ainda assim, a história como um todo é contada de maneira satisfatória, algo que é bastante complexo em se tratando de adaptação de Burroughs (ou qualquer outro beatnik). E ponto para a trilha sonora que mistura músicas da época com outras que seriam lançadas anos depois como Nirvana (‘Come As You Are’ e uma versão de ‘All Apologies’ de Sinéad O’Connor) e até Caetano Veloso. Guadagnino pode até ter ficado muito mais na promessa de chocar do que o que se vê na tela. Mas isso não lhe tira o mérito.

Queer

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7 10 0 1
Nota: 7/10 - Ótimo
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