O Nordeste, em toda sua potência, retratado com humor a partir do protagonismo feminino. Esse é o ponto de partida da comédia “Serragem & Sonhos”, que estreia temporada no teatro Glauce Rocha, no Centro do Rio de Janeiro, de 06 a 28 de março, sempre às quartas e quintas, às 19h. Com direção de Marcelo Morato, trata-se de uma adaptação inédita de dois textos do premiado autor pernambucano Newton Moreno: “Maria do Caritó” (indicada a seis categorias do Prêmio Shell 2010) e “As Centenárias” (Prêmio Shell 2007 de melhor autor e Prêmio Contigo 2008 de melhor autor e melhor espetáculo de comédia).
A peça apresenta um panorama festivo da rica e complexa cultura nordestina, cujos vocabulário e imaginário são fontes inesgotáveis de inspiração para expressões artísticas populares e eruditas, em danças, ritos, orações, cantos e simpatias. Por outro lado, aborda a esperança e a credulidade de um povo, sua necessidade de transcendência e superação da árida realidade, seja pelo aspecto religioso, seja pelos novos horizontes descobertos por meio dos artistas do circo-teatro que os visitavam. Sentimentos que se tornam frequentemente objeto de exploração de políticos e hipócritas, ocupados em sua lamentável tarefa de lucrar com o sofrimento alheio.
Nada, e ninguém, é o que parece ser
Na história, Maria do Caritó é uma mulher solteirona tida como uma espécie de “virgem santíssima” em uma pequena cidade do interior, no sertão nordestino. Por ter sido prometida por seu pai, ao nascer, a um santo chamado São Djalminha, Maria nunca pôde conhecer o amor entre um homem e uma mulher – apesar das inúmeras simpatias feitas a Santo Antônio para encontrar um homem que a despose. Eis que, às vésperas de completar 40 anos, ela tem seu caminho cruzado pela chegada de um circo itinerante, que, segundo a cigana, traz um amor para sua vida imaculada.
– Se, por um lado, temos a pulsão de vida, ilustrada pela incessante busca de Maria do Caritó por amor – pelo amor romântico tanto quanto pelo amor à arte e, principalmente, pelo amor-próprio -, por outro, temos a morte, seus rituais e todo um imaginário cultural que permeia a melancólica condição humana de sermos finitos – explica Marcelo Morato.
Pelos arredores da cidade além do universo de Maria do Caritó, perambulam duas carpideiras centenárias que estão sempre sendo chamadas nos velórios e funerais para encomendar as almas para o céu. Socorro e Zaninha descobriram em seu ofício a forma mais eficiente de fugir da morte: estar sempre onde a morte acabou de ir embora; isto é, depois que a morte acaba de agarrar um “freguês”, ela segue seu caminho e não volta imediatamente para o mesmo lugar. Assim, as duas seguem a morte para fugir dela, destrinchando os segredos do momento do fim da vida em cada uma de suas peripécias.
– Na peça, há sempre alguém que está fingindo ser o que não é, ou sendo levado a assumir um papel que não lhe cabe. E no contínuo jogo de máscaras e desnudamentos, de tradições e traições, de simulacros e reviravoltas, todos têm que se deslocar para sobreviver. As personagens vão se redescobrindo ou reinventando: a santa se revela uma palhaça, as carpideiras são obrigadas a gargalhar ou excitam os mortos, os defuntos estão vivos, os mercenários se revelam seres amorosos, os eloquentes se calam – destaca o diretor.
Arte e seu impacto social
O espetáculo coloca em cena narrativas populares do sertão nordestino, local ainda muito discriminado em outras regiões do país. Apenas em 2022, a SaferNet registrou 10.686 queixas de xenofobia contra nordestinos, uma alta de 874% em comparação com 2021. Além da questão da xenofobia, a temática do empoderamento feminino também está presente nos textos, que possuem forte protagonismo de mulheres, tanto no que se refere à Maria do Caritó quanto em relação às Centenárias. O elenco é formado por artistas naturalizados em diferentes regiões brasileiras: Camila Gonzalez (Norte e Sudeste), Ciça Troccoli (Nordeste), João Miller (Sudeste), Júlia Corsete (Sul), Karolyna Mendes (Sudeste) Luciano Pontes (Norte e Nordeste) e Maria Clara De Pina (Sudeste).
– O universo dramatúrgico de Newton Moreno oferece um rico material de pesquisa sobre brasilidade e a cultura do sertão nordestino. Através de suas ações, personas e imagens, ele nos coloca em diálogo transgeracional com geniais artistas do riso, abordando questões caras à sociedade nos tempos atuais – ressalta Marcelo Morato.
Newton Moreno
Nascido no Recife (PE) em 1968, Newton Moreno é dramaturgo, ator e diretor formado em Artes Cênicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e mestre e doutor em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP). É autor dos textos teatrais Agreste (2004), montado pela Cia. Razões In-versas; As Centenárias (2007), estrelado nos palcos por Marieta Severo e Andréa Beltrão; Maria do Caritó (2012), interpretado por Lilia Cabral; O livro, interpretado por Eduardo Moscovis (2010); e o musical As Cangaceiras, Guerreiras do Sertão (2019). Ganhador de diversos prêmios de teatro, como o APCA, o Shell, o Bibi Ferreira, o Questão de Crítica e o Aplauso Brasil, Moreno é roteirista dos filmes Maria do Caritó (2019) e Agreste (2023) e desenvolveu diversos trabalhos para a TV, como a série da Rede Globo Amorteamo (2015).
Ficha técnica:
Texto: Newton Moreno
Direção e adaptação: Marcelo Morato
Elenco: Camila Gonzalez, Ciça Troccoli, João Miller, Júlia Corsete, Karolyna Mendes, Luciano Pontes e Maria Clara De Pina
Cenografia: Nelson Reis
Figurino: Júlia Corsete
Iluminação: Bruno Aragão e Felipe Antello
Assistente de direção e de produção: Johnny de Castro
Operação de luz: Ana Parreiras
Operação de som: Luca Matteo
Trilha sonora: João Miller
Fotografia: Carlos Miller
Produção: Terceiro Sinal Produções
Assessoria de imprensa: Carlos Pinho
Serviço:
Espetáculo: “Serragem & Sonhos”
Temporada: de 06 a 28 de março
Dias e horário: quartas e quintas, às 19h
Local: Teatro Glauce Rocha – Av. Rio Branco, 179, Centro, Rio de Janeiro – RJ
Ingressos: R$ 50, vendas no local e pelo site https://www.sympla.com.br/evento/serragem-sonhos/2350562
Duração: 120 minutos
Gênero: comédia
Classificação indicativa: 14 anos
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