Do dia 31 de maio ao dia 19 de junho de 2023, o Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro recebe a mostra “El Camino – Cinema de viagem da América do Sul”.
Os curadores se debruçaram sobre a produção sul americana da década de 1960 até os dias atuais e selecionaram 19 filmes, sendo 15 longas e 4 curtas, realizados em nove países: Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru, Bolívia, Chile, Colômbia e Venezuela.
A programação é inteiramente gratuita e inclui ainda debates e oficinas presenciais, além de um catálogo online. Os ingressos podem ser retirados na bilheteria física ou no site do Centro Cultural Banco do Brasil, sendo que a mostra será apresentada no Cinema I até o dia 16 de junho e do dia 17 em diante, no Cinema II.
El Camino – Cinema de viagem da América do Sul
A mostra se guia por um conjunto de questões. Que países são esses que vemos em tela? De que maneira esses filmes constroem imaginários que reafirmam, ou questionam, símbolos nacionais anteriores? Como apresentam novas formas de filiação entre indivíduos, coletivos e territórios?
Cada obra responde a essas questões à sua maneira e o interesse da mostra está em captar tais ressonâncias. Torna-se importante dar um passo atrás, entendendo o cinema de viagem como devedor de um longo histórico em uma consolidada tradição de literatura de viagem, europeia de origem. Compartilhando com ela uma narrativa sem final definitivo, de estrutura episódica e temporalidade variável; ora cronológica, como nos travelogues, ora suspendendo a própria noção de tempo. Tanto na literatura quanto no cinema, a viagem tem o potencial de ser uma ferramenta potente de crítica social.
Da forma que se concretiza nos cinemas sul americanos pós 1960, esse gênero também evidencia certa crise do que ali é próprio à era moderna e aos ideais específicos de progresso; seja pelos avanços desse modelo de desenvolvimento, seja pelos inúmeros problemas que desencadeia, da pobreza e do esquecidos na contabilização do todo enquanto estado-nação unificado.
A mostra El Camino apresentará filmes de diretores consagrados como Nelson Pereira dos Santos, Walter Lima Jr. e Helena Solberg. Alguns aclamados pela crítica e referências para estudantes de cinema, como Serras da Desordem, de Andrea Tonacci, e Iracema – Uma Transa Amazônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna. Filmes de gêneros distintos, indo do ficcional ao documentário, compõem um belo mosaico de possibilidades de explorar o tema “cinema de viagem”.
Os filmes:
Os Inundados [Los Inundados]
Fernando Birri, p&b, 87′, 1961, Argentina | 10 anos
Um clássico do Cinema Novo argentino, dirigido pelo cineasta Fernando Birri. O filme conta a história da família Gaitán, habitante da província sulista de Santa Fé, que é forçada a viver de maneira itinerante em razão das grandes inundações que assolam o país.
Vidas Secas
Nelson Pereira dos Santos, p&b, 115′, 1963, Brasil | 10 anos
Um dos trabalhos inaugurais do Cinema Novo brasileiro, baseado no romance de Graciliano Ramos e dirigido por Nelson Pereira dos Santos. O filme retrata a vida de uma família marcada pela fome no sertão nordestino. A história tem como foco Fabiano, sua esposa Sinhá Vitória, os dois meninos e o cachorro baleia, enquanto se deslocam em busca de um trabalho que lhes permita sobreviver em meio a um contexto implacável.
Carlos: Cine-retrato de um andarilho em Montevidéu
[Carlos: cine-retrato de un caminante en Montevideo]
Mario Handler, p&b, 31′, 1967, Uruguai | 12 anos
O cotidiano de um andarilho é narrado em primeira pessoa por seu protagonista, forçado a deixar o campo para ir morar em Montevidéu, no Uruguai. Em estilo poético, o documentário estabelece um contraponto entre a vida na cidade grande e a existência marginal de Carlos, enquanto ele rememora seu passado e apresenta sua filosofia.
Brasil Ano 2000
Walter Lima Jr., cor, 115′, 1969, Brasil | 14 anos
Ano 2000: o Brasil foi parcialmente devastado pela Terceira Guerra Mundial. Uma família de imigrantes chega a uma pequena cidade à qual dão o nome de “Me Esqueci”. No dilema entre integrar-se ao sistema ou preservar a liberdade individual, eles caminham para a desagregação enquanto a cidade se prepara para o lançamento de um foguete espacial.
A Terra Prometida [La Tierra Prometida]
Miguel Littin, cor, 120′, 1973, Chile | 12 anos
Filme baseado em fatos reais ocorridos no Chile nas primeiras décadas do século XX. Misturando recursos documentais e ficcionais, o longa-metragem relata as lutas camponesas no Chile, seus mitos, lendas e o estabelecimento de uma fugaz república popular.
