A Personificação dos Vícios Resenha de World of Darknes: Inferno (WW 55207, 192 páginas, US$29,99) Publicado no início deste ano, Inferno era há muito tempo um dos suplementos mais esperados do WoD, justamente por tocar em um tema que é tão absolutamente relevante para uma linha de horror: o (dã!) infernalismo. O livro se inicia,…
Resenha de World of Darknes: Inferno (WW 55207, 192 páginas, US$29,99)
Publicado no início deste ano, Inferno era há muito tempo um dos suplementos mais esperados do WoD, justamente por tocar em um tema que é tão absolutamente relevante para uma linha de horror: o (dã!) infernalismo.
O livro se inicia, como é de costume, com uma pequena ficção: Molho de Chaves (Ring of Keys), onde nos é apresentado Greg, um homem disposto a mergulhar profundamente em uma comunhão infernal apenas para conseguir um pouco de paz em sua vida. O conto é bastante evocativo e dá um tom definidor à obra que este serve de prelúdio.
As ilustrações de Pat Loboyko estão entre as melhores.
Capítulo I: Demonologia
O primeiro capítulo começa com uma pequena exposição de mitos e fatos. A real preocupação do autor aqui é ilustrar quem são os demônios que o livro trata, fazendo um pequeno sumário das verdades e mentiras sobre o mesmo. Espere por encontrar respostas à afirmações como: Demônios pertencem a hierarquias e possuem um nome secreto (verdadeiro), ou Demônios não podem machucar aqueles de coração puro (falso). Ainda no campo mais genérico, é explicitado o quanto o nível na skill ocultismo pode lhe trazer de informação sobre Demonologia (e a especialização que leva esse nome), uma ferramenta um tanto útil para jogadores e narradores mesurarem o conhecimento dos personagens.
Em seguida, o livro discorre sobre a natureza dos Demônios que são em grande parte manifestações conscientes dos vícios e fraquezas humanas. Eles vêm do Inferno, sua dimensão nativa, mas em suma são um reflexo do mal puro em nosso mundo. Demônios fazem parte de nosso dia a dia e da própria concepção da realidade de forma muito mais íntima do que os demais monstros. Demônios, ainda que onipotentes em seu reino, chegam aqui como pequenas presenças, que ganharam o nome de sussurrantes (Whispers), pois não possuem forma física e se limitam a sussurrar incentivos e pecados nos ouvidos dos mortais. Eles sobrevivem e ganham poder através de nossos erros, sua morada é nossa imperfeição como seres éticos.
O capítulo lança questões interessantes, analisando não apenas a existência de demônios em um plano multi-cultural (Religiões Abraâmicas, Politeísmo, Animismo e Budismo) como também tentando entender o que é o Mau, e como definir a maldade em uma crônica de RPG. A discussão da moral como uma ferramenta do sistema e até mesmo como um acordo em meta-jogo, me faz lembrar do por que gosto tanto do Storytelling, e acaba por remeter à discussão que já realizei em minha coluna teórica sobre RPG.
Também aprendemos a relação dos seres sobrenaturais com os Demônios, o que eles sabem, qual deles se importam, como é a posição das diversas facções de suas sociedades sobre este tema. Só são citadas as três linhas básicas, e os Magos são de longe aqueles com o maior domínio e interesse sobre o assunto (assim como os mais suscetíveis à seus males). Um adendo interessante é feito sobre a relação entre demônios e o abismo.
As páginas que seguem iniciam os sistemas para se lidar com o estudos dos demônios per se, ou a demonologia que dá título a este capítulo. Portanto o texto se foca em explicar melhor as principais “estruturas” deste campo teórico: Hierarquias, Mitologias, Nomes Secretos e Testamentos. Hierarquia é uma lista com nomes, posições e focos de diversos demônios, podendo variar de extensão e meio (mas usualmente são constituídas em grandes livros). Mitologia é um conceito bastante auto-explicativo, parábolas e mitos com a presença de entidades do inferno. Quando falamos em nome secreto, não pense em uma palavra e sim em uma certa freqüência (que não precisa ser sonora) que representa o ser. Por fim um testamento é uma longa descrição sobre um demônio, muitas vezes se fundido com os elementos anteriores, isto é apresentando mitos ou nomes verdadeiros.
O capítulo traz ainda uma extensiva discussão sobre cultos, coisa que já havia sido feita em outro suplemento (Antagonistas), entretanto o foco agora é naqueles que tem Demônios ou o infernalismo como centro. Um segmento bem escrito, mas que não traz tantas novidades.
