O diretor italiano Ciro Formisano, cineasta sensível e observador das realidades humanas e sociais, vem ganhando notoriedade na cena cinematográfica internacional. Nascido em Nápoles, Formisano traz em sua trajetória um olhar detalhado sobre a alma humana, refletido em sua obra mais recente, “A Alma em Paz”, filme que será exibido no XIX Festival de Cinema Italiano no Brasil, em novembro de 2024.
Em uma conversa inspiradora, Ciro Formisano compartilha com o jornalista Rodolfo Abreu as influências e escolhas que permeiam sua obra, especialmente sua admiração pelo cinema brasileiro. Por exemplo: Dora, nome da protagonista de “A Alma em Paz”, é uma homenagem direta à personagem icônica de Fernanda Montenegro em “Central do Brasil”, um filme que marcou profundamente o diretor. Com quatro filmes em sua filmografia, Ciro Formisano é um cineasta apaixonado pelo Brasil e pela capacidade do cinema de conectar culturas e provocar reflexões sobre questões universais.
Nesta entrevista, ele fala sobre suas influências, o processo criativo por trás de “A Alma em Paz” e sua visão sobre o papel do cinema como um espelho da condição humana.
Rodolfo Abreu: Quais são suas expectativas com a exibição do seu filme “A Alma em Paz” no XIX Festival de Cinema Italiano no Brasil? E como foi nos outros países mostrados?
Ciro Formisano: Estou muito nervoso e animado ao mesmo tempo! Ao pensar em meu filme ser visto pelo público brasileiro que amo profundamente, pois além de senti-lo muito parecido com o italiano, sei que eles poderão reconhecer nos acontecimentos contados em meu filme algo que também é parte da realidade brasileira.
Meu filme contém um segredo que o liga ao cinema brasileiro. A protagonista do meu filme se chama Dora, interpretada pela Livia Antonelli, escolhi esse nome para homenagear a Dora interpretada pela grande Fernanda Montenegro no meu filme brasileiro do coração, “Central do Brasil”.
O meu filme foi muito bem recebido tanto na Índia, como no estado de Goa onde acontece o festival de cinema mais importante da Índia que me acolheu e me tratou como se eu fosse um grande realizador internacional, talvez um pouco demais.
Mas é na França que sempre encontro um público entusiasmado e caloroso que realmente me faz sonhar com a sua forma de amar profundamente o cinema de autor.
Rodolfo Abreu: “A Alma em Paz” aborda temas profundos de resistência e busca por redenção em meio a adversidades. O que o levou a querer contar essa história do ponto de vista das mulheres, especialmente as endurecidas pela vida?
Ciro Formisano: Acho muito fácil falar do mundo feminino nos meus filmes. Na Itália, infelizmente, viemos de uma tradição cinematográfica bastante machista, onde os papéis das mulheres eram relegados aos da esposa de um protagonista, ou da mãe, ou do amante. Pela primeira vez este filme aborda o universo feminino dos subúrbios, daquelas que muitas vezes vivem à sombra do submundo e das frustrações. Até agora os protagonistas indiscutíveis destes lugares onde a sobrevivência é muito difícil foram sempre e apenas os homens.
Rodolfo Abreu: O filme aborda em período ainda com reflexos da pandemia de COVID-19, ambientado em Roma. Como as questões pandêmicas e do isolamento social influenciam na narrativa do filme?
Ciro Formisano: Muito. Optei por ambientar a difícil existência de Dora dentro do Lockdown para reforçar um fechamento, o das barreiras invisíveis dos subúrbios, de lugares já fechados por natureza, e de difícil fuga para quem ali nasceu. O bloqueio representa mais um obstáculo para a protagonista descobrir um mundo fora daquele em que vive. Não foi fácil. Rodamos o filme em 2022, quando ainda havia muitas restrições devido à pandemia. Infelizmente, pude testemunhar que, após o encerramento devido à Covid, os sectores mais fracos da sociedade sofreram uma maior deterioração, e é por isso que não foi difícil trazer tudo isto para a história do meu filme.
Rodolfo Abreu: “A Alma em Paz” pode ser considerada uma crítica às condições de vida e à falta de oportunidades nos subúrbios? Que tipo de reflexão você espera que o filme desperte?
Ciro Formisano: A realidade contada no meu filme não é apenas uma realidade italiana, mas pode ser encontrada em todas as cidades do mundo, aliás, à sombra de todas as cidades do mundo, onde se estabelecem regras diferentes e distantes daquelas que regulam uma sociedade civil. A reflexão resultante é certamente a consciência de que estas realidades estão longe de desaparecer, mas estão a espalhar-se como uma mancha de óleo, mesmo que o filme tenha a sua própria mensagem de esperança muito sólida.
Rodolfo Abreu: Você faz um cinema marcado pelo realismo e que discute questões sociais. Com sua experiência ao longo dos anos, o que mais mudou na sua forma de ver e fazer cinema?
Ciro Formisano: Que as pessoas precisam de histórias reais, em lugares reais. Esta é a única maneira que conheço de envolver a alma humana no que conto. Nos últimos anos temos assistido a uma sofisticação cada vez maior das histórias contadas. É correto utilizar novas chaves narrativas e promover novas formas de expressão da arte cinematográfica, mas se queremos que o cinema continue a ser um acontecimento mágico, do qual é impossível prescindir, não devemos esquecer de entusiasmar e ter empatia com o público. E isso só pode ser feito com histórias tiradas do mundo real. Afinal, a vida continua sendo o maior roteirista que já tivemos, e essa não é minha frase.
Rodolfo Abreu: Esse filme tem recebido boas críticas e ganhou alguns prêmios em festivais pelo mundo. Como é observar diferentes culturas tendo acesso à sua produção cinematográfica e tendo reconhecimento de seu modo de fazer cinema?
Ciro Formisano: A crítica sempre foi muito generosa com meu cinema. Cada vez que participo num festival estrangeiro estou numa busca frenética pela identidade cinematográfica local. E encontro isso nos mercados, nas lojas vintage locais, procuro fotos, livros, revistas, até velhos filmes super-8 familiares para levar comigo. Através da tradição visual de um país é possível descobrir aspectos ainda hoje perdidos da identidade cinematográfica de um país. Digo isso porque é fato que vejo a maior parte da programação de filmes locais. Antes de ser diretor, sou um cinéfilo amante do cinema, por isso também mal posso esperar para participar pessoalmente de um festival de cinema brasileiro.
Rodolfo Abreu: Grazie mille! Agradeço a conversa!
Ciro Formisano: Arrivederci!
Assista “A Alma em Paz”, de Ciro Formisano no Brasil:
https://www.sympla.com.br/evento/a-alma-em-paz-xix-festival-de-cinema-no-brasil/2702792?referrer=www.google.com&referrer=www.google.com
Com: Lorenzo Adorni, Livia Antonelli, Antonio Digirolamo, Donatella Finocchiaro, Federico Mancini, Irene Muscara, Daniela Poggi e Cinzia Susino.
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