Iracema – Uma Transa Amazônica
Jorge Bodanzky & Orlando Senna, cor, 91′, 1975, Brasil | 16 anos
Iracema é o filme pioneiro de estilo híbrido, entre ficção e documentário, que acompanha a trajetória do caminhoneiro Tião Brasil Grande pela região amazônica junto à jovem Iracema. A obra aborda o impacto causado pela construção da monumental rodovia Transamazônica nas populações ribeirinhas da selva amazônica, símbolo do ideal desenvolvimentista de nação que caracterizava aquele momento da ditadura militar brasileira.
A Dupla Jornada [La Doble Jornada/Double day]
Helena Solberg, cor, 53′, 1975, México, Argentina, Bolívia, Venezuela | 10 anos
A Dupla Jornada examina as condições da mão de obra feminina como força de trabalho na América Latina. Realizado pelo coletivo feminista estadunidense “International Women’s Film Project”, com direção da brasileira Helena Solberg, o longa registra trabalhadores de fábricas no México e Argentina e de minas de extração na Bolívia e Venezuela.
Os Vampiros da Miséria [Agarrando Pueblo]
Luis Ospina e Carlos Mayolo, p&b, 29′, 1978, Colômbia | 14 anos
Falso documentário sobre dois cineastas que viajam por regiões empobrecidas das cidades colombianas de Bogotá e Cali em busca das imagens de abjeção, necessárias para finalizar um documentário para uma TV alemã. Enquanto isso, outra câmera registra esses cineastas “vampiros” se alimentando da miséria de seus personagens marginais. Crítica mordaz ao oportunismo do cinema tipo exportação, que denuncia a pobreza nos países em desenvolvimento visando o sucesso na Europa. Realizado pelo influente diretor colombiano Luis Ospina, falecido em 2020.
Noites Paraguayas
Aloysio Raulino, cor, 90′, 1982, Brasil, Paraguai | 14 anos
Um dos filmes de maior magnitude do cineasta e diretor de fotografia brasileiro Aloysio Raulino. O filme aborda a trajetória de imigrantes paraguaios que saem do interior do país e se dirigem a Assunção, para então chegarem a São Paulo. São trabalhadores rurais, músicos, vendedores e subempregados. A sorte que os acolhe no Brasil é variada; alguns permanecem no país, outros decidem voltar ao Paraguai e encontram um país modificado. Dois mundos paralelos: o da cultura indígena guarani e o da aventura brasileira na cidade de São Paulo.
A Nação Clandestina [La Nación Clandestina]
Jorge Sanjinés, cor, 128′, 1989, Bolívia | 12 anos
Um obra híbrida, entre ficção e documentário, realizada de maneira colaborativa entre indígenas e não-indígenas do coletivo Ukamau, com direção do boliviano Jorge Sanjinés. Situado em um contexto de regime militar na Bolívia, o filme narra a história de um rapaz que havia sido enviado para a cidade grande a fim de adquirir educação formal, e então regressa ao seu povoado com a intenção de apoiar os indígenas que lutam por direitos trabalhistas.
A Viagem [El Viaje]
Fernando Solanas, cor, 130′, 1992, Argentina | 12 anos
Longa do notório cineasta argentino Fernando Solanas, em uma incursão pelo gênero dos “road movies”. Martín, 17 anos, sai da cidade distante e fria de Ushuaia, no extremo sul da Argentina, em busca do seu pai, um arqueólogo que havia abandonado a sua mãe anos atrás e prometera voltar. A tensão da vida com a sua mãe e o padrasto, o fracasso de seu noivado e o desejo de encontrar o pai, bem como de descobrir o mundo, impulsionam o jovem a começar uma jornada usando o único meio disponível: sua bicicleta.
Sonhos de Gelo [Sueños de Hielo]
Ignacio Agüero, cor, 58′, 1993, Chile | 12 anos
Em 1992, a famigerada “Exposição Universal de Sevilha” foi realizada na Espanha. O Chile participou do evento, exibindo em seu pavilhão um incrível bloco de gelo trazido especialmente do mar da Antártica. E é nesses fatos verdadeiros que a fantasia do filme se baseia. Filmado a bordo de três navios em uma viagem da Antártica à Espanha, Sonhos de gelo é um documentário ensaístico do experiente cineasta Ignacio Aguero, no qual sonhos, mitos e fatos convergem rumo a uma história poética transformada em saga marítima – à maneira das lendas dos mares que povoam a mitologia do continente americano e a literatura universal.