No final do primeiro capítulo somos levados a finalmente discutir os demônios e o Inferno em si, em termos de sistemas e de seu uso em uma crônica. Em relação ao Inferno, muito pouco é falado, deixando o local completamente aberto às idéias do narrador. Ainda que existam pequenos detalhes e sugestões, inclusive formas de se chegar aos seus portões, toda informação é muito escassa e eu gostaria que os autores não perdessem tantas páginas falando sobre cultos quando poderiam lançar mais idéias sobre o Inferno. Os demônios por sua vez sofrem do mesmo problema, principalmente os mais poderosos. Suas habilidades universais são descritas em minúcias, assim como seus poderes e atributos. Entendemos mais ou menos como funcionam, o texto e a organização do mesmo é clara, mas a sensação de que ficou faltando mais coisa está sempre presente.
Um Sussurante (Whisper), o menor dos demônios.
Capítulo 2: Pactos Infernais
Como o nome já deixa claro, o segundo capítulo do livro é voltado para pactos infernais. Uma das mais recorrentes histórias envolvendo estas criaturas. Se você quiser colocar um pouco do Mefistófeles de Goethe na sua história, este é o livro para isso.
Um Arquidemônio, o mais poderoso da Hierarquia.
O primeiro ponto levantado no capítulo é a invocação do Demônio. Que motivos podem levar um mortal a tal ato. O texto faz bem ao explorar esse aspecto, humanizando a condição do invocador. Todo o processo é debatido em minúcias: a pesquisa, o ritual, a invocação, a chegada da entidade e por fim, a negociação, estes momentos relevantes são explorados de forma bastante positiva e cada um ganha um sistema próprio e diversos exemplos explicativos. Também nos são apresentadas invocações que ocorrem por acidente ou por aqueles poucos homens capazes de faze-lo por simples vontade (geralmente por causa de uma descendência bizarra, como os Lucifuge de Hunter: The Vigil).
A segunda parte do capítulo discute os pactos per se. A primeira discussão se dá a respeito dos benefícios, o que alguém tem a ganhar ao negociar com um demônio (praticamente tudo): atributos, habilidades, poderes sobrenaturais, artefatos mágicos são apenas algumas das possibilidades. Todos os seres sobrenaturais do WoD aparecem nessa sessão, indicando que tipo de benefícios eles podem ganhar com este tipo de pacto (exemplo aumentar disciplinas ou um Power-Status). Claro que o texto também enfatiza o sacrifício, isto é o que o demônio pede em troca para você (e eles são muito exigentes diversas vezes).
O segundo capítulo termina com uma discussão sobre como narrar as negociações e o pacto, ele traz alguns exemplos para facilitar a compreensão do leitor, e apresenta alguns extras, tais como artefatos e até pertubações novas.
Capítulo 3: Os Possuídos
Aqui se encontra a maior e mais excitante novidade do livro, um novo template menor para adicionar a um personagem. Os Possuídos são em essência humanos que acabaram tendo suas almas/consciências fundidas com a de um demônio, o que no fim das contas pode trazer opções muito interessantes de Roleplay.
Os Possuídos são muito bem explicados ao longo do capítulo. Primeiramente conhecemos que tipo de pessoas são “escolhidas” para a possessão, o que geralmente significa qualquer um, até mesmo, no maior estilo “Ripper”, pais que acabam por fazer um pacto cujo o preço é o corpo de seu inocente bebê. Em seguida, nos são mostradas as regras da Possessão per se, que ainda que funcionais, geralmente serão ignoradas, exceto é claro quando você for transformar o personagem de uma crônica pré-existente. Se o objetivo for começar algo novo, também somos levados a um minucioso passo a passo para a criação de personagens possuídos.
O personagem que passa pela transformação, além de ter a personalidade fundida com aquela de um demônio, ganha uma série de atributos interessantes: mais línguas, méritos mentais, uma nova “pool” de força de vontade e o melhor diversos poderes. O funcionamento dos poderes é baseado nos pontos de Vício que o personagem tem (ao invés de se manter com apenas um vício, agora ele pode ter Orgulho 3, Preguiça 2, Luxúria 2 e Ira 1), a cada novo ponto em um vício, o jogador escolhe um poder daquele mesmo nível na lista dos vícios. Eles são geralmente muito poderosos e bem construídos, e o nome dado as esses poderes é Vestimenta. Os Possuídos também ganham acesso a novos méritos, mas assumem diversas fraquezas (fora a grande fraqueza de ser meio demônio, o que é um grande potencial rumo a degeneração).
O final do capítulo é dedicado para o narrador, dando dicas e idéias para se lidar com crônicas focadas nos possuídos. O mais interessante no entanto é o quadro batizado “World of Darkness: Empyrean”, onde eles sugerem uma abordagem diferente para os possuídos. A idéia é inverter os papéis e ao invés de demônios, lidar com anjos, seres celestiais de mentalidade praticamente alienígenas que passam a habitar corpos humanos. No lugar de poderes baseados em vícios haveriam poderes ainda mais estranhos baseados em virtude, e ao invés de ser forçado a tomar posições egoístas e malignas, os anjos seguiriam um próprio plano insondável e incompreensível para seus hospedeiros, mais ou menos como os qashmalims de Promethean.