Serras da Desordem
Andrea Tonacci, cor, 135′, 2006, Brasil | 14 anos
Obra-prima do realizador brasileiro Andrea Tonacci, falecido em 2016. Realizado em em estilo poético híbrido singular, a obra retraça a trajetória real de Carapiru, um indígena da nação awá-guajá nômade que escapou de um ataque de fazendeiros no centro-oeste, nos anos 1970. Durante dez anos, ele andou sozinho pelas serras do Brasil central até ser novamente encontrado em novembro de 1988, a 2 mil quilômetros do seu ponto de partida.
Pachamama
Erik Rocha, cor, 94′, 2008, Brasil, Bolívia, Peru | 10 anos
Título que significa para os indígenas andinos “mãe-terra” e designa a deusa agrária dos camponeses. O documentário narra a viagem do diretor Erik Rocha pela floresta brasileira em direção ao Peru e à Bolívia, onde ele encontra a realidade de povos historicamente excluídos do processo político de seus países e que pela primeira vez na história buscam uma participação efetiva na construção do seu próprio destino. É uma pequena odisséia de trinta dias pela realidade amazônica e andina, que revela um continente em ebulição, atravessado pela cultura milenar andina, que irradia pelo continente sul americano uma substância primordial na constituição de novos paradigmas políticos.
Tava, A Casa de Pedra
Ariel Duarte Ortega, Patrícia Ferreira Pará Yxapy, Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho, cor, 78’, 2012, Brasil | 10 anos
Realizado pelos cineastas Mbya-Guarani Ariel Ortega e Patrícia Ferreira Pará Yxapy e o coletivo Vídeo nas Aldeias, o documentário investiga a história das reduções jesuíticas e a guerra guaranítica do século XVII nos territórios do Brasil, Paraguai e Argentina, tendo como foco a memória, o mito e a história Mbya-Guarani.
Zama
Lucrecia Martel, cor, 115′, 2017, Argentina | 14 anos
Primeira ficção de época de Lucrecia Martel, uma das principais realizadoras da nova geração de cineastas da Argentina. No fim do século XVIII, Don Diego de Zama é um oficial da Coroa Espanhola que deseja partir para Buenos Aires. Ele se junta a um grupo de soldados a fim de caçar um perigoso bandido e explorar terras distantes habitadas por indígenas considerados selvagens.
NoirBlue – Deslocamentos de uma Dança
Ana Pi, cor, 27’, 2018, Brasil | Livre
Em diferentes países do continente africano, a brasileira Ana Pi se reconecta às suas origens através do gesto coreográfico, engajando-se num experimento espaço-temporal que une o movimento tradicional ao contemporâneo. Neste filme ensaio que simula uma dança de fertilidade e de cura, a pele negra sob o véu azul se integra ao espaço, reencenando formas e cores que evocam a ancestralidade, o pertencimento, a resistência e o sentimento de liberdade.
As Filhas do Fogo [Las Hijas del Fuego]
Albertina Carri, cor, 115’, 2018, Argentina | 18 anos
Três mulheres começam uma jornada poliamorosa lésbica em busca de prazer sexual, diversão e novas formas de relacionamento. Através de suas anotações, Violeta nos conta sobre as aventuras das Filhas do Fogo: um grupo de mulheres em busca de seu próprio erotismo.
(Outros) Fundamentos
Aline Motta, cor, 16’, 2019, Brasil | 10 anos
Parte da trilogia que a artista visual Aline Motta iniciou com “Pontes sobre Abismos”. Com imagens captadas em Lagos/Nigéria, Cachoeira/BA e Rio de Janeiro/RJ, o filme mostra as consequências da jornada empreendida pela artista em busca das suas raízes. Com isso, ela procura restabelecer laços com seus ancestrais comuns através das águas e pontes que conectam as três cidades, imaginando uma possível comunicação por espelhos que refletiriam a mesma luz dos dois lados do Atlântico.
Serviço
Mostra El Camino – Cinema de Viagem da América do Sul
31 de maio a 19 de junho 2023
Programação gratuita
Ingressos: disponíveis na bilheteria física e no site bb.com.br/cultura
Classificação indicativa: consultar programação
Email: mostraelcamino@gmail.com
Site: www.anacoluto.art/elcamino
Centro Cultural Banco do Brasil – Rio de Janeiro
Rua Primeiro de Março, 66 – Centro, Rio de Janeiro, RJ
Tel: (21) 3808-2020
Redes sociais CCBB Rio de Janeiro
Instagram: @ccbbrj
Facebook: ccbb.rj
Twitter: @ccbb_rj
Programação
Quarta 31/05
18h30 [Abertura] Os Inundados (87′, Fernando Birri, 1961, Argentina) | 10 anos
*Com apresentação da curadoria por Leonardo Amaral
Quinta 01/06
18h15 Serras da Desordem (135′, Andrea Tonacci, 2006, Brasil) | 14 anos
Projeção em 35 mm
Sexta 02/06
18h A Dupla Jornada (53’, Helena Solberg, 1975, Arg/Bol/Mex//Ven)
(Outros) Fundamentos (16’, Aline Motta, 2019, Brasil)
NoirBlue – Deslocamentos de uma dança (27’, Ana Pi, 2018, Brasil) | 12 anos
*Seguido de debate com cineasta e pesquisadora Milena Manfredini
Sábado 03/06
15h Brasil Ano 2000 (95′, Walter Lima Jr., 1969, Brasil) | 14 anos
*Sessão apresentada pelo diretor
18h A Viagem (136′, Fernando Solanas, 1992, Argentina) | 12 anos
Domingo 04/06
15h Vidas Secas (115’, Nelson Pereira dos Santos, 1963, Brasil) | 10 anos
18h Carlos: Cine-retrato de um andarilho em Montevidéu (31′, Mario Handler, 1967, Uruguai)
Os vampiros da miséria (29′, Luis Ospina, Carlos Mayolo, 1978, Colômbia) | 14 anos
Segunda 05/06
18h Iracema – Uma Transa Amazônica (Jorge Bodanzky, Orlando Senna, 91′, 1975, Brasil) | 16 anos
Quarta 07/06
17h30 A Nação Clandestina (128′, Jorge Sanjinés, 1989, Bolívia) | 12 anos
Quinta 08/06
13h30 Oficina com Fabián Núñez (projeção de filmes)
17h40 Noites Paraguayas (90′, Aloysio Raulino, 1982, Brasil/Paraguai) | 14 anos
Sexta 09/06
18h A Terra Prometida (120′, Miguel Littin, 1973, Chile) | 12 anos
Sábado 10/06
15h20 Pachamama (94′, Erik Rocha, 2008, Brasil/Bolívia/Peru) | 10 anos
17h50 Zama (115′, Lucrecia Martel, 2017, Argentina) | 14 anos
Domingo 11/06
15h Tava, a casa de pedra (78’, Ariel Duarte Ortega, Patrícia Ferreira Pará Yxapy, Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho, 2012, Brasil) | 10 anos
17h30 Os Vampiros da Miséria (29′, Luis Ospina, Carlos Mayolo, 1978, Colômbia)
Sonhos de Gelo (58′, Ignacio Agüero, 1993, Chile) | 14 anos
Segunda 12/06
18h20 As Filhas do Fogo (115’, Albertina Carri, 2019, Argentina) | 18 anos
Quarta 14/06
18h (Outros) Fundamentos (16’, Aline Motta, 2019, Brasil)
NoirBlue – Deslocamentos de uma dança (27’, Ana Pi, 2018, Brasil)
A Dupla Jornada (53’, Helena Solberg, 1975, Arg/Bol/Mex//Ven) | 12 anos
[Acessibilidade: legendas descritivas]
Quinta 15/06
18h A Terra Prometida (120′, Miguel Littin, 1973, Chile) | 12 anos
Sexta 16/06
18h A Viagem (136′, Fernando Solanas, 1992, Argentina) | 12 anos
Sábado 17/06
15h Noites Paraguayas (90′, Aloysio Raulino, 1982, Brasil/Paraguai) | 14 anos
17h30 A Nação Clandestina (128′, Jorge Sanjinés, 1989, Bolívia) | 12 anos
Domingo 18/06
15h Os Inundados (87′, Fernando Birri, 1961, Argentina) | 10 anos
17h30 Iracema – Uma Transa Amazônica (Jorge Bodanzky, Orlando Senna, 91′, 1975, Brasil) | 16 anos
Segunda 19/06
17h30 Vidas Secas (115’, Nelson Pereira dos Santos, 1963, Brasil) | 10 anos
Atividades Paralelas
Sexta-feira 02/06 – 18h
Debate com a pesquisadora e cineasta Milena Manfredini após exibição de “(Outros) Fragmentos” e “NoirBlue” | Livre
[Acessibilidade: LIBRAS]
Sábado 03/06 – 15h
Apresentação de Brasil Ano 2000 pelo diretor Walter Lima Jr.
Quinta-feira 08/06 – 13h30 às 17h
Oficina “O “filme de estrada” no cinema sul-americano, com prof. Fábian Núñez | Livre
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