Um Possuído em meio a multidão.
Capítulo 4: As Hostes do Inferno
Realmente não há muito que dizer aqui, o capítulo se resume a apresentar vários personagens prontos para o narrador colocar em crônicas ou usar como exemplo para a confecção de seus próprios NPCs. Vale ressaltar que todo tipo de criatura abordado no livro ganha uma representação aqui, do mais fraco Sussurante até os mais degenerados Possuídos.
Análise crítica da obra:
Acredito que Inferno seja um bom livro, no entanto tenho certeza que ele desapontou muita gente, até mesmo eu. Quando soube que seria publicado, estranhei bastante a notícia, pois sabia o quanto Demônio: a Queda era excelente e adorado, e que sempre havia existido uma larga demanda dos fãs por um novo livro explorando esse conceito. O que ganhamos (ao menos por enquanto) não é uma nova linha, e sim um pequeno suplemento sobre um assunto que merecia sim um grande template. Os Possuídos são interessantes e poderiam ganhar ainda mais características únicas, assim como mais espaço em descrições e dicas para crônicas com os mesmos.
Este não é de fato um novo Demônio: a Queda, não possui a mesma dramaticidade e nem a idéia de um ser em busca de redenção eterna que era a base do anterior. Este livro lida com algo que é uma encarnação do mal per se. Algo vil que se encontra dentro de cada um de nós, em cada lágrima, em cada espaço vazio. É um livro sobre fraqueza e não sobre vitória, é um bom livro, mas poderia ser melhor.
Os novos Demônios são seres interessantes, mas pecam por não se assemelharem muito aos demônios culturais. O que quero dizer é, o novo conceito, ou seja, espíritos do vício, se assemelha muito levemente com o ponto de vista cristão (ainda que sem a justificativa teológica para tal), mas em nada lembra os diversos demônios xintoístas ou hindus. O novo WoD sempre foi tão preocupado em ser culturalmente abrangente, mas na opção pelo generalismo de seus demônios, eles acabaram parecendo seres sem uma identidade bem definida. Não há nada para se associar com, no máximo um animismo bizarro (visto que a melhor definição ainda é espírito do vício, que vale dizer são os sete pecados da cristandade).
O texto é bom, conciso e capaz de prender o leitor. Os próprio conceitos e discussões levantadas (como por exemplo a essência do Mau) são bastante positivos e climáticos, mas definitivamente ao terminar o livro nos fica um certo sentimento de espera (é só isso? Inferno não deveria ser mais abrangente? Mais relevante?).
Ainda que uma leitura excelente e recomendável, fica no ar a espera por uma linha baseada efetivamente em demônios. Mais sorte da próxima vez.
Não sabia que “Demônio: A Queda” era realmente tão bem quisto, na verdade eu nunca cheguei a ver ninguém jogando e como o livro só saiu aqui a pouco tempo depois do novo WoD eu não cheguei nem a me interessar de pegar ele.
Agora quanto a Inferno, eu realmente não esperava um tratado mais profundo sobre isso, o que eu queria mesmo era a possibilidade de usar “poderes infernais” e demônios na campanha (e os magos vão ter Summoners ó ;D) e eu acho que o livro já vai dar um bocado de pano pra manga.
Só é realmente infeliz que eles não tenham se preocupado em dar “versões” diferentes pros diversos demônios “culturais” que nós temos, talvez fosse uma boa pra que você pudesse criar “sabores” diferentes de demônios, mas de repente eles estão guardando o filé pra uma futura linha limitada sobre demônios, nunca se sabe né?
Eu comecei a joga-lo em 2002, ou seja, antes do WoD 1.0 ir pro saco, e logo de cara se tornou uma das minhas linhas favoritas. Sei que ele foi bastante popular (inclusive o fato de ter sido traduzida de certa forma realça a idéia), e que todo dia em um fórum da white wolf, aparece alguém para reclamar sobre uma nova linha com demônios.
Anjos caídos mesmo… Mas havia muito mais por trás disso.. Se eu não me engano, a coisa se dava em um estilo de mitologia luciferianista, ou seja, os caídos haviam sido punidos por conceder o livre-arbítrio a humanidade, e por ama-la acima de tudo.
Deus era uma coisa bizarrra que parecia ter desaparecido do mundo… enfim, recomendo a leitura, mesmo que não haja jogo…
[…] filmes como Alucinações do Passado, Ilha do Medo, O Operário e Veludo Azul, além de livros como World of Darkness: Inferno e Hunter: The Vigil, servem como ótimas inspirações para criar uma atmosfera aterradora, onde o […]